https://jkrishnamurti.org/content/adyar-6th-public-talk-3rd-january-1934

                                                                                                                                        Adyar – Sexta Palestra

Como esta é minha última palestra aqui, responderei primeiro às questões que me foram feitas e, em seguida, concluirei com uma breve palestra. Mas antes de responder às perguntas, gostaria de agradecer novamente ao Sr. Warrington, o Presidente Interino, por me convidar para falar em Adyar e por sua grande amizade.

Como eu disse no início das minhas palestras, não estou realmente interessado em atacar sua sociedade. Ao dizer isso, não estou voltando atrás no que disse. Eu penso que todas as organizações espirituais são um obstáculo para o homem, porque não se pode encontrar a verdade através de nenhuma organização.

Pergunta: Qual é o caminho mais sábio a tomar – proteger e abrigar os ignorantes com conselhos e orientações ou deixá-los descobrir através de sua própria experiência e sofrimento, mesmo que levem uma vida inteira para se livrar dos efeitos de tal experiência e sofrimento?

Krishnamurti: Eu diria que nenhum; eu diria para ajudá-los a serem inteligentes, o que é uma coisa completamente diferente. Quando vocês querem guiar e proteger os ignorantes, vocês estão realmente dando a eles um abrigo que vocês criaram para si mesmos. E realizar o ponto de vista oposto, isto é, deixá-los andar à deriva através das experiências é igualmente estúpido. Mas podemos ajudar os outros através da verdadeira educação – não através desta doença moderna que chamamos de educação, esse passar por exames e universidades. Eu não chamo isso de educação de maneira nenhuma. É apenas embotar a mente. Mas essa é uma questão diferente.

Se pudermos ajudar os outros a se tornarem inteligentes, isso é tudo o que precisamos fazer. Mas isso é a coisa mais difícil do mundo, porque a inteligência não oferece abrigo das lutas e confusões da vida, nem dá conforto, somente cria compreensão. A inteligência é livre, sem limitações, sem medo ou superficialidade. Podemos ajudar os outros a se libertarem da ganância, das muitas ilusões e obstáculos que os prendem, somente quando começamos a nos libertar. Mas temos esta atitude extraordinária de querer melhorar as massas enquanto ainda somos ignorantes, enquanto ainda estamos presos às superstições, à ganância. Quando começamos a nos libertar, então ajudamos os outros de forma natural e verdadeira.

Pergunta: Embora eu concorde com você quanto à necessidade de o indivíduo descobrir as superstições e até mesmo as religiões como tais, você não acha que um movimento organizado nessa direção é útil e necessário, especialmente porque na sua ausência os poderosos interesses estabelecidos, ou seja, os sumos sacerdotes em todos os principais lugares de peregrinação, continuarão a explorar aqueles que ainda estão presos às superstições, aos dogmas e às crenças religiosas? Já que você não é um individualista, por que você não fica conosco e espalha sua mensagem em vez de ir para outras terras e voltar aqui quando suas palavras provavelmente já foram esquecidas?

Krishnamurti: Então você conclui que as organizações são necessárias. Vou explicar o que quero dizer com organizações. Deve haver organizações para o bem-estar do homem, para o bem-estar físico do homem, mas não com o propósito de conduzi-lo à verdade. Porque a verdade não pode ser encontrada por nenhuma organização, por nenhum caminho, por nenhum método. Simplesmente ajudar o homem, através de uma organização, a destruir suas superstições, suas crenças, seus dogmas, não lhe dará compreensão. Ele apenas criará crenças no lugar das antigas que vocês destruíram. Isso é o que está acontecendo em todo o mundo. Vocês destroem um conjunto de crenças e o homem cria outro; vocês retiram um determinado templo e ele cria outro.

Mas se os indivíduos, a partir de sua compreensão, criarem inteligência ao seu redor, criarem compreensão à sua volta, então as organizações surgirão naturalmente. Agora, começamos primeiro com as organizações e depois dizemos: “Como podemos viver e nos ajustar a todas as demandas dessas organizações?” Em outras palavras, colocamos as organizações em primeiro lugar e os indivíduos depois. Vi isto em todas as sociedades: os indivíduos são colocados de lado enquanto a organização, esta coisa misteriosa em que todos vocês trabalham, se torna uma força, um poder esmagador para a exploração. É por isso que sinto que a libertação de superstições, de crenças e dogmas, só pode começar com o indivíduo. Se o indivíduo verdadeiramente compreende, então através da sua compreensão, através da ação dessa compreensão, ele naturalmente criará organizações que não serão instrumentos de exploração. Mas se colocarmos a organização em primeiro lugar, como a maioria das pessoas fazem, não estamos destruindo as superstições, mas apenas criando substitutos.

