Se estou interessado em compaixão, amor, com o sentimento verdadeiro de algo sagrado, então como esse sentimento é transmitido? Por favor, acompanhem isto. Se eu o transmito através do microfone, através do mecanismo da propaganda, e assim convenço o outro, o coração dele estará ainda vazio. A chama da ideologia irá operar, e ele simplesmente repetirá. Como vocês todos estão repetindo, que nós devemos ser gentis, bons, livres – toda a tolice que os políticos, os socialistas, e o resto deles falam. Então, vendo que nenhuma forma de compulsão, mesmo sutil, não traz beleza, este florescer da bondade, da compaixão, o que faz o indivíduo? Qual é a relação entre o homem que tem esse sentido de compaixão, e o homem cuja mente está enredada no coletivo, no tradicional? Como vamos descobrir a relação entre estes dois, não teoricamente, mas de fato? Aquilo que se conforma nunca pode florescer em bondade. Deve haver liberdade, e a liberdade só chega quando você compreende a totalidade do problema da inveja, ambição, ganância, e o desejo de poder. É a liberdade dessas coisas que permite a extraordinária coisa chamada qualidade de florescer. Tal homem tem compaixão, ele sabe o que é amar – não meramente o homem que repete uma porção de palavras sobre moralidade. Então o florescimento da bondade não está dentro da sociedade, porque a sociedade em si é corrupta. Só o homem que compreende toda a estrutura e processo da sociedade, e está se libertando disto, tem qualidade, e só ele pode florescer em bondade.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida
Pode a compaixão, esse sentido de bondade, esse sentimento da sacralidade da vida de que falávamos na última vez que nos encontramos; pode esse sentimento surgir por compulsão? Certamente, quando há compulsão sob qualquer forma, quando há propaganda ou moralização, não há compaixão, nem há compaixão quando a mudança é produzida meramente através de ver a necessidade de encontrar o desafio tecnológico de tal modo que os seres humanos permanecerão humanos e não se tornarão máquinas. Então deve haver uma mudança sem nenhuma causa. Uma mudança provocada por uma causa não é compaixão; é meramente uma coisa de mercado. Assim, esse é um problema.
Outro problema é: se eu mudar, como isso afetará a sociedade? Ou eu não estou absolutamente interessado nisso? Porque a vasta maioria das pessoas não está interessada no que estamos falando, nem você se ouvir por curiosidade ou algum tipo de impulso, e seguir em frente. As máquinas estão progredindo tão rápido que a maioria dos seres humanos é simplesmente levada e não é capaz de encontrar a vida com a riqueza do amor, com compaixão, com pensamento profundo. E se eu mudar, como isto afetará a sociedade, que é minha relação com você? A sociedade não é uma entidade mítica extraordinária; ela é nossa relação um com o outro, e se dois ou três de nós mudamos, como isto afetará o resto do mundo? Ou existe um modo de afetar a totalidade da mente humana? Ou seja, existe um processo pelo qual o indivíduo que está mudado pode tocar o inconsciente do homem?
J. Krishnamurti – O Livro da Vida
O pensamento não pode, por nenhum meio, cultivar a compaixão. Eu não estou usando essa palavra compaixão para significar o oposto, a antítese de ódio ou violência. Mas a menos que cada um de nós tenha um profundo sentimento de compaixão, nós nos tornaremos mais e mais brutos, inumanos um com o outro. Teremos mente mecânicas, como computadores meramente sendo treinadas para cumprir certas funções; continuaremos buscando segurança, física e psicológica, e perderemos a extraordinária profundidade e beleza, toda a significação da vida. Por compaixão não quero dizer uma coisa a ser adquirida. Compaixão não é a palavra, que é meramente do passado, mas uma coisa do presente ativo; é o verbo e não a palavra, o nome ou o termo. Existe uma diferença entre o verbo e a palavra. O verbo é do presente ativo, ao passo que a palavra é sempre do passado e, portanto, estática. Você pode dar vitalidade ou movimento ao nome, à palavra, mas não é o mesmo que o verbo, que está presente ativamente. Compaixão não é sentimento; ela não é esta vaga simpatia ou empatia.
A compaixão não é uma coisa que você possa cultivar através do pensamento, da disciplina, controle, supressão, nem sendo gentil, polido, delicado e todo o resto. A compaixão surge apenas quando o pensamento chegou ao fim em sua própria origem.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida
O que é ser compassivo? Por favor, descubra por si mesmo, perceba se uma mente que está ferida, que pode ser ferida, pode perdoar. Pode uma mente capaz de ser ferida, perdoar? E pode tal mente que é capaz de ser ferida, que cultiva a virtude, que está consciente da generosidade, pode tal mente ser compassiva? Compaixão, como amor, é uma coisa que não está na mente. A mente não está consciente de si mesma como sendo compassiva, amando. Mas no momento em que você perdoa conscientemente, a mente está reforçando seu próprio centro em sua própria ferida. Assim a mente que conscientemente perdoa nunca pode perdoar; ela não conhece perdão; ela perdoa a fim de não ser mais ferida.
Assim é muito importante descobrir por que a mente de fato lembra, guarda. Porque a mente está eternamente buscando enaltecer a si mesma, se tornar grande, ser alguma coisa. Quando a mente não quer ser alguma coisa, ser nada, completamente nada, então nesse estado existe compaixão. Nesse estado não existe nem perdão nem o estado de ferir mas para compreender isso, a pessoa tem que compreender o desenvolvimento consciente do “eu”.
Então, enquanto houver o cultivo consciente de qualquer influência particular, qualquer virtude particular, não pode haver amor. Não pode haver compaixão, porque amor e compaixão não são resultados de esforço consciente.
J. Krishnamurti – O Livro da Vida