O que acontece quando você perde alguém por morte? A reação imediata é uma sensação de paralisia, e quando você sai desse estado de choque, há o que chamamos sofrimento. Ora, o que essa palavra sofrimento significa? O companheirismo, as palavras felizes, os passeios, as muitas coisas agradáveis que vocês fizeram e esperavam fazer juntos – tudo isso é levado num segundo, e você é deixado vazio, nu, solitário. É a isso que você faz objeção, é contra isso que a mente se rebela: de repente ser deixado por sua própria conta, completamente só, vazio, sem nenhum apoio. Ora, o que importa é viver com esse vazio, apenas viver com isso sem qualquer reação, sem racionalizar, sem correr para médiuns, para a teoria da reencarnação e todas essas estúpidas tolices; viver com isto com todo o seu ser. E se você entrar nisto passo a passo, descobrirá que existe um fim para o sofrimento, um fim verdadeiro, não apenas um fim verbal, não o fim superficial que chega pela fuga, pela identificação com um conceito ou o compromisso com uma ideia. Então você descobrirá que não existe nada para proteger, porque a mente está completamente vazia e não está mais reagindo no sentido de tentar preencher esse vazio; e quando todo o sofrimento chegar ao fim, você terá iniciado outra viagem; uma viagem que não tem fim nem começo. Existe uma imensidão que está além de toda medida, mas você não pode entrar nesse mundo antes do fim total do sofrimento.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida
Se você andar pela estrada, verá o esplendor da natureza, a extraordinária beleza dos campos verdes e os céus abertos; e ouvirá o riso das crianças. Mas apesar de tudo isso, há uma sensação de sofrimento. Há a angústia de uma mulher carregando uma criança; há sofrimento na morte; há sofrimento quando você vai atrás de alguma coisa e ela não acontece; há sofrimento quando uma nação decai, vai à falência; e há o sofrimento da corrupção, não só no coletivo, mas também no indivíduo. Há sofrimento em nossa própria casa, se você olha profundamente – o sofrimento de não ser capaz de se realizar, o sofrimento de sua própria insignificância ou incapacidade e vários sofrimentos inconscientes.
Há também riso na vida. O riso é uma coisa adorável; rir sem razão, ter alegria sem causa no próprio coração, amar sem querer algo de volta. Mas tal riso raramente nos acontece. Estamos sobrecarregados de sofrimento, nossa vida é um processo de miséria e disputa, uma contínua desintegração, e nós quase nunca sabemos o que é amar com todo nosso ser.
Queremos encontrar uma solução, um meio, um método para resolver este fardo da vida, e assim, nós nunca de fato olhamos para o sofrimento. Tentamos fugir através de mitos, imagens, especulação; esperamos encontrar algum meio de evitar este peso, de ficar longe da onda do sofrimento.
O sofrimento tem um fim, mas ele não acontece através de algum sistema ou método. Não existe sofrimento quando existe percepção do que é.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida
Quando não existe observador que sofre, o sofrimento é diferente de você? Você é o sofrimento, não é? Você não está apartado da dor, você é a dor. O que acontece? Não há padronização, não há nomear e, consequentemente, deixar de lado; você é simplesmente essa dor, esse sentimento de agonia. Quando você é isso, o que acontece? Quando você não dá nome, quando não existe medo em relação a isto, o centro está em relação com isto? Se o centro está em relação com isto, então ele tem medo disto. Então ele deve fazer alguma coisa a respeito disto. Mas se o centro é isso, então o que você faz? Não há nada a fazer, há? Se você é isso e está aceitando, não está nomeando, não está deixando de lado; se você é essa coisa, o que acontece? Então você diz que sofre? Certamente, uma transformação fundamental aconteceu. Aí não existe mais “eu sofro”, porque não existe centro para sofrer; e o centro sofre porque nunca examinamos o que o centro é. Nós vivemos de palavra para palavra, de reação para reação.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida
Sofrimento é agonia, incerteza, o sentimento de completa solidão. Existe o sofrimento da morte, o sofrimento de não ser capaz de se realizar, o sofrimento de não ser reconhecido, o sofrimento de amar e não ser amado. Existem inumeráveis formas de sofrimento, e me parece que sem compreender o sofrimento, não há fim para o conflito, miséria, para o árduo trabalho diário de corrupção e deterioração. Existe sofrimento consciente, e existe também sofrimento inconsciente, o sofrimento que parece não ter base, sem causa imediata. A maioria de nós conhece o sofrimento consciente, e também sabemos como lidar com ele. Ou fugimos dele através da crença religiosa ou o racionalizamos, ou usamos algum tipo de droga, seja intelectual ou física; ou nos confundimos com palavras, com diversões, com entretenimento superficial. Nós fazemos tudo isto e, contudo, não podemos fugir do sofrimento consciente. E então há o sofrimento inconsciente que herdamos através dos séculos. O homem sempre procurou dominar esta coisa extraordinária chamada sofrimento, agonia, miséria; mas mesmo quando estamos superficialmente felizes e temos tudo que queremos, no fundo do inconsciente estão ainda as raízes do sofrimento. Então, quando falamos do fim do sofrimento, queremos dizer o fim de todo o sofrimento, tanto consciente como inconsciente. Para acabar com o sofrimento a pessoa tem que ter uma mente muito clara, muito simples. Simplicidade não é uma mera ideia. Ser simples demanda muita inteligência e sensibilidade.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida