https://jkrishnamurti.org/content/rio-de-janeiro-1st-public-talk-13th-april-1935

                                                                                                                          1ª palestra no Rio de Janeiro

Amigos, como tem havido tantos equívocos e mal-entendidos nos jornais e revistas a meu respeito, acho melhor eu fazer uma declaração para esclarecer a situação. As pessoas geralmente desejam ser salvas por outra pessoa ou por algum milagre ou por ideias filosóficas. E temo que muitas venham aqui com esse desejo, esperando que apenas me ouvindo, elas encontrarão uma solução imediata para seus muitos problemas. Nem a solução para seus problemas nem sua suposta “salvação” podem vir através de qualquer pessoa ou sistema filosófico. A compreensão da Verdade, ou da vida, passa pelo próprio discernimento, pela própria constância e clareza de pensamento. Como a maioria de nós tem preguiça de pensar por si mesmo, nós aceitamos e seguimos cegamente as pessoas ou nos apegamos a ideias, que se tornam nosso meio de fuga em tempos de conflito e sofrimento.

Em primeiro lugar, quero explicar que não pertenço a qualquer sociedade. Não sou teosofista nem missionário teosófico, nem vim aqui para convertê-los a alguma forma particular de crença. Não creio que seja possível seguir alguém ou aderir a uma determinada crença e, ao mesmo tempo, ter a capacidade de pensar claramente. É por isso que a maioria dos partidos, sociedades, seitas, organizações religiosas se tornam meios de exploração.

Também não trago uma filosofia oriental, forçando você a aceitá-la. Quando falo na Índia, me dizem que o que eu falo é uma filosofia ocidental. E quando venho aos países ocidentais, me dizem que trago um misticismo oriental que é impraticável e inútil no mundo da ação. Mas se realmente pensarmos nisso, o pensamento não tem nacionalidade, nem é limitado por algum país, clima ou povo. Portanto, por favor, não considere que o que vou dizer é resultado de algum preconceito étnico peculiar, idiossincrasia ou peculiaridade pessoal. O que tenho a dizer é real, real no sentido de que pode ser aplicado à vida atual do homem. Não é uma teoria baseada em algumas crenças e esperanças, mas é praticável e aplicável ao homem.

Agora, o pleno significado do que vou dizer só pode ser compreendido através da experimentação e, portanto, da ação. A maioria de nós gosta de discutir questões filosóficas em que as ações diárias não têm participação. Ao passo que aquilo de que falo não é uma filosofia ou um sistema de pensamento, e o seu significado profundo só pode ser compreendido através da experiência, da ação.

O que digo não é uma teoria, uma crença intelectual a ser meramente discutida; exige muita reflexão; e somente por meio da ação, não através da discussão intelectual, você poderá descobrir se isso é verdadeiro e prático. Não se trata de um sistema a ser memorizado, nem de um conjunto de conclusões que pode ser aprendido e executado automaticamente. Isso deve ser compreendido de forma crítica. Agora, a crítica é diferente da oposição. Se você é realmente crítico, você não se oporá apenas, mas tentará descobrir se o que eu digo tem algum mérito intrínseco em si mesmo. Isso exige clareza de pensamento da sua parte para que você possa romper a ilusão das palavras, não permitindo que seus preconceitos, sejam religiosos ou econômicos, o impeçam de pensar fundamentalmente. Ou seja, é preciso pensar desde o início, de forma simples e direta. Todos nós fomos criados com muitos preconceitos, fomos nutridos em tradições decadentes e limitados pelo ambiente e, portanto, o nosso pensamento é continuamente pervertido e distorcido, impedindo assim a simplicidade da ação.

Tomemos, por exemplo, a questão da guerra. Sabem, muitos discutem o certo e o errado da guerra. Certamente, não pode haver dois modos de olhar para essa questão. A guerra, defensiva ou ofensiva, é fundamentalmente errada. Agora, para pensar desde o início em relação a essa questão, a mente deve estar completamente livre da doença do nacionalismo. Nós somos impedidos de pensar fundamentalmente, diretamente, simplesmente por causa dos preconceitos que têm sido explorados ao longo dos tempos sob o pretexto do patriotismo com seus absurdos.

Portanto, nós criamos ao longo dos séculos muitos hábitos, tradições, preconceitos que impedem o indivíduo de pensar completamente, fundamentalmente sobre questões humanas vitais.

Agora, para compreender os muitos problemas da vida, com suas variedades de sofrimento, devemos descobrir, por nós mesmos, os motivos e causas fundamentais, com seus resultados e efeitos. A menos que estejamos plenamente conscientes das nossas ações, das suas causas e efeitos, nós exploraremos e seremos explorados, nos tornaremos escravos dos sistemas e as nossas ações serão apenas mecânicas e automáticas. Até que possamos libertar conscientemente nossas ações dos seus efeitos limitantes através da compreensão do significado da sua causa, a menos que nos libertemos conscientemente das velhas formas de pensamento que construímos ao nosso redor, não seremos capazes de penetrar nas inúmeras ilusões que criamos em nossa volta, nas quais estamos entrincheirados.

Cada um tem de perguntar a si mesmo o que está buscando. Ou se está apenas sendo conduzido pelas circunstâncias e condições e, portanto, é irresponsável e irrefletido. Aqueles de vocês que estão realmente descontentes, que são críticos, devem ter se perguntado o que cada indivíduo está buscando. Vocês estão buscando conforto, segurança ou a compreensão da vida? Muitos dirão que procuram a Verdade. Mas se eles examinassem seu anseio, sua busca, veriam que realmente procuram conforto, segurança, uma fuga do conflito, do sofrimento.

Agora, se você está buscando conforto e segurança, isso se baseia na aquisição e, portanto, na exploração e na crueldade. Se você disser que está buscando a Verdade, você se tornará um prisioneiro da ilusão, pois a Verdade não pode ser perseguida, procurada. Ela acontece. Ou seja, seu êxtase será conhecido apenas quando a mente estiver totalmente despojada de todas as ilusões que criou na busca por sua própria segurança e conforto. Somente então haverá o alvorecer daquilo que é a Verdade.

Em outras palavras, temos que nos perguntar em que se baseiam nossa vida, pensamento e ação. Se pudermos responder isso de forma completa e verdadeira, então poderemos descobrir, por nós mesmos, quem é o criador das ilusões, dessas supostas realidades das quais nos tornamos prisioneiros.

Se você realmente pensar sobre isso, verá que toda nossa vida é baseada na busca por segurança, proteção e conforto individual. Nessa busca por segurança nasce o medo naturalmente. Quando buscamos conforto, quando a mente tenta escapar da luta, do conflito, do sofrimento, ela cria várias avenidas de fuga, e essas avenidas de fuga se tornam nossas ilusões. Portanto, o medo, que é o resultado da busca por segurança individual, é o criador das ilusões. Isso leva você de uma seita religiosa a outra, de uma filosofia a outra, de um professor a outro para ter essa segurança, esse conforto. Isso você chama de busca pela Verdade, pela felicidade.

Agora, não há segurança nem conforto, mas apenas clareza de pensamento que traz a compreensão da causa fundamental do sofrimento, que é a única coisa que libertará o homem. Nessa libertação reside a bem-aventurança do presente. Eu digo que existe uma realidade eterna que só pode ser descoberta quando a mente está livre de toda ilusão. Portanto, tome cuidado com a pessoa que lhe oferece conforto, pois nisso há exploração. Ela cria uma armadilha na qual você é pego como um peixe na rede.

Na busca por conforto e segurança, a vida passa a ser dividida em religiosa ou espiritual e econômica ou material. A segurança material é buscada através das posses que dão poder. E através desse poder você espera alcançar a felicidade. Para alcançar essa segurança material, poder, há exploração, exploração do seu próximo através de um sistema deliberadamente construído e que se tornou hediondo nas suas muitas crueldades. Essa busca por segurança individual, na qual está incluída também a busca pela própria família, criou distinções de classe, ódios étnicos, nacionalismos, terminando eventualmente em guerras. E curiosamente, se considerarmos isso, a religião, que deveria condenar a guerra, ajuda a promovê-la. Os sacerdotes, que supostamente deveriam ser os educadores do povo, incentivam todas as futilidades que o nacionalismo cria, que cegam as pessoas em momentos de ódio nacional. E vocês criam o sistema, baseado na segurança e no conforto individual, que vocês chamam de religião. Vocês criaram as organizações religiosas que são apenas formas cristalizadas de pensamento e que asseguram a imortalidade pessoal.

Abordarei essa questão da imortalidade em uma de minhas palestras posteriores.

Portanto, através da busca pela segurança individual, através da demanda por continuidade individual, vocês criaram uma religião que os explora por meio de artimanhas sacerdotais, cerimônias e dos chamados ideais. O sistema que vocês chamam de “religião”, que foi criado através da sua própria demanda por segurança, tornou-se tão poderoso, tão realista que muito poucos se libertam de seu peso, de tradição e autoridade, esmagador. O início da verdadeira crítica reside no questionamento dos valores que a religião estabeleceu ao nosso redor.

Agora, cada um é mantido nessa moldura. E enquanto a pessoa for escrava de ambientes e valores inexplorados e inquestionados, tanto do passado como do presente, eles perverterão a completude da ação. Essa perversão é a causa do conflito entre o indivíduo, que busca segurança, e a maioria, entre o indivíduo e o movimento contínuo da experiência. Como criamos individualmente este sistema de exploração e de limitação esmagadora, temos de o quebrar individual e conscientemente através da compreensão dos fundamentos dessa estrutura, não meramente criando conjuntos de valores, que serão apenas mais uma série de fugas. Assim, começaremos a penetrar no verdadeiro significado da vida.

Eu afirmo que existe uma realidade, dê-lhe o nome que quiser, que só pode ser compreendida e vivida quando a mente e o coração penetrarem nas ilusões e ficarem livres de seus falsos valores. Somente então existirá o eterno.

13 de abril de 1935