Todos nós temos, estou certo disso, tentado vencer a raiva, mas, de algum modo, isso não parece dissolvê-la. Existe uma outra abordagem para dissipar a raiva? A raiva pode surgir de causas físicas e psicológicas. A pessoa fica raivosa, talvez porque está ameaçada, suas reações defensivas estão sendo rompidas ou sua segurança, que foi cuidadosamente construída, está ameaçada e assim por diante. Todos nós estamos familiarizados com a raiva. Como vai se compreender e dissolver a raiva? Se você considera que suas crenças, conceitos, opiniões, são de grande importância, então está fadado a reagir violentamente quando questionado. Em vez de agarrar-se a crenças, opiniões, se você começa a questionar se elas são essenciais para a pessoa compreender a vida, então, através da compreensão, a interrupção da raiva acontece. Assim a pessoa começa a dissolver as próprias resistências que causam conflito e dor. Isto novamente requer severidade. Estamos acostumados a nos controlar por razões sociológicas ou religiosas ou por conveniência, mas erradicar a raiva requer profunda conscientização. Você diz que tem raiva quando ouve falar sobre injustiça. É porque você ama a humanidade, porque você é compassivo? Compaixão e raiva podem viver juntas? Pode haver justiça quando existe raiva, ódio? Você talvez esteja raivoso ao pensar na injustiça em geral, na crueldade, mas sua raiva não altera a injustiça ou a crueldade; ela apenas faz mal. Para produzir ordem, você mesmo tem que ser zeloso, compassivo. A ação nascida do ódio pode apenas criar mais ódio. Não pode haver retidão onde existe raiva. Retidão e raiva não podem estar juntas.
O Livro da Vida
Certamente você se torna a coisa com que luta. Se estou com raiva e você me encontra com raiva, qual é o resultado? Mais raiva. Você se tornou aquilo que eu sou. Se eu sou mau e você luta comigo com mal então você também se torna mau, conquanto correto possa sentir. Se eu sou bruto e você usa métodos brutais para me dominar, então você se torna bruto como eu. E isto nós fizemos durante milhares de anos. Certamente existe uma abordagem diferente de enfrentar o ódio com ódio. Se uso métodos violentos para subjugar a raiva em mim mesmo então estou usando meios errados para um fim correto, e por isso o fim certo deixa de existir. Nisto não há compreensão; não transcender a raiva. A raiva é para ser estudada tolerantemente e compreendida; não é para ser dominada por meios violentos. A raiva pode ser resultado de muitas causas e sem compreendê-las não há libertação da raiva.
Nós criamos o inimigo, o bandido, e nos tornarmos o inimigo de modo algum leva a um fim da animosidade. Temos que compreender a causa da animosidade e parar de alimentá-la com nosso pensamento, sentimento e ação. Esta é uma tarefa árdua que exige constante conscientização e inteligente flexibilidade, pois o que somos a sociedade, o estado é. O inimigo e o amigo são o resultado de nosso pensamento e ação. Somos responsáveis por criar animosidade e assim é mais importante estar consciente de nosso próprio pensamento e ação do que estar preocupado com o adversário e o amigo, porque o pensamento correto põe fim à divisão. O amor transcende o amigo e o inimigo.
O Livro da Vida
A raiva tem essa peculiar qualidade de isolamento; como o sofrimento, ela aparta a pessoa e, ao menos por um tempo, toda relação chega a um fim. A raiva tem a força e vitalidade temporária do isolado. Existe um estranho desespero na raiva, pois isolamento é desespero. A raiva do desapontamento, do ciúme, da ânsia de ferir, dá um violento alívio cujo prazer é a autojustificação. Nós condenamos os outros, e essa própria condenação é uma justificativa para nós mesmos. Sem algum tipo de atitude, seja de autocondenação ou autohumilhação, o que somos? Usamos todos os meios para nos autosatisfazer; e a raiva, como o ódio, é um dos modos mais fáceis. A simples raiva, um repentino brilho que é rapidamente esquecido, é uma coisa; mas a raiva que é deliberadamente construída, que foi planejada e que busca ferir e destruir, é absolutamente outro assunto. A simples raiva pode ter alguma causa fisiológica que pode ser vista e remediada; mas a raiva que é resultado de uma causa psicológica é muito mais sutil e difícil de lidar. A maioria de nós não se importa de estar com raiva, encontramos uma desculpa para ela. Por que não deveríamos ficar enraivecidos quando nos maltratam ou ao outro? Então ficamos justamente enraivecidos. Nós nunca dizemos apenas que estamos com raiva, e paramos aí; entramos em elaboradas explicações para suas causas. Nunca dizemos apenas que somos ciumentos ou amargos, mas justificamos ou explicamos isto. Nós perguntamos como pode haver amor sem ciúme, ou dizemos que as atitudes de outra pessoa nos tornaram amargos, e assim por diante. É a explicação, a verbalização, seja silenciosa ou expressa, que sustenta a raiva, que dá a ela escopo e profundidade.
Comentários sobre o viver; Vol. 1; Capítulo 30 – A Cólera