https://jkrishnamurti.org/content/university-montevideo-public-talk-6th-july-1935

                                                                                                                    Palestra na Universidade, Montevideo

Amigos, para provocar uma ação de massa é preciso um despertar individual; caso contrário, a massa se torna apenas um instrumento nas mãos de poucos para fins de exploração. Portanto, ou você se deixa explorar ou começa a despertar a verdadeira inteligência, que é viver completamente, plenamente, sem exploração.

Agora, o que despertará o indivíduo de suas acumulações egoístas, satisfatórias? O processo contínuo de despertar a mente de suas próprias limitações é uma experiência verdadeira. Quando há essa ação da experiência em uma mente limitada, o despertar é chamado de sofrimento. Para a maioria de nós, o desejo de nos apegar a certezas, seguranças, hábitos de pensamento, tradições, é tão grande que qualquer coisa que venha nos tirar desse ritmo de segurança, desses valores estabelecidos, criando assim insegurança, nós chamamos de sofrimento. Quando há sofrimento, há um intenso desejo de escapar dele, então a mente cria mais valores ilusórios que são satisfatórios e consoladores. Esses valores são estabelecidos por meio de reações defensivas contra a inteligência. O que chamamos de valores, moralidades, na verdade se baseia nessas reações de autodefesa contra o movimento da vida. A mente se tornou uma escrava inconsciente desses valores.

Temos ideais, valores, tradições, nos quais estamos constantemente nos abrigando quando há conflito ou sofrimento. A inteligência, que é a percepção do falso e que é despertada pelo sofrimento, é novamente adormecida pelo estabelecimento de outros conjuntos de valores, que viverão em um conforto ilusório. Portanto, passamos de uma ilusão para outra. Há conflito e sofrimento constantes até que a mente esteja livre de todas as ilusões, até que haja inteligência criativa.

Pergunta: É um dos deveres dos professores mostrar às crianças que a guerra, em qualquer uma de suas formas, é inerentemente errada?

Krishnamurti: O que aconteceria com um professor que realmente ensinasse todo o significado, a estupidez da guerra? Ele logo ficaria sem emprego. Portanto, sabendo disso, ele começa a se ajustar. (Risos) Todos vocês riem, dizem que é perfeitamente verdade, mas são vocês que mantêm todo esse sistema de pensamento. Se vocês realmente sentissem humanamente a feiura e a crueldade da guerra, vocês, como indivíduos, não contribuiriam para todos os passos que levam ao nacionalismo e, eventualmente, à guerra. Afinal, a guerra é apenas o resultado de um sistema baseado na exploração e na aquisitividade. Nós esperamos que por algum milagre todo esse sistema mude. Não queremos agir individualmente, voluntariamente, livremente, mas estamos esperando que outros criem um sistema no qual não teremos responsabilidade individualmente. Se isso acontecer, nos tornaremos apenas escravos de outro sistema.

Se um professor realmente sente que não deve ensinar a guerra, porque compreende todo o significado dela, então ele agirá. Um homem que sente de forma profunda e inteligente a crueldade de uma coisa em si agirá sem considerar o que lhe acontecerá. (Aplausos)

Pergunta: Qual deve ser o verdadeiro propósito da educação?

Krishnamurti: Se você pensa que o homem não é nada mais que uma máquina, argila a ser moldada, a ser modelada de acordo com um padrão particular, então você deve ter compulsão implacável, disciplina rigorosa; pois assim você não quer despertar a inteligência individual, o pensamento criativo, mas apenas deseja que o indivíduo seja condicionado em um sistema particular. É isso que está acontecendo no mundo todo, em alguns casos de forma sutil e em outros de forma grosseira. Você vê compulsão de várias formas exercida sobre seres humanos, destruindo assim gradualmente sua inteligência, sua realização.

A maioria de vocês que são religiosamente inclinados, e que falam sobre Deus e imortalidade, não acredita fundamentalmente na realização individual, pois na própria estrutura do pensamento religioso, através do medo, vocês permitem a compulsão e a imposição. Ou há a realização individual ou a mecanização completa do homem; não pode haver um ajustamento entre os dois. Não se pode dizer que o homem deve se encaixar em um padrão, que ele tem que obedecer, seguir, ter autoridade e, ao mesmo tempo, pensar que ele é uma entidade espiritual.

