Interrogante: O que é a força de vontade humana?

Krishnamurti: Não é nada além de uma resistência. A mente criou, através do seu desejo de autoproteção e conforto, muitos obstáculos e barreiras, provocando assim sua própria incompletude, seu próprio sofrimento. Para libertar-se desse sofrimento, a mente começa a lutar contra essas resistências e limitações autocriadas. Nesse conflito nasce e se desenvolve a vontade, com a qual a mente se identifica, dando origem à consciência do “eu. Se essas barreiras não existissem, haveria uma contínua realização na ação, e não uma superação de um conflito. Você está tentando superar, conquistar essas limitações autoimpostas, que apenas dão origem à resistência que chamamos de vontade. Mas se compreendêssemos porque essas barreiras foram criadas, então não haveria uma superação, uma conquista, que apenas cria mais resistência. Essas barreiras, esses obstáculos surgiram através do desejo de autoproteção e, portanto, há um conflito entre o eterno movimento da vida e esse desejo. Desse conflito surgem o sofrimento e as muitas fugas cuidadosamente cultivadas. Onde há fuga há ilusão, há a construção das barreiras.

A vontade é apenas uma das muitas ilusões que foram criadas na busca pela autoproteção. E é somente quando a mente se liberta do seu centro de ilusões e fica vazia criativamente que há o discernimento daquilo que é verdadeiro. O discernimento não é o resultado da vontade, porque a vontade surge da resistência. A vontade é o resultado do conflito da escolha, mas no discernimento não existe escolha.

Rio de Janeiro, 5ª Palestra Pública – 18 de maio de 1935

A primeira parte desta pergunta serve como pano de fundo da própria pergunta, que é: “O que você tem a dizer sobre vontade e caráter, e qual é o seu verdadeiro valor para o indivíduo?” Nenhum do meu ponto de vista. Mas isso não significa que vocês não devem ter vontade, caráter. Não pensem em termos de opostos. O que vocês querem dizer com vontade? A vontade é o resultado da resistência. Se vocês não compreendem uma coisa, vocês querem conquistá-la. Toda conquista é apenas escravidão e, portanto, resistência; e dessa resistência desenvolve-se a vontade, a ideia de “Devo e não devo”. Mas a percepção, a compreensão, liberta a mente e o coração da resistência e, portanto, desta batalha constante do “Devo e não devo.”

A mesma coisa se aplica ao caráter. O caráter é apenas o poder de resistir às muitas invasões da sociedade sobre você. Quanto mais vontade tiverem, maior será a autoconsciência, o “eu”, porque o “eu” é o resultado do conflito, e a vontade nasce da resistência que, por sua vez, cria a autoconsciência. Quando surge a resistência? Quando vocês buscam a aquisição, o ganho, a virtude, quando vocês desejam ter sucesso, quando há imitação e medo.

Tudo isso pode parecer absurdo para vocês, porque vocês estão presos no conflito da aquisição e naturalmente dirão: “O que pode ser um homem sem vontade, sem conflito, sem resistência?” Digo que essa é a única maneira de viver sem resistência, o que não significa não-resistência; isso não significa não ter vontade, não ter propósito, ser levado para cá e para lá. A vontade é o resultado de falsos valores; e quando há compreensão do que é verdadeiro, o conflito desaparece e com ele o desenvolvimento da resistência que se chama vontade. A vontade e o desenvolvimento do carácter, que são como o vidro colorido que perverte a luz clara, não podem libertar o homem; não podem lhes dar compreensão. Pelo contrário, eles limitarão o homem.

Mas uma mente que compreende, uma mente que é flexível, alerta – o que não significa a mente astuta de um advogado esperto, um tipo que é tão predominante na Índia, um tipo que é destrutivo – a mente que é flexível, eu digo, a mente que não está limitada, que não é possessiva, nela não há resistência porque ela compreende; ela percebe a falsidade da resistência, porque é como a água. A água assume qualquer forma e continua sendo água. Mas vocês querem ser moldados de acordo com um padrão específico, porque não têm compreensão completa. Afirmo que quando vocês se realizam, quando agem completamente, vocês não mais procurarão um padrão e exercerão sua vontade para se encaixarem nesse padrão, porque na verdadeira compreensão há um movimento constante, que é a vida eterna.

Adyar, 6ª Palestra Pública – 03 de janeiro de 1934


Na ação da vontade, um desejo dominante se impõe sobre outros desejos.

Quando tentamos romper nosso condicionamento pela ação da vontade, o que acontece? Um desejo se torna dominante e resiste aos outros vários desejos – o que significa que há sempre todo o problema da supressão, resistência e da chamada sublimação. Alguma destas coisas liberta a mente do condicionamento?
Pergunto se nós, realmente, compreendemos a implicação de usar a vontade para se livrar de alguma coisa, ou se tornar alguma coisa. O que é vontade? Certamente vontade é em si mesma, um modo de condicionar a mente, não é? Na ação da vontade, um desejo dominante impõe-se sobre outros desejos, um anseio fica esmagando outros motivos e impulsos. Este processo, obviamente, cria oposição interna e, por isso, sempre há conflito. Assim, a vontade não pode nos ajudar a libertar a mente.

Collected Works; Vol. X; 26; Action