Tomemos, por exemplo, o instinto possessivo. A lei o santifica, o abençoa na posse de sua esposa, seus filhos e suas propriedades; ela te honra. Então, se o comunismo vier, ele honrará a pessoa que não possui nada. Agora, para mim, ambos os sistemas são iguais; eles são o mesmo em termos contrários, em oposição. Quando vocês são forçados a uma determinada ação, formada, moldada pela circunstância, pela sociedade, por uma organização, então nessa ação não há compreensão. Vocês estão apenas trocando de mestres. As organizações resultarão naturalmente se houver pessoas que verdadeiramente sintam e sejam inteligentes sobre essas coisas. Mas se vocês estiverem preocupados apenas com a organização, vocês destruirão aquele sentimento vital, aquele pensamento inteligente, criativo, porque vocês têm que considerar a organização, a receita da organização e as crenças sobre as quais a organização se baseia. Vocês têm que considerar todos os compromissos e, portanto, nem vocês nem a organização jamais serão fluídos, vivos, flexíveis. Sua organização é muito mais importante para vocês do que a liberdade. Se vocês realmente pensarem sobre isso, vocês verão.

Alguns indivíduos criam organizações a partir de seu entusiasmo, de seu interesse animado, e o resto das pessoas se ajustam nessas organizações e se tornam escravos delas. Mas se houvesse inteligência criativa – o que dificilmente existe neste país, porque todos vocês são seguidores, dizendo: “Diga-me o que fazer, que disciplina, que método seguir”, como as ovelhas – se vocês fossem verdadeiramente livres, se tivessem inteligência criativa, a partir daí viria a ação; vocês abordariam o problema fundamentalmente, isto é, através da educação, das escolas, através da literatura, da arte; não através dessa conversa perpétua sobre organizações. Para ter escolas, para ter o tipo certo de educação é preciso ter organização; mas tudo isso acontecerá naturalmente se os indivíduos, se algumas pessoas estiverem verdadeiramente despertas, se forem verdadeiramente inteligentes.

Já que você não é um individualista, por que você não fica conosco e espalha sua mensagem em vez de ir para outras terras e voltar aqui quando suas palavras provavelmente já foram esquecidas? Prometi desta vez ir para outros países, América do Sul, Austrália, Estados Unidos. Mas quando eu voltar pretendo ficar muito tempo na Índia. (Aplausos) Não se incomodem em aplaudir. Quero fazer as coisas de uma maneira completamente diferente.

Pergunta: O que vem primeiro, o indivíduo ou a organização?

Krishnamurti: Isso é muito simples. Vocês estão preocupados em remendar, o que implica a modificação do nacionalismo, da diferença de classes, da possessividade, da herança, a luta por quem deve entrar nos templos, fazer uma pequena alteração aqui e ali ou vocês desejam uma mudança radical e completa? Essa mudança significa liberdade da autoconsciência, do “eu” limitado que cria o nacionalismo, o medo, as diferenças, a possessividade. Se vocês perceberem fundamentalmente a falsidade dessas coisas, então vem a verdadeira ação. Portanto, vocês têm que compreender e agir. Como vocês estão, vocês estão apenas glorificando a autoconsciência. E eu sinto que basicamente todas as sociedades religiosas estão fazendo isso, embora em teoria, nos livros, seus ensinamentos possam ser diferentes. Sabem, muitas vezes me disseram que os Upanishads concordam com o que eu digo. As pessoas me dizem: “Você está dizendo exatamente o que Buda disse, o que Cristo disse”. Ou: “Fundamentalmente, você está ensinando o que os Teosofistas defendem”. Mas isso é tudo teoria. Vocês devem pensar realmente sobre isso, vocês devem ser realmente honestos, francos. Quando digo “honestos”, “francos”, não quero dizer sinceros, porque um estúpido pode ser sincero. (Respondendo a uma interrupção) Por favor, apenas acompanhem isto. Um lunático que se apega firmemente a uma ideia, a uma crença, é sincero. A maioria das pessoas é sincera, só que tem inúmeras crenças. Em vez de uma, elas têm muitas, e estão tentando ser sinceras ao mantê-las.