Quando você começar a compreender o profundo significado da vida humana, então haverá verdadeira educação. Mas para compreender isso, a mente deve se libertar da autoridade e da tradição através do discernimento do seu verdadeiro significado. As questões superficiais sobre isso serão respondidas quando você examinar profundamente todas as sutilezas da autoridade. Há inevitavelmente a forma sutil e grosseira de compulsão quando a mente busca segurança, proteção. Portanto, uma mente que deseja se libertar da compulsão não deve buscar a limitação da segurança, da certeza. Para compreender o profundo significado da autoridade e da compulsão, você precisa de um pensamento muito delicado e cuidadoso.

Pergunta: Você nega autoridade, mas não está criando autoridade também através de tudo o que você está dizendo ou ensinando ao mundo, mesmo que insista que as pessoas não devem reconhecer nenhuma autoridade? Como você pode impedir que as pessoas o sigam como autoridade? Você pode evitar isso?

Krishnamurti: Se um homem deseja obedecer e seguir alguém, ninguém pode impedi-lo; mas isso é algo muito estúpido, leva a grande infelicidade e frustração. Se aqueles que estão me ouvindo realmente começarem a pensar profundamente sobre autoridade, então eles não seguirão ninguém, nem mesmo a mim. Mas, como eu disse, é muito mais fácil seguir e imitar do que realmente libertar o pensamento da limitação do medo e, portanto, da compulsão e da autoridade. Uma é a entrega fácil de si mesmo ao outro, na qual há sempre a ideia de receber algo em troca, enquanto na outra há absoluta insegurança; e como as pessoas preferem a ilusão do conforto e da segurança, elas seguem a autoridade com sua frustração. Mas se a mente discerne a natureza ilusória do conforto ou da segurança, então nasce a inteligência, o novo, a vida vital.

Pergunta: Uma pessoa com mentalidade religiosa, mas que tem o poder de pensar profundamente, pode perder sua fé depois de ouvi-lo. Mas se o medo dela persistir, que vantagem isso terá para ela?

Krishnamurti: O que cria a fé no homem? Fundamentalmente, o medo. Você diz: “Se eu me livrar da fé, ficarei com medo e, portanto, não terei ganhado nada”. Portanto, você prefere viver em uma ilusão, apegado às suas fantasias. Para escapar do medo, você cria a fé. Agora, quando você dissolve a fé através do pensamento profundo, você fica cara a cara com o medo; só então você pode resolver a causa do medo. Quando todas as vias de fuga forem completamente compreendidas e destruídas, você estará cara a cara com a raiz do medo; só então a mente poderá se libertar das garras do medo.

Quando há medo, então as religiões e autoridades, que vocês criaram em sua busca por segurança, lhes oferecem a droga que vocês chamam de fé ou de amor a Deus. Assim, vocês apenas encobrem o medo, que se expressa de maneiras ocultas e sutis. Então vocês continuam rejeitando velhas crenças e aceitando novas; mas o verdadeiro veneno, a raiz do medo, nunca é dissolvido. Enquanto houver essa consciência limitada, o “eu”, haverá medo. Até que a mente se liberte dessa consciência limitada, o medo permanecerá de uma forma ou de outra.

Pergunta: Você acha que é possível resolver problemas sociais transformando o estado em uma máquina todo-poderosa em todos os campos do esforço humano, tendo um homem poder supremo sobre o estado e a nação? Em outras palavras, o fascismo tem alguma característica útil? Ou será que ele deve ser combatido, como deve ser a guerra, como inimigo do bem-estar supremo do homem?

Krishnamurti: Se em alguma organização existir distinções de classe ou hierárquicas baseadas na aquisitividade, então tal organização será um impedimento para o homem. Como pode haver o bem-estar do homem se sua atitude em relação à vida é nacionalista, voltada para as classes ou aquisitiva? Por causa disso, as pessoas são divididas em nações, dirigidas por governos soberanos que criam guerras. Assim como a possessividade e o nacionalismo dividem, também as religiões, com suas crenças e dogmas, separam as pessoas. Enquanto essas coisas existirem, haverá divisões, guerras, disputas e conflitos.

Para compreender qualquer um desses problemas, precisamos pensar de maneira nova, o que exige grande sofrimento; e como pouquíssimas pessoas estão dispostas a passar por isso, nós aceitamos partidos políticos com seus jargões, e achamos que com isso estamos dissolvendo os problemas fundamentais.

6 de julho de 1935.