Existe um Plano Divino?

Pergunta: Existe, ou não existe, um Plano Divino? Qual o sentido de nosso esforço se não existe um?

Krishnamurti: Por que nos esforçamos? E para que nos esforçamos? O que aconteceria se não nos esforçássemos? Nós decairíamos e estagnaríamos? O que é este constante esforço para ser alguma coisa? O que indica este esforço, este empenho? E a compreensão chega através do esforço, do empenho? A pessoa está constantemente se empenhando para se tornar melhor, para se transformar, para se adequar a determinado padrão, se tornar alguma coisa – de funcionário a chefe, de chefe até divino. E esse empenho traz a compreensão? Penso que a questão do esforço deveria ser realmente compreendida. O que é isto que está fazendo esforço, e o que queremos dizer com “o vir a ser”? Nós fazemos um esforço, não fazemos? A fim de obtermos um resultado, a fim de nos tornarmos melhores, a fim de sermos mais virtuosos, ou menos alguma outra coisa. Há esta constante batalha acontecendo em nós, entre desejos positivos e negativos, um substituindo o outro, um desejo controlando o outro – apenas nós chamamos isso de ego superior ou inferior. Mas, obviamente, é ainda desejo. Você pode colocá-lo em qualquer nível, e lhe dar um nome diferente; é ainda desejo, a ânsia de ser alguma coisa. Há também o constante empenho dentro da pessoa e com os outros, com a sociedade. Agora, este conflito de desejos traz compreensão? O conflito dos opostos, o querer e não-querer, traz esclarecimento? E existe compreensão no esforço de nos aproximarmos de uma ideia? Assim, o problema não é o esforço, o empenho, ou o que aconteceria se não nos empenhássemos, se não fizéssemos um esforço, se não lutássemos para ser alguma coisa, psicologicamente assim como externamente; o problema é: como surge a compreensão? Porque, quando há compreensão, não há esforço. O que você compreende, disso você está livre. Como a compreensão surge? Não sei se você já notou que quanto mais você luta para compreender, menos compreende qualquer problema. Mas, no momento em que você deixa de lutar e permite que o problema lhe conte toda a história, mostre toda sua significação – então há compreensão; o que significa, obviamente, que para compreender, a mente deve estar quieta. A mente deve estar sem escolha, passivamente, consciente; e nesse estado, há a compreensão dos muitos problemas de sua vida. O interrogante quer saber se existe, ou se não existe, um Plano Divino. Não sei o que você quer dizer com “Plano Divino”. Mas nós sabemos, não sabemos? Que estamos em sofrimento, que estamos confusos, que confusão e sofrimento estão crescendo, socialmente, psicologicamente, individualmente e coletivamente. É o que fizemos deste mundo. Se existe um Plano Divino ou não, não é absolutamente importante. Mas o importante é compreender a confusão em que vivemos, externamente assim como internamente. E para compreender essa confusão, devemos começar, obviamente, conosco mesmos – porque nós somos a confusão; fomos nós que produzimos esta confusão externa no mundo. E para arrumar essa confusão, devemos começar conosco mesmos; porque o que somos, o mundo é.

Londres, 4ª Palestra Pública – 23 de outubro de 1949


Existe alguma coisa sagrada na vida?

Existe alguma coisa sagrada na vida? Não inventada pelo pensamento, porque o homem, desde tempos imemoriais, sempre fez essa pergunta: Existe alguma coisa além de toda esta confusão, miséria, escuridão, ilusões; além das instituições e reformas; existe alguma coisa realmente verdadeira, alguma coisa além do tempo, alguma coisa tão imensa que o pensamento não pode chegar nela? O homem investigou isso. E aparentemente só muito, muito, muito poucas pessoas foram livres para entrar nesse mundo. E o sacerdote, desde tempos antigos, fica entre aquele que busca e o que ele espera encontrar. Ele interpreta, se torna o homem que sabe, ou pensa que sabe. E está num beco sem saída, desviado; perdido. Assim, se queremos investigar naquilo que é mais sagrado, que é inominável, eterno, a pessoa, obviamente, não deve pertencer a nenhum grupo, nem religião, não deve ter crença nem fé porque crer e ter fé é aceitar como verdadeira alguma coisa que pode ou não existir. Essa é a natureza da crença; tomar por garantido, aceitar uma coisa como verdadeira quando sua própria investigação, sua própria vitalidade, energia, não descobriu, você crê. Porque na crença existe alguma forma de segurança, conforto. Mas um homem que está meramente buscando conforto psicológico, tal homem nunca chegará àquilo que está além do tempo.

Rajghat, 2ª Palestra Pública – 01 de dezembro de 1963; Obras coletadas; Vol. 2