https://jkrishnamurti.org/content/ojai-9th-public-talk-28th-june-1934

                                                                                                                            Nona Palestra em Oak Grove,

                                                                                                                                         Ojai, Califórnia

Esta manhã quero tratar da ideia de valores. Toda a nossa vida é apenas um movimento de valor para valor, mas penso que existe uma forma, se é que posso usar essa palavra com consideração e delicadeza, pela qual a mente pode se libertar do sentido de valoração. Estamos habituados aos valores e à sua contínua mudança. O que chamamos de essencial logo se torna o não essencial, e no processo dessa mudança contínua de valores reside o conflito. Enquanto não compreendermos o que é fundamental na mudança de valores e a causa dessa mudança, sempre seremos apanhados na roda de valores conflitantes.

Quero tratar da ideia raiz na questão dos valores, se ela é fundamental. Se a mente, que é inteligência, pode sempre agir espontaneamente, naturalmente, sem atribuir valores ao ambiente. Agora, onde quer que haja insatisfação com o ambiente, com as circunstâncias, esse descontentamento conduzirá ao desejo de mudança, de reforma. O que vocês chamam de reforma é apenas a criação de novos conjuntos de valores e a destruição dos valores antigos. Por outras palavras, quando vocês falam em reforma, na verdade vocês querem dizer mera substituição. Em vez de viverem na antiga tradição com valores instituídos, vocês querem, com a mudança das circunstâncias, criar novos conjuntos de valores. Ou seja, onde existe esse sentido de valoração, há a ideia de tempo e, portanto, mudança contínua de valores.

Em tempos de estagnação, em tempos de conforto estabelecido, aquilo que nada mais é do que transformação gradual de valores, nós chamamos de luta entre a antiga e a nova geração. Isto é, em tempos de paz e tranquilidade, ocorre uma mudança gradual de valores, em sua maioria de forma inconsciente, e essa mudança gradual, nós chamamos de luta entre os valores antigos e os modernos. Em tempos de agitação, em tempos de grande conflito, ocorrem mudanças de valores violentas e implacáveis, que chamamos de revolução. A rápida mudança de valores, que chamamos de revolução, é violenta, implacável. A mudança lenta e gradual de valores é a batalha contínua que ocorre entre a mente acomodada, confortável e estagnada e as circunstâncias que forçam essa mente estagnada a entrar em novas condições, de modo que ela tenha que criar um novo conjunto de valores.

Portanto, essas circunstâncias mudam lentamente ou rapidamente. E a criação de novos valores é meramente o resultado de ajustamentos a um ambiente em constante mudança. Portanto, os valores são apenas o padrão de conformidade. Por que vocês devem ter valores? Por favor, não digam: “O que será de nós se não tivermos valores?” Eu não cheguei a esse ponto, não disse isso ainda. Então, por favor, acompanhem isto. Por que vocês devem ter valores? Em que consiste toda esta ideia de busca por valores senão um conflito entre o novo e o velho, entre o antigo e o moderno? Os valores não são apenas um molde, estabelecido por vocês ou pela sociedade, ao qual a mente, em sua preguiça, em sua falta de percepção, deseja se conformar? A mente busca uma certeza, uma conclusão, e nessa busca ela age. Ou ela treina para desenvolver uma formação, e a partir dessa formação ela funciona. Ou ela tem uma crença, e a partir dessa crença ela começa a colorir suas atividades. A mente exige valores para não ficar perdida, para ter sempre um guia para seguir, imitar. Assim, os valores se tornam apenas os moldes nos quais a mente estagna. E até mesmo o propósito da educação parece ser compelir a mente e o coração a aceitar novas conformidades.

Assim, todas as reformas nas religiões, nos padrões morais, na vida social e nas organizações políticas são meramente ditadas por esse desejo de ajustamento a um ambiente em constante mudança. Isso é o que vocês chamam de reforma. Os ambientes estão em constante mudança. As circunstâncias estão continuamente em movimento. E as reformas são feitas apenas por causa da necessidade de ajustamento entre a mente e o ambiente, não porque a mente penetra no ambiente e, portanto, o compreende. Esses novos valores são glorificados como sendo fundamentais, originais e verdadeiros. Para mim, eles nada mais são do que formas sutis de coerção, conformidade, modificação. E esses novos valores ajudam a provocar uma reforma fragmentada, uma transformação enganosa, que chamamos de mudança.