Se vocês forem realmente francos, honestos, verão que todo o seu pensamento e ação estão baseados em remendos, nessa consciência limitada, nessa autoglorificação, nesse desejo de se tornarem alguém tanto no mundo espiritual como no mundo físico. Se vocês agirem e trabalharem com essa atitude, então o que vocês fizerem inevitavelmente levará à remendos; mas se vocês agirem verdadeiramente, então para vocês toda essa estrutura colapsa. Vocês querem glorificação, proteção, segurança, conforto para si mesmos; portanto vocês têm que decidir fazer uma coisa ou outra, não podem fazer as duas. Se francamente, honestamente, vocês buscarem segurança e conforto, então descobrirão o vazio deles. Se vocês forem realmente honestos em relação a essa autoglorificação, então perceberão sua superficialidade.

Mas infelizmente nossas mentes não estão claras. Somos tendenciosos, somos influenciados; tradição e hábito nos prendem. Temos inúmeros compromissos. Temos organizações para manter. Nós nos comprometemos com certas ideais, com certas crenças. E a economia representa um papel enorme em nossas vidas. Dizemos: “Se eu pensar diferente de meus sócios, de meus vizinhos, posso perder meu emprego. Então, como posso ganhar a vida?” Portanto, continuamos como antes. Isso é o que eu chamo de hipocrisia, não enfrentar os fatos diretamente.

Perceber verdadeiramente e agir, a ação segue a percepção, elas são inseparáveis. Descubram o que vocês querem fazer, remendar ou ação completa. Agora, vocês estão colocando ênfase no trabalho e, portanto, principalmente em remendar.

Pergunta: A reencarnação explica muito dos mistérios e enigmas da vida. Mostra, entre outras coisas, que as relações pessoais altamente estimadas de qualquer encarnação não necessariamente continuam na próxima. Assim, os estranhos são, por sua vez, as nossas relações e vice-versa; isso revela a afinidade da alma humana, um fato que, se devidamente compreendido, deveria contribuir para uma verdadeira fraternidade. Portanto, se a reencarnação é uma lei natural e o senhor sabe que é assim ou, igualmente, se o senhor sabe que não existe tal lei, por que não diz isso? Por que o senhor sempre prefere deixar, em suas respostas, esse assunto tão importante e interessante cercado pelo halo do mistério?

Krishnamurti: Não acho que esse assunto seja importante; acho que não resolve nada fundamentalmente. Não acho que os faça compreender essa unidade fundamental, viva, única, que não é a unidade da uniformidade. Vocês dizem: “Fui casado com alguém na vida passada e estou casado com uma pessoa diferente nesta vida; isso não traz um sentimento de fraternidade, afeição ou unidade?” Que maneira extraordinária de pensar! Vocês preferem a fraternidade de um mistério à fraternidade da realidade. Vocês seriam afetuosos por causa do relacionamento, não porque o afeto é natural, espontâneo, puro. Vocês querem acreditar porque a crença os conforta. É por isso que existem tantas diferenças de classes, guerras e o uso constante dessa palavra absurda “tolerância”. Se vocês não tivessem divisões de crenças nem conjuntos de ideais, se vocês fossem seres humanos realmente completos, então haveria verdadeira fraternidade, verdadeiro afeto, não esta coisa artificial que vocês chamam de fraternidade.

Tratei da questão da reencarnação com tanta frequência que agora falarei dela apenas brevemente. Vocês podem não considerar nada do que eu digo ou podem examinar, como quiserem. Receio que vocês não o considerem – embora isso não importe – porque vocês estão comprometidos com determinadas ideias, com determinadas organizações, estão limitados pelas autoridades, pelas tradições.

Para mim, o ego, essa consciência limitada, é o resultado do conflito. Inerentemente, ele não tem valor, é uma ilusão. Ele surge através da falta de compreensão que, por sua vez, cria conflito, e desse conflito desenvolve-se a autoconsciência ou consciência limitada. Vocês não podem aperfeiçoar essa autoconsciência através do tempo; o tempo não liberta a mente dessa consciência. Por favor, não se enganem, o tempo não os libertará dessa autoconsciência, porque o tempo é apenas um adiamento da compreensão. Quanto mais vocês adiarem uma ação, menos a compreenderão. Vocês estão conscientes apenas quando há conflito; e no êxtase, na verdadeira percepção, existe ação espontânea na qual não há conflito. Vocês então não estão mais conscientes de si próprios como uma entidade, como o “eu”. No entanto, vocês desejam proteger este acúmulo de ignorância que vocês chamam de “eu”, esse acúmulo do qual brota esta ideia de mais e mais, este centro de desenvolvimento que não é vida, mas apenas uma ilusão. Assim, enquanto vocês contarem com o tempo para trazer perfeição, a autoconsciência apenas aumentará. O tempo nunca os libertará dessa autoconsciência, dessa consciência limitada. O que libertará a mente é a completude da compreensão na ação; isto é, quando sua mente e seu coração estiverem agindo harmoniosamente, quando não forem mais tendenciosos, presos a uma crença, limitados por um dogma, pelo medo, pelos falsos valores, então haverá liberdade. E essa liberdade é o êxtase da percepção.

