Ajude-os a ser inteligentes

Pergunta: Qual é o curso mais sábio a se tomar – proteger e abrigar o ignorante com conselho e orientação, ou deixá-lo descobrir com sua própria experiência e sofrimento mesmo que possa tomar toda vida deles para livrá-los dos efeitos de tal experiência e sofrimento?

Krishnamurti: Eu diria nem um nem outro; eu diria para ajudá-los a ser inteligentes, o que é uma coisa completamente diferente. Quando você quer guiar e proteger o ignorante, está realmente lhe dando um abrigo que você criou para si mesmo. E tomando o outro ponto de vista, ou seja, deixá-los ir à deriva pelas experiências, é igualmente tolice. Mas podemos ajudar o outro com a verdadeira educação – não essa doença moderna que chamamos educação, isto de passar em provas e universidades. Não chamo isso de educação de fato. É meramente ridicularizar a mente. Mas essa é uma questão diferente. Se podemos ajudar o outro a ser inteligente, isso é tudo que precisamos fazer. Mas essa é a coisa mais difícil do mundo, pois a inteligência não oferece abrigo para as lutas e embates da vida, nem dá conforto; ela apenas cria compreensão. A inteligência é livre, desimpedida, sem medo ou superficialidade. Podemos ajudar o outro para libertar-se da ganância, das muitas ilusões e obstáculos que o amarram, apenas quando começamos a libertar a nós mesmos. Mas temos esta extraordinária atitude de querer melhorar as massas enquanto nós mesmos somos ainda ignorantes, ainda presos na superstição, na ganância. Quando começamos a nos libertar, então poderemos libertar o outro natural e verdadeiramente.

Adyar, 6ª Palestra Pública – 03 de janeiro de 1934


A informação não vai nos tornar inteligentes

É óbvio que a música do rádio é uma maravilhosa fuga. Na porta ao lado, eles mantinham a coisa ligada o dia todo e noite afora. O pai saía para o escritório bem cedo. A mãe e a filha trabalhavam em casa ou no jardim; e quando trabalhavam no jardim o rádio tocava mais alto. Aparentemente o filho também apreciava a música e os comerciais, pois quando estava em casa o rádio continuava do mesmo modo. Com o rádio a pessoa pode ouvir indefinidamente todo tipo de música, da clássica até a mais atual; pode ouvir peças de mistério, notícias, e todas as coisas que são constantemente veiculadas. Não é preciso conversa, troca de pensamento, pois o rádio faz quase tudo por você. O rádio, dizem, ajuda os estudantes a estudar; e as vacas dão mais leite quando há música. O mais estranho sobre tudo isto é que o rádio parece alterar muito pouco o curso da vida. Pode fazer algumas coisas um pouco mais convenientes; podemos ter notícias globais mais rapidamente e saber de assassinatos descritos mais vividamente; mas a informação não vai nos tornar mais inteligentes. A fina camada de informação sobre os horrores da bomba atômica, sobre alianças internacionais, a pesquisa da clorofila, e assim por diante, não parece fazer nenhuma diferença fundamental em nossas vidas. Somos propensos à guerra como sempre, odiamos algum outro grupo de pessoas, desprezamos este líder político e apoiamos aquele, somos enganados pela religiões organizadas, somos nacionalistas, e nossas misérias continuam; e nos concentramos em fugas, quanto mais respeitáveis e organizadas, melhor. Fugir coletivamente é a mais alta forma de segurança. Encarando o que é, podemos fazer alguma coisa a respeito; mas fugir do que é inevitavelmente nos torna estúpidos e embotados, escravos da sensação e da confusão.

J. Krishnamurti – Comentários sobre o viver; Capítulo 27; O Rádio e a Música


Intelecto vs. inteligência

Treinar o intelecto não resulta em inteligência. Mais propriamente, a inteligência surge quando a pessoa age em perfeita harmonia, intelectualmente e emocionalmente. Existe imensa distinção entre intelecto e inteligência. O intelecto é apenas o pensamento funcionando independentemente da emoção. Quando o intelecto, sem considerar a emoção, é treinado em alguma direção particular, a pessoa pode ter grande intelecto, mas não tem inteligência, porque na inteligência há uma capacidade inerente de sentir assim como de raciocinar, na inteligência as duas capacidades estão igualmente presentes, intensamente e harmoniosamente.
Se você traz suas emoções para os negócios, você diz, os negócios não podem ser bem administrados ou honestos. Assim, você divide sua mente em compartimentos: num compartimento você guarda seu interesse religioso, noutro suas emoções, num terceiro seus negócios que não têm nada a ver com sua vida intelectual e emocional. Sua mente de negócios trata a vida meramente como meio de ganhar dinheiro para viver. Portanto, esta existência caótica, esta divisão em sua vida continua. Se você realmente usasse sua inteligência nos negócios, ou seja, se suas emoções e seu pensamento estivessem atuando harmoniosamente, seus negócios podiam fracassar. Provavelmente fracassariam. E você provavelmente deixaria que fracassassem quando realmente sentisse o absurdo, a crueldade, e a exploração que estão implicadas neste modo de viver.
Até você realmente abordar toda a vida com sua inteligência, em vez de apenas com seu intelecto, nenhum sistema no mundo salvará o homem do incessante trabalho árduo pelo pão.

J. Krishnamurti – O Livro da Vida


A natureza da armadilha

O sofrimento é resultado de um choque, é um abalo temporário em uma mente que se acomodou, que aceitou a rotina da vida. Alguma coisa acontece – uma morte, a perda de emprego, o questionamento de uma crença apreciada – e a mente fica perturbada. Mas o que faz uma mente perturbada? Ela encontra um modo de ficar inalterada outra vez; se refugia em outra crença, num emprego mais seguro, numa nova relação. Novamente a onda da vida chega e abala suas defesas, mas logo a mente encontra outras defesas; e assim ela vai.
Nenhuma forma de compulsão externa ou interna ajudará, não é? Toda compulsão, embora sutil, é o resultado da ignorância; ela nasce do desejo de prêmio, ou do medo da punição. Compreender toda a natureza da armadilha é estar livre dela; nenhuma pessoa, nenhum sistema, nenhuma crença pode libertá-lo. A verdade disto é o único fator liberador, mas você tem que ver isso por si mesmo e não simplesmente ser persuadido. Você tem que empreender a viagem num oceano sem mapa.

J. Krishnamurti – O Livro da Vida