Assim, através desse conflito cada vez maior, divisões e seitas são criadas. Cada mente cria um novo conjunto de valores de acordo com as suas próprias reações ao ambiente. E então começa a divisão entre os povos, surgem distinções de classe e antagonismos ferozes entre credos e doutrinas. E a partir da imensidão desse conflito, os especialistas entram em atividade e se autodenominam reformadores da religião e curadores de males sociais e econômicos. Sendo especialistas, eles estão tão cegos pela sua própria especialização que apenas aumentam a divisão e a luta. Esses são os reformadores religiosos, sociais, econômicos e políticos, todos especialistas em suas próprias limitações. E todos dividindo a nossa vida e o funcionamento humano em compartimentos e criando conflitos.

Agora, para mim, a vida não pode ser dividida desse jeito. Você não pode pensar que vai mudar sua alma e ainda assim ser nacionalista; você não pode ter preconceitos de classe e ainda assim falar sobre fraternidade; nem criar barreiras tarifárias em torno de seu próprio país e falar sobre a unidade da vida. Se observarem, verão que isso é o que vocês vêm fazendo o tempo todo. Vocês podem ter muito dinheiro, condições bem estabelecidas ao seu redor, serem possessivos, nacionalistas, terem preconceitos de classe e, no entanto, dividirem essa consciência separativa da sua consciência espiritual, na qual tentam ser fraternos, seguir a ética, a moralidade e realizar Deus. Em outras palavras, vocês dividiram a vida em vários compartimentos, e cada compartimento tem seus próprios valores especiais e, portanto, vocês apenas criam mais conflitos.

Essa divisão, essa confiança nos especialistas nada mais é do que preguiça mental, de modo que a mente não precisa pensar, mas apenas se conformar. A conformidade, que nada mais é do que a criação e a destruição de valores, é um ambiente ao qual a mente se ajusta constantemente e, portanto, ela se torna cada vez mais presa e escravizada. A conformidade existirá enquanto a mente estiver presa ao ambiente. Enquanto a mente não compreender o significado do ambiente, das circunstâncias, das condições, haverá conformidade. A tradição é apenas um molde para a mente. E uma mente que se imagina livre da tradição apenas cria seu próprio molde. Um homem que diz: “Estou livre da tradição”, provavelmente possui outro molde próprio do qual é escravo.

Portanto, a liberdade não consiste em passar de um molde antigo para um novo, de uma velha estupidez para uma nova estupidez; ou da restrição da tradição para a licenciosidade da desconsideração, da falta de inteligência. E, no entanto, vocês observarão que aquelas pessoas que falam muito sobre liberdade, sobre liberação estão fazendo isso. Ou seja, elas abandonaram a sua tradição antiga e têm agora um padrão próprio ao qual se conformam. E, naturalmente, essa conformidade é apenas negligência, ausência de inteligência. O que vocês chamam de tradição é apenas um ambiente exterior com seus valores. E o que vocês chamam de liberdade em relação à tradição nada mais é do que a escravização por algum ambiente interior e aos seus valores. Um ambiente é imposto e o outro autocriado, não é? Ou seja, as circunstâncias, o ambiente, as condições estão impondo certos valores e fazendo vocês se conformarem a eles. Ou então vocês desenvolvem seus próprios valores, aos quais novamente se conformam. Em ambos os casos existe apenas ajustamento e não a compreensão do ambiente. A partir disso surge, naturalmente, a questão de saber se a mente pode descobrir valores duradouros, para que não haja essa mudança constante, esse conflito constante criado por valores que alguém estabeleceu para si mesmo ou que lhes foram impostos externamente.

O que é isso que chamamos de mudança de valores? Para mim, essas mudanças de valores são apenas medos cultivados. Há mudança de valores enquanto houver o essencial e o não essencial, enquanto houver opostos. E toda a ideia e a grande adoração do sucesso, no qual incluímos o ganho, a perda, a conquista – enquanto isso existir e a mente buscar o sucesso como seu objetivo, sua meta, haverá mudança de valores e, portanto, conflito.

Agora, o que é que cria a mudança de valores? A mente, que também é o coração, é embaçada e obscurecida pela memória e, portanto, está sempre passando por uma mudança, se modificando ou se alterando, dependendo sempre do movimento das circunstâncias. Isto é, enquanto a mente estiver obscurecida pela memória, que é o resultado do ajustamento ao ambiente, não da compreensão do ambiente, essa memória se situa entre a inteligência e o ambiente e, portanto, não pode haver a compreensão total do ambiente.

Essa memória, que vocês chamam de mente, está dando e atribuindo valores, não é? Essa é toda a função da memória, que vocês chamam de mente. Em outras palavras, a mente, em vez de ser ela própria inteligência, que é percepção direta, a mente nublada pela memória está atribuindo valores como sendo verdadeiros e falsos, essenciais e não essenciais de acordo com sua astúcia, com seus medos calculadores, de acordo com sua busca por segurança. Não é assim? Essa é toda a função da memória, que vocês chamam de mente, mas que não é mente de forma alguma. Para a maioria das pessoas, exceto uma aqui e outra ali, para alguma pessoa rara e feliz, a mente é apenas uma máquina, um depósito de memória que continuamente atribui valores às coisas, às experiências. E a atribuição de valores depende de seus cálculos sutis, astúcia e ilusões, que são baseados no medo e na busca por segurança.

Embora não exista segurança fundamental – é óbvio, no momento em que você começa a pensar, a observar por algum tempo que não existe tal coisa como segurança – a memória busca segurança após segurança, certeza após certeza, essencial após essencial, conquista após conquista. Como a mente está constantemente à procura de segurança, no momento em que ela tem essa segurança, ela considera como não essencial o que deixou para trás. Novamente, ela está apenas atribuindo valores e, portanto, neste processo de movimento de meta para meta, de essencial para essencial, no processo desse movimento constante, os seus valores estão mudando, sempre coloridos pela sua própria segurança e com ansiedade pela sua perpetuação.

Portanto, a mente-coração, ou a memória, está envolvida na luta pela mudança de valores. E essa batalha é chamada de progresso, o caminho evolutivo de escolha que conduz à verdade. Em outras palavras, a mente buscando segurança e alcançando sua meta, não fica satisfeita com ela e, portanto, novamente segue em frente e mais uma vez começa a dar novos valores a todas as coisas em seu caminho. Esse processo de movimento, vocês chamam de desenvolvimento, o caminho evolutivo de escolha entre o essencial e o não essencial.

Para mim, esse desenvolvimento nada mais é do que a memória se conformando e se ajustando à sua própria criação, que é o ambiente. E, fundamentalmente, não há diferença entre a memória e o ambiente. Naturalmente, a ação é sempre o resultado do cálculo, quando ela nasce dessa conformidade e ajustamento, não é? Quando a mente está obscurecida pela memória, o que é apenas o resultado da falta de compreensão do ambiente, tal mente, nublada pela memória, deve, em sua ação, procurar uma fuga, uma culminação, um motivo e, portanto, essa ação nunca é livre, ela está sempre limitada e criando mais amarras, mais conflitos. Assim, esse círculo vicioso de memória, sobrecarregado pelo seu conflito, se torna criador de valores. Os valores são o ambiente, sendo que a mente e o coração se tornam seus escravos.

Eu me pergunto se vocês entenderam tudo isso. Não, vejo alguém balançando a cabeça. Deixem-me colocar a mesma ideia de forma diferente e talvez torná-la clara, se puder.

Enquanto a mente não compreender o ambiente, o ambiente criará a memória. E o movimento da memória é a mudança de valores. A memória existirá enquanto a mente buscar uma culminação, uma meta. E sua ação é sempre calculada, nunca espontânea – por ação quero dizer pensamento e emoção – e, portanto, a ação sempre conduz a fardos e limitações cada vez maiores. O desenvolvimento dessa limitação, a extensão dessa prisão é chamada de evolução, o caminho de escolha em direção à Verdade. É assim que a mente funciona na maioria das pessoas. E quanto mais ela funciona dessa forma, maior o sofrimento e a intensidade da luta. Essa mente cria barreiras cada vez mais novas e maiores, e então procura novas formas de fugir desse conflito.  

Então, como libertar a mente de atribuir valores? Quando a mente atribui valores, ela só pode atribui-los através da névoa da memória e, portanto, não pode compreender o significado completo do ambiente. Se eu examinar ou tentar compreender as circunstâncias através dos vários preconceitos profundamente enraizados – preconceitos nacionais, étnicos, sociais ou religiosos – como poderei compreender o ambiente? No entanto, é isso que a mente tenta, a mente que está obscurecida pela memória.

Agora, a inteligência não atribui valores, que são apenas medidas, padrões ou cálculos nascidos da autoproteção. Então como pode haver essa inteligência, esse espelho da verdade em que só existem reflexos absolutos e nenhuma perversão? Afinal, o homem inteligente é inteligência total. Nele há uma percepção absoluta e direta, sem as distorções e perversões que existem quando a memória funciona.

O que estou dizendo só se pode aplicar àqueles que estão realmente em conflito, não àqueles que querem reformar, que querem remendar. Já expliquei o que quero dizer com reformas, com fazer remendos, isso são ajustamentos a um ambiente, nascidos da falta de compreensão.

Como alguém pode ter essa inteligência, que destrói a luta, o conflito, o esforço incessante que deteriora a própria mente? Sabem, quando vocês fazem esforço sua mente é como um pedaço de madeira que está sendo desgastado continuamente até não sobrar nenhuma madeira. Portanto, se há esse esforço contínuo, esse desgaste constante, a mente deixa de ser ela mesma. E o esforço só existe enquanto houver conformidade ou ajustamento ao ambiente. Considerando que, se houver percepção imediata, compreensão imediata e espontânea do ambiente, não haverá esforço para se ajustar; existirá uma ação imediata.

Então, como despertar essa inteligência? Agora, o que acontece em momentos de grande crise? Nesse rico momento em que a memória não está escapando, nessa consciência aguda e intensa da circunstância, do ambiente, há a percepção do que é verdadeiro. Faça isso em momentos de crise. Você está plenamente consciente de todas as circunstâncias, das condições ao seu redor, e está ciente de que a mente não pode escapar. Nessa intensidade que não é relativa, nessa crise aguda, a inteligência funciona e, portanto, há compreensão espontânea.

Afinal, o que é isso que chamamos de crise, de sofrimento? Quando a mente está letárgica, adormecida, quando a mente está presa ao contentamento, à estagnação, surge uma experiência para despertá-los, e esse despertar, esse choque, vocês chamam de crise, de sofrimento. Agora, se essa crise ou conflito for realmente intenso, então vocês verão, nesse estado agudo da mente e do coração, que existe uma percepção imediata. Essa intensidade só se torna relativa quando a memória interfere com seus cálculos, modificações e obscuridades.

Por favor, espero que vocês experimentem o que estou dizendo. Todos têm momentos de crise, eles ocorrem com muita frequência. Se a pessoa estiver desperta, eles ocorrem a cada minuto. Agora, nessa crise, nesse conflito observem sem o desejo por uma solução, por uma fuga, sem o desejo de vencê-lo. Então vocês verão que a mente compreendeu instantaneamente a causa do conflito e, ao compreender a causa, ocorre a dissolução da causa. Mas temos treinado tanto a mente para escapar, para deixar a memória obscurecê-la, que é muito difícil se tornar intensamente desperto. Por isso procuramos meios e formas de fuga ou de despertar essa inteligência, o que para mim é novamente falso. A inteligência funciona espontaneamente se a mente deixa de fugir, se a mente deixa de procurar soluções.

Assim, quando a mente não atribui valores, e essa atribuição é mera conformidade, quando há compreensão espontânea da prisão, que é o ambiente, então há ação inteligente, que é liberdade.

Enquanto a mente, obscurecida pela memória, atribuir valores, a ação criará mais muros de prisão. Mas na compreensão espontânea dos muros da prisão, que é o ambiente, nessa compreensão está a ação da inteligência, que é liberdade; porque essa ação, essa inteligência não cria nem atribui valores. Os valores existem – valores que são as circunstâncias e, portanto, escravidão, conformidade com o ambiente – esses valores da conformidade, de circunstâncias existem enquanto houver medo, que nasce da busca por segurança. E quando a mente, que é inteligência, vê todo o significado do ambiente e, portanto, compreende o ambiente, há ação espontânea que é a própria inteligência e, portanto, essa inteligência não atribui valores, mas compreende completamente as circunstâncias em que vive.

28 de junho de 1934.