Sabem, seria realmente de grande interesse se um de vocês que acredita tão fundamentalmente na reencarnação discutisse o assunto comigo. Discuti isso com muitas pessoas, mas tudo o que elas são capazes de dizer é: “Nós acreditamos na reencarnação, ela explica muitas coisas”, e isso resolve a questão. Não se pode discutir com pessoas que estão convencidas de suas crenças, que têm a certeza de seu conhecimento. Quando um homem diz que sabe, o assunto terminou; e vocês adoram o homem que diz: “Eu sei”, porque sua declaração positiva, sua certeza, lhes dá conforto, refúgio.

Se vocês acreditam ou não em reencarnação me parece um assunto muito trivial; essa crença é como um brinquedo, é agradável; não resolve nada, porque é apenas um adiamento. É apenas uma explicação, e explicações são como cinzas para o homem que está procurando. Mas infelizmente vocês estão sufocados com explicações, vocês as têm para tudo. Para cada sofrimento, vocês têm uma explicação lógica, conveniente. Se um homem é cego, vocês explicam sua má sorte nesta vida por meio da reencarnação. As desigualdades na vida, vocês explicam pela reencarnação, pela ideia de evolução. Portanto, com explicações, vocês resolveram as muitas questões relativas ao homem e deixaram de viver. A plenitude da vida exclui todas as explicações. Para o homem que está realmente sofrendo, as explicações são como pó e cinzas. Mas para o homem que busca conforto, as explicações são necessárias e excelentes. Não existe tal coisa como conforto. Existe apenas compreensão, e a compreensão não é limitada por crenças ou certezas.

Vocês dizem: “Eu sei que a reencarnação é verdade”. Bem, o que isso significa? A reencarnação, isto é, o processo de acumulação, de desenvolvimento, de ganho, é apenas a carga do esforço, a continuação do esforço; e eu afirmo que há uma maneira de viver espontaneamente, sem esta luta constante, e é através da compreensão, que não é o resultado da acumulação, do desenvolvimento. Esta compreensão, esta percepção, vem para aquele que não está preso ao medo, à autoconsciência.

Pergunta: O homem que permanece inabalável diante dos perigos e provações da vida, tal como a oposição de seus semelhantes a um curso de ação, é sempre um homem de vontade firme e caráter sólido. As escolas públicas na Inglaterra e em outros lugares reconhecem a importância de desenvolver a vontade e o caráter, que são geralmente considerados como o melhor equipamento para embarcar na vida, porque a vontade assegura o sucesso e o caráter assegura uma sanção moral. O que o senhor tem a dizer sobre a vontade e o carácter, e qual é o seu verdadeiro valor para o indivíduo?

Krishnamurti: A primeira parte desta pergunta serve como pano de fundo da própria pergunta, que é: “O que você tem a dizer sobre vontade e caráter, e qual é o seu verdadeiro valor para o indivíduo?” Nenhum do meu ponto de vista. Mas isso não significa que vocês não devem ter vontade, caráter. Não pensem em termos de opostos. O que vocês querem dizer com vontade? A vontade é o resultado da resistência. Se vocês não compreendem uma coisa, vocês querem conquistá-la. Toda conquista é apenas escravidão e, portanto, resistência; e dessa resistência desenvolve-se a vontade, a ideia de “Devo e não devo”. Mas a percepção, a compreensão, liberta a mente e o coração da resistência e, portanto, desta batalha constante do “Devo e não devo.”

A mesma coisa se aplica ao caráter. O caráter é apenas o poder de resistir às muitas invasões da sociedade sobre você. Quanto mais vontade tiverem, maior será a autoconsciência, o “eu”, porque o “eu” é o resultado do conflito, e a vontade nasce da resistência que, por sua vez, cria a autoconsciência. Quando surge a resistência? Quando vocês buscam a aquisição, o ganho, a virtude, quando vocês desejam ter sucesso, quando há imitação e medo.

Tudo isso pode parecer absurdo para vocês, porque vocês estão presos no conflito da aquisição e naturalmente dirão: “O que pode ser um homem sem vontade, sem conflito, sem resistência?” Digo que essa é a única maneira de viver sem resistência, o que não significa não-resistência; isso não significa não ter vontade, não ter propósito, ser levado para cá e para lá. A vontade é o resultado de falsos valores; e quando há compreensão do que é verdadeiro, o conflito desaparece e com ele o desenvolvimento da resistência que se chama vontade. A vontade e o desenvolvimento do carácter, que são como o vidro colorido que perverte a luz clara, não podem libertar o homem; não podem lhes dar compreensão. Pelo contrário, eles limitarão o homem.

Mas uma mente que compreende, uma mente que é flexível, alerta – o que não significa a mente astuta de um advogado esperto, um tipo que é tão predominante na Índia, um tipo que é destrutivo – a mente que é flexível, eu digo, a mente que não está limitada, que não é possessiva, nela não há resistência porque ela compreende; ela percebe a falsidade da resistência, porque é como a água. A água assume qualquer forma e continua sendo água. Mas vocês querem ser moldados de acordo com um padrão específico, porque não têm compreensão completa. Afirmo que quando vocês se realizam, quando agem completamente, vocês não mais procurarão um padrão e exercerão sua vontade para se encaixarem nesse padrão, porque na verdadeira compreensão há um movimento constante, que é a vida eterna.

Pergunta: O senhor disse ontem que a memória, que é o resíduo de ações acumuladas, dá origem à ideia de tempo e, portanto, de progresso. Por favor, desenvolva mais a ideia com referência especial à contribuição do progresso para a felicidade humana.

Krishnamurti: Há progresso no campo da ciência mecânica, progresso em relação às máquinas, automóveis, conveniências modernas e na conquista do espaço. Mas não estou me referindo a esse tipo de progresso, porque o progresso na ciência mecânica tem que ser sempre transitório; nisso nunca pode haver realização para o homem. Tenho que falar muito brevemente porque tenho muitas perguntas para responder. Espero que o que digo seja claro; se não for, continuaremos em um momento posterior.

Não pode haver realização para o homem no progresso mecânico. Haverá carros melhores, aviões melhores, máquinas melhores, mas a realização não pode ocorrer através deste processo contínuo de perfeição mecânica – não que eu seja contra as máquinas. Quando falamos de progresso aplicado ao que chamamos de desenvolvimento individual, o que queremos dizer? Queremos dizer a aquisição de mais conhecimento, de mais virtude, o que não é realização. O que é chamado de virtude aqui pode ser considerado vício em outra sociedade. A sociedade desenvolveu os conceitos de bom e mau. Inerentemente, não há tal coisa como bom e mau. Não pensem em termos de opostos. Vocês têm que pensar fundamentalmente, intrinsecamente.

Para mim, através do progresso não pode haver completude de ação, porque o progresso implica tempo, e o tempo não leva à realização. A realização está apenas no presente, não no futuro. O que os impede de viver completamente no presente? O passado, com suas muitas memórias e obstáculos. Vou colocar de forma diferente. Enquanto houver escolha, tem que haver este chamado progresso nas coisas essenciais e não-essenciais. Mas no momento em que vocês possuem o essencial, ele já se tornou o não-essencial. E assim seguimos movendo-nos continuamente do não-essencial para o essencial, o que por sua vez se torna o não-essencial. E essa substituição chamamos de progresso. Mas perfeição é realização, que é a harmonia da mente e do coração na ação. Não pode haver tal harmonia se a mente de vocês estiver presa em uma crença, em uma memória, em um preconceito, em um desejo. Uma vez que vocês estão presos nessas coisas, vocês devem se libertar delas. E só poderão se libertar quando vocês, como indivíduos, descobrirem o verdadeiro significado delas. Isto é, vocês só podem agir harmoniosamente quando descobrirem seu verdadeiro significado questionando, duvidando de seus valores existentes.

Lamento, mas agora devo parar de responder perguntas. Muitas perguntas têm sido feitas a mim com relação à Sociedade Teosófica, se eu aceitaria a presidência se ela me fosse oferecida e qual seria minha política se eu fosse eleito; se a Sociedade Teosófