https://jkrishnamurti.org/content/auckland-new-zealand-talk-businessmen-6th-april-1934
Conversa com homens de negócios
Amigos, eu acho que a maioria de nós pensa que seria um mundo maravilhoso se não houvesse exploração real; que seria um mundo esplêndido se todo ser humano tivesse a capacidade de viver naturalmente, plenamente e humanamente. Mas há muito poucos que querem fazer algo a respeito. Como ideais, como uma utopia, como um sonho, todos se satisfazem com isso, mas muito poucos desejam agir. Vocês não podem realizar uma utopia nem pode haver a cessação da exploração sem ação.
Agora, só pode haver ação, ação coletiva, se antes de tudo houver pensamento individual para resolver esse problema. Todo ser humano, em momentos de sanidade, sente o horror dessa exploração real, seja pelo sacerdote, pelo empresário, pelo médico, pelo político ou por quem for. Se pensarmos nisso por um único momento, todos nós sentimos realmente, em nossos corações, a terrível crueldade dessa exploração. E, no entanto, cada um está preso nessa roda, neste sistema de exploração; e estamos esperando que, por algum milagre, um novo sistema venha a existir. E assim, individualmente, sentimos que basta esperar, deixar que as coisas sigam seu curso natural e, por algum meio extraordinário, um novo mundo surgirá. Certamente, para criar uma coisa nova, um novo mundo, uma nova concepção de organização, os indivíduos devem começar. Isto é, o empresário, ou qualquer pessoa, deve começar a descobrir se suas ações estão realmente baseadas na exploração.
Agora, como eu disse, existe a exploração do líder espiritual baseada no medo, existe a exploração do empresário baseada em seu próprio engrandecimento, no acúmulo de riqueza, na ganância, em formas sutis de egoísmo e segurança. E, como todos vocês aqui devem ser empresários, certamente não podem deixar todos os problemas humanos de lado e se preocuparem apenas com os negócios. Afinal, os empresários são seres humanos; e os seres humanos, enquanto explorados, devem ter esse espírito rebelde continuamente. É somente quando alcançamos um certo nível, quando estamos razoavelmente seguros, que esquecemos tudo sobre essa condição, esquecemos sobre mudar o mundo ou trazer uma certa ação espontânea em relação à vida. Quando chegamos a um certo estágio de segurança, esquecemos e sentimos que tudo está bem; mas por trás disso tudo podemos sentir que não pode haver felicidade, felicidade humana, enquanto houver essa exploração real.
Agora, para mim, a exploração nasce quando as pessoas buscam mais do que suas necessidades essenciais; e para descobrirmos nossas necessidades essenciais precisamos de muita inteligência. E nós não podemos ser inteligentes enquanto nossas necessidades forem o resultado da busca por segurança e conforto. Naturalmente, é necessário ter comida, abrigo, roupas e todo o resto; mas para tornar isso possível para todos, as pessoas devem começar a perceber suas próprias necessidades, as necessidades humanas, e organizar todo o sistema de pensamento e ação nisso; somente então pode haver verdadeira felicidade criativa no mundo.
Mas, o que está acontecendo? Estamos lutando entre nós o tempo todo, batalhando, existe uma competitividade contínua, onde cada pessoa se sente insegura. E mesmo assim continuamos à deriva, sem tomarmos uma ação definitiva. Ou seja, ao invés de esperarmos que um milagre aconteça para alterar esse sistema, é necessária uma mudança revolucionária completa, que cada um reconheça.
Embora possamos ter um leve medo de uma revolução mundial, todos nós reconhecemos a imensa necessidade de uma mudança. E ainda assim, como indivíduos, somos incapazes de provocar essa mudança, porque, individualmente, não consideramos, não tentamos descobrir o porquê de ter de haver esse processo contínuo de exploração. Quando as pessoas são realmente inteligentes, elas criam uma organização que fornece as necessidades essenciais para a humanidade, não baseada na exploração. Individualmente, não podemos viver separados da sociedade. A sociedade é o indivíduo; e, enquanto os indivíduos estiverem apenas buscando continuamente sua própria segurança, para si ou para sua família, existirá um sistema de exploração.
E não pode haver verdadeira felicidade no mundo se as pessoas, como vocês, tratarem os assuntos do mundo, os assuntos humanos, separado dos assuntos dos negócios. Ou seja, vocês não podem ser, se assim posso dizer, nacionalistas e ainda falarem sobre a liberdade de comércio. Vocês não podem considerar a Nova Zelândia como o primeiro país mais importante e assim rejeitarem todos os outros países, porque vocês sentem, pessoalmente, a necessidade essencial de sua própria segurança. Ou seja, senhores, se é que posso colocar desta forma, só pode haver verdadeira liberdade de comércio, desenvolvimento de indústrias e assim por diante, quando não houver nacionalidades no mundo. Penso que isso é óbvio. Enquanto houver barreiras tarifárias protegendo cada país, haverá guerras, confusão e caos; mas se pudermos tratar o mundo inteiro, não dividido em nacionalidades, em classes, não dividido por seitas religiosas, por classe capitalista e classe trabalhadora, tratarmos o mundo como uma entidade humana, somente assim existirá a possibilidade de liberdade real no comércio, cooperação. Para que isso aconteça, vocês não podem simplesmente pregar ou assistir as reuniões. Não pode haver mero prazer intelectual dessas ideias, dever haver ação; e para que isso aconteça, devemos começar individualmente, mesmo que soframos por isso. Devemos começar a criar uma crítica inteligente e, assim, teremos um mundo onde a individualidade não é esmagada, reduzida a um padrão particular, mas ela se torna um meio de expressão da vida; não a forma maltratada e condicionada que chamamos de seres humanos. A maioria das pessoas quer e percebe que deve haver uma mudança completa. Não vejo outro caminho senão começarmos como indivíduos, e então essa crítica individual se tornará a realização da humanidade.
Pergunta: Que significado inteligível, se posso perguntar, você atribui à ideia de um Deus masculino, como postulado por praticamente todo o clero cristão e imposto arbitrariamente às massas durante a Idade das Trevas até o momento presente? Um Deus concebido em termos de sexo masculino deve por todos os cânones da lógica e sensatez, ser pensado, suplicado, importunado e adorado em termos de personalidade. E um Deus pessoal – pessoal como nós seres humanos somos – deve ser limitado em tempo, espaço, poder e propósito, e um Deus tão limitado pode não ser Deus absolutamente. No extremo aspecto dessa imposição colossal, imposta arbitrariamente às massas, não é de admirar que o mundo se encontre em sua atual condição catastrófica? Deus para ser Deus deve, na realidade sóbria e sã, ser a totalidade absoluta e infinita de toda a existência, tanto negativa quanto positiva. Não é assim?
Krishnamurti: Senhor, por que você quer saber se Deus é masculino ou feminino? Por que questionamos? Por que tentamos descobrir se existe um Deus, se ele é pessoal, se ele é masculino? Não é porque sentimos uma insuficiência no nosso modo de vida? Sentimos que, se pudermos descobrir o que é essa imensa realidade, então poderemos moldar nossas vidas de acordo com ela. Assim, começamos a preconceber o que essa realidade deve ser ou deveria ser. E moldamos essa realidade de acordo com nossas fantasias e caprichos, de acordo com nossos preconceitos e temperamentos. Então, começamos a construir, por meio de uma série de contradições e oposições, uma ideia do que pensamos que Deus deveria ser; e, para mim, tal Deus não é Deus de forma alguma. É um meio humano de escapar das constantes batalhas da vida, dessa coisa que chamamos de exploração, das futilidades, da solidão, das tristezas. Nosso Deus é apenas um meio de escapar dessas coisas; considerando que, para mim, existe algo muito mais fundamental, real. Eu digo que existe algo como Deus. Não vamos investigar o que ele é, vocês descobrirão se realmente começarem a compreender o conflito extremo que está deteriorando a mente e o coração: essa luta contínua por autossegurança, esse horror da exploração, guerras, nacionalidades e os absurdos das religiões organizadas. Se pudermos enfrentar e compreender tudo isso, então descobriremos o verdadeiro significado em vez de especularmos; descobriremos então o verdadeiro significado da vida, o verdadeiro sentido de Deus.
Pergunta: Você segue Mohammed ou Cristo?
Krishnamurti: Se posso perguntar: por que alguém deve seguir outro? Afinal, Deus ou a verdade não se encontra imitando o outro; se fizermos isso, então apenas nos transformaremos em máquinas. Certamente, precisamos nós, como seres humanos, pertencer a qualquer seita, seja o Islamismo, o Cristianismo, o Hinduísmo, ou o Budismo? Se você estabelece uma pessoa como seu salvador, ou como seu guia, então existe exploração, a modelagem do mundo em uma seita estreita particular. Considerando que, se não definirmos ninguém como autoridade, mas se investigarmos o que as autoridades dizem, ou o que qualquer ser humano diz, então realizaremos algo duradouro; mas meramente seguir o outro não nos leva a lugar algum. Creio que todos vocês sejam Cristãos e dizem que são seguidores de Cristo. Vocês são? Vocês são seres humanos, seja pertencendo ao Cristianismo, Islamismo ou Budismo. Estão realmente seguindo seus líderes? Isso é impossível. Então, por que vocês se chamam por nomes diferentes e se separam? Considerando que, se realmente alterarmos o ambiente do qual nos tornamos escravos, então seremos Deuses em nós mesmos realmente, não seguiremos ninguém. Pessoalmente, não pertenço a nenhuma seita, grande ou pequena. Eu encontrei a verdade, Deus ou como quiserem chamá-la; mas não posso transmiti-la a outro. Só se pode descobri-la através da inteligência consumada, não através da imitação de certos princípios, crenças e personagens.
Pergunta: Existe uma força ou influência exterior conhecida como organização cruel?
Krishnamurti: Existe? O homem de negócios moderno, o nacionalista, o seguidor da religião, eu chamo essas pessoas de cruéis, as organizações que existem no mundo de cruéis; porque, senhores, individualmente, nós criamos estes horrores que acontecem no mundo. Como surgiram as religiões com seu poder de explorar implacavelmente as pessoas através do medo? Como elas se transformaram em máquinas tão eficientes? Nós as criamos, individualmente, através do nosso medo da morte. Não que não haja vida futura, mas isso é uma coisa completamente diferente. Nós as criamos e estamos presos nessas máquinas; e são apenas alguns, muito poucas pessoas que se separam disso; e elas são aqueles indivíduos que vocês chamam de Cristo, Buda, Lenin ou X, Y, Z.
Então, há o mal da sociedade como ela é. É uma máquina organizada e opressiva para controlar os seres humanos. Vocês acham que se os seres humanos fossem livres, eles se tornariam perigosos, eles fariam todos os tipos de horrores; então vocês dizem: “Vamos controlá-lo socialmente, através da tradição, opinião, limitação da moralidade e economicamente”. Então, gradualmente, essas crueldades são aceitas como coisas normais e saudáveis. Sem dúvida, é óbvio que, através da educação, somos feitos para se encaixar em um sistema, onde a vocação individual nunca é pensada. Vocês são feitos para se encaixarem em algum trabalho; e assim criamos uma vida dupla, ao longo de nossas vidas, a dos negócios das 05h às 17h, ou seja o que for, que nada tem a ver com a outra, com a nossa vida privada, social e doméstica. Assim, estamos vivendo continuamente em contradição. Investigamos sobre a realidade, sobre Deus, quando há momentos de conflito, momentos de opressão, momentos em que há um choque. Então dizemos: “Deve haver alguma realidade. Por que vivemos?” Assim, gradualmente, criamos em nossas vidas uma dualidade e, portanto, nos tornamos hipócritas.
Então, para mim, existe uma crueldade. É a crueldade da exploração produzida pelos indivíduos através de seus anseios por segurança, autopreservação a todo custo, independentemente da totalidade dos seres humanos; e nisso não há afeição nem amor real, mas apenas essa possessividade que chamamos de amor.
Pergunta: Você pode nos dizer como chegou a esse grau de compreensão?
Krishnamurti: Receio que a resposta demore e seja muito pessoal. Em primeiro lugar, senhores, não sou filósofo, um estudante de filosofia. Acho que aqueles que são apenas estudantes de filosofia já estão mortos. Mas convivi com todos os tipos de pessoas e fui criado, como talvez vocês saibam, para cumprir uma determinada função, um determinado ofício. Novamente, isso significa “explorador”. Eu também fui o chefe de uma tremenda organização em todo o mundo, uma organização para propósitos espirituais; e eu vi a falácia disso, porque não se pode levar as pessoas à verdade. Você só pode torná-las inteligentes através da educação, que nada tem a ver com os sacerdotes e seus meios de exploração – as cerimônias. Então eu dissolvi essa organização; e, convivendo com as pessoas, não tendo uma ideia fixa sobre a vida ou uma mente presa a um certo condicionamento tradicional, comecei a descobrir o que, para mim, é a verdade, verdade para todos – uma vida que se possa viver com saúde, sanidade, de forma humana; não baseada na exploração, mas nas necessidades. Eu sei do que preciso, e não é muito. Então, se eu trabalho fazendo um jardim, falando ou escrevendo, isso não é de grande importância.
Antes de tudo, para descobrirmos qualquer coisa, deve haver grande descontentamento, grande questionamento, infelicidade; e muito poucas pessoas no mundo, quando estão descontentes, desejam acentuar essa insatisfação, desejam passar por isso para descobrir. Elas geralmente querem o oposto. Se elas estão descontentes, querem felicidade; considerando que, para mim – se posso ser pessoal – eu não queria o oposto, queria descobrir. E assim, gradualmente, através de vários questionamentos e atritos contínuos, eu vim a realizar o que se pode chamar de verdade ou Deus. Espero ter respondido.
Intervenção: Conte-nos algo sobre sua ideia em relação a vida após a morte.
Krishnamurti: Não é extraordinário! Supõe-se que esta seja uma reunião para pessoas de negócios, e estamos falando sobre a vida futura, Deus e todo o resto. Isso indica que não estamos totalmente interessados nos negócios; estamos interessados neles apenas como um meio de ganhar dinheiro para existir; e nossos interesses humanos estão separados de nossa vida diária.
Agora, com relação a vida após a morte, talvez vocês tenham lido o que alguns dos grandes cientistas da Europa estão dizendo, eles dizem que há uma continuação após a morte. Alguns deles sustentam que há uma continuação individual, outros, com igual ênfase, a negam. É bastante óbvio que existe algum tipo de continuidade, seja a forma-pensamento da entidade que morre ou a expressão do campo do pensamento e assim por diante.
Agora, vamos descobrir, investigar o que chamamos de individualidade. Quando vocês fazem a pergunta: “Existe uma vida futura?” Por que vocês perguntam isso? Porque vocês querem saber se continuarão como uma entidade individual quando morrerem; ou vocês querem saber porque amam alguém tremendamente e essa pessoa morreu. Então, vamos descobrir o que é isso que chamamos de individualidade, que é meu irmão, minha esposa, meu filho ou eu mesmo. O que é isso? Quando vocês falam sobre o Sr. X, o que é o Sr. X? Não é a forma, o nome, certos preconceitos, uma determinada conta bancária, uma determinada distinção de classe? Ou seja, o Sr. X tornou-se o ponto focal dessa condição da sociedade.
Espero estar explicando isso. Vou colocar desta maneira, um indivíduo comum, como ele é agora, nada mais é do que o ponto focal do ambiente, da sociedade, da religião, da moralidade vigente e das condições econômicas – como um indivíduo comum, ele é isso. Não é assim? Esse ponto focal, com suas contradições, preconceitos, esperanças, anseios, medos, gostos e desgostos, que constitui esse feixe de memória que chamamos de indivíduo, como o Sr. X. Agora, queremos saber se esse Sr. X viverá após a morte. Existe a possibilidade de que ele viva, e ele vive agora. Esperem um minuto. Isso não tem importância, não é? Porque o que chamamos de indivíduos nada mais são do que o resultado de um falso ambiente. Esse ponto focal do presente estado da sociedade é realmente falso, não é? Um homem comum tem que lutar neste mundo para sobreviver. Ele tem que ser competitivo, implacável; e deve pertencer a certa classe social, seja a burguesia, proletariado, capitalista; ou ele pertence a certas seitas religiosas, chamadas por diversos nomes: Cristianismo, Hinduísmo, Budismo e assim por diante. Certamente, esses ambientes são falsos, porque tenho que lutar implacavelmente contra o outro para sobreviver. Não há algo miserável em tal situação? Não há algo de anormal em nos dividirmos em certas distinções sociais? Não é lamentável quando temos que nos chamar de Cristãos, Hindus, Muçulmanos ou Budistas?
Então, esses falsos ambientes criam atrito na mente; e a mente se identifica com esse conflito, se identifica como o Sr. X. E então surge a pergunta: “O que acontece? Devo ou não viver?” Como eu disse, existe a possibilidade de que essas pessoas vivam, mas nesse viver não há felicidade, inteligência criativa, alegria; é uma batalha contínua. Considerando que, se compreendermos o verdadeiro significado de todos esses ambientes (religioso, social e econômico) estabelecidos sobre a mente e, portanto, libertamos a mente do conflito, então descobriremos que existe um ponto focal diferente, uma individualidade completamente diferente; e eu digo que essa individualidade é contínua, não é sua nem minha. Essa individualidade é a expressão eterna da vida em si mesma; e nela não há morte, não há começo nem fim; nela há uma concepção mais ampla da vida. Considerando que, nessa falsa individualidade existe morte, existe uma investigação contínua se vou ou não viver. O medo é contínuo, assombra, persegue.
Pergunta: Você acha que os sistemas sociais do mundo evoluirão para um estado de fraternidade global ou essa fraternidade será criada por meio de instituições parlamentares, pela educação?
Krishnamurti: Da maneira que a sociedade está organizada, não é possível ter fraternidade global. Vocês não podem ser neozelandeses e eu um Hindu e falarmos sobre fraternidade. Como pode haver fraternidade real se vocês estão limitados pelas condições econômicas, por esse patriotismo que é algo tão falso? Ou seja, como pode haver fraternidade se vocês permanecem como neozelandeses, apegados aos seus preconceitos particulares, às suas barreiras tarifárias e todo o resto; e eu permaneço como um hindu, vivendo na Índia com meus preconceitos? Podemos falar sobre tolerância, ficarmos separados ou eu posso enviar missionários para vocês e vocês enviarem missionários para mim, mas nisso não há fraternidade. Como pode haver fraternidade quando vocês são cristãos e eu um hindu, quando vocês são dominados pelos sacerdotes e eu também sou dominado, apenas de outra maneira, pelos sacerdotes, quando vocês têm uma forma de adoração e eu tenho outra? O que não significa que vocês devam aderir à minha forma particular de adoração ou que eu deva aderir à sua.
Então, como as coisas estão, elas não resultarão em fraternidade. Pelo contrário, existe nacionalismo, governos soberanos, que são apenas instrumentos de guerra. Então, como as instituições sociais estão, elas não podem evoluir para algo magnífico, porque sua própria base, seu próprio fundamento está errado; e sua educação, seus parlamentos baseados nessas ideias, não trarão fraternidade. Olhem para todas as nossas nações. O que elas são? Nada além de instrumentos de guerra. Cada país é melhor que o outro, cada país vencendo o outro, inflamando essa coisa falsa chamada patriotismo. Por favor, nós podemos gostar de certos países, alguns países são mais bonitos que outros, isso é apreciação. Vocês apreciam a beleza, como apreciam um pôr do sol, seja aqui, na Europa ou na América. Não há nada de nacionalismo nisso, nenhum sentimento patriótico por trás disso, nós desfrutamos. O patriotismo surge apenas quando as pessoas começam a usar nossa alegria para um propósito. E como pode haver verdadeira fraternidade através do patriotismo, quando toda a forma de governo é baseada em distinções de classes, quando uma classe que tem tudo governa a outra que não tem nada ou quando a classe que não tem nada envia representantes que nada têm para o parlamento? Certamente, esta abordagem do estado humano, da unidade humana é impossível dessa forma. É tão óbvio que nem precisa de discussão.
Enquanto houver distinções de classes que se desenvolvam em nacionalidades, baseadas na exploração pela classe possessiva ou pela classe que tem os meios de produção em suas mãos, haverá guerras. E através das guerras não conseguimos fraternidade. Isso é óbvio. Podemos ver isto na Europa desde a guerra: maior sentimento nacionalista, maior hasteamento de bandeiras, barreiras tarifárias mais altas. Certamente, isso não vai produzir fraternidade. Pode produzir fraternidade no sentido de que haverá uma grande catástrofe e as pessoas acordarão e dirão: “Pelo amor de Deus, vamos acordar e ser sensatos”. Eventualmente, isso pode trazer fraternidade; mas as nacionalidades não vão produzir fraternidade, assim como as distinções religiosas, que são realmente, se pararmos para pensar, baseadas em egoísmo refinado. Todos nós queremos estar seguros no céu – qualquer que seja esse lugar – seguros, protegidos, certos, e então criamos instituições, organizações para trazer essa certeza, e as chamamos de religiões e, portanto, aumentamos a exploração. Considerando que, se realmente vermos a falsidade de todas essas coisas, não apenas percebê-las intelectualmente, mas realmente senti-las completamente com nossas mentes e corações, então existirá a possibilidade de fraternidade. Se percebermos isso e agimos, então há um ato voluntário, verdadeiro e moral. Quando percebemos uma coisa completamente e agimos, eu chamo isso de verdadeiro ato moral, não quando somos forçados pelas circunstâncias ou quando ocorre uma fraternidade forçada pela pura necessidade da vida. Ou seja, quando os empresários, os capitalistas, os financiadores, começarem a ver que essa distinção não vale a pena, que eles não podem ganhar mais dinheiro, que não podem estar nessa mesma posição, então estabelecerão um ambiente que forçará o indivíduo a se tornar fraterno. Como agora vocês são forçados pelo ambiente a não serem fraternos, a explorarem, vocês também serão forçados a cooperar. Certamente, isso não é fraternidade, é apenas uma ação provocada por conveniência, sem inteligência e compreensão humana.
Então, para realmente colocarmos a inteligência humana em ação, as pessoas precisam agir moralmente e voluntariamente, assim elas criarão uma organização na qual serão verdadeiros lutadores contra a exploração. Mas isso requer muita percepção, muita ação inteligente. E vocês só podem começar com si próprios; vocês só podem cuidar do seu próprio jardim, não podem cuidar do jardim do outro.
Pergunta: Por favor, seja sincero. Podemos conhecer a verdade como você, deixar de explorar e ainda permanecer no mundo dos negócios ou o que você sugere para sobrevivermos? É possível permanecer nos negócios e conhecer a verdade?
Krishnamurti: Senhores, por favor, não estou fugindo do assunto. Serei absolutamente sincero. Como o sistema está organizado, a menos que vocês se retirem para uma ilha deserta onde vocês cozinhem e façam tudo por conta própria, haverá exploração. Não é assim? Isso é óbvio. Enquanto o sistema estiver baseado na competição, na segurança, na possessividade, haverá exploração. Mas vocês podem se livrar desses fundamentos porque não têm medo, porque descobriram quais são suas necessidades essenciais, porque são ricos em si mesmos, não é? Portanto, embora vocês permaneçam nos negócios, vocês descobrem que suas necessidades são muito poucas; considerando que, se houver pobreza de mente e coração, suas necessidades se tornam colossais. Mas, novamente, a menos que vocês sejam realmente honestos, absolutamente francos e não se iludam sutilmente, o que eu disse pode ser usado para explorar ainda mais. Pessoalmente, eu não me incomodaria de entrar nos negócios, no entanto, para mim, isso não teria valor, porque não tenho essa necessidade. Sendo assim, qual seria a utilidade de minha fala teórica? Não que eu tenha dinheiro; mas trabalharia em qualquer coisa razoável, saudável, porque minhas necessidades são muito poucas e não tenho medo de ser esmagado. É quando existe medo de perder – o medo de perder segurança, preservação – que lutamos. Mas se vocês estão preparados para perder tudo porque não tem nada, então não há exploração. Isso soa ridículo, absurdo, selvagem, primitivo, mas se vocês realmente pensarem sobre isso de forma sensata, dedicarem alguns minutos de seu verdadeiro pensamento criativo a isso, então verão que não é tão absurdo assim. É o selvagem que está continuamente sob o comando de seus desejos, não o homem inteligente. O homem inteligente não se apega às coisas, porque interiormente é supremamente rico, então suas necessidades externas são muito poucas. Certamente, nós podemos organizar uma sociedade baseada nas necessidades, não nesta exploração através da propaganda. Espero ter respondido sua pergunta, senhor.
Intervenção: Sem querer explorar o palestrante, eu considero-o um dos maiores exemplos de altruísmo filosófico, mas gostaria muito que ele dissesse à sua audiência, nesta tarde, o que ele acredita para este último milênio, o que, sem dúvida, ele e toda a raça humana buscam.
Krishnamurti: Senhor, para ter um perfeito milênio, o selvagem deve ser tão inteligente quanto qualquer outra pessoa, ele deve ter condições tão perfeitas como qualquer outro. Ou seja, todos os seres humanos que vivem no mundo devem ser felizes. Certamente, esse é o milênio perfeito, não é? É isso que queremos dizer quando falamos sobre isso. Tudo bem, senhores. Mas esperem um minuto. Tal coisa é possível? Certamente não é possível. Pensamos que um milênio é um momento em que o ideal se concretizou, um momento em que a civilização atingiu seu auge. É como um ser humano que molda sua vida de acordo com um certo ideal e atinge o auge. O que acontece com um ser humano assim? Ele quer algo mais, um ideal maior. Portanto, ele nunca alcança o auge. Mas quando um ser humano vive, não tentando alcançar, ter sucesso, atingir um auge, mas plenamente, humanamente o tempo todo, então sua ação, que se reflete na sociedade, não atingirá o ápice. Ela estará em constante movimento e, portanto, desenvolvendo-se continuamente, não ambicionando por uma culminação.
06/04/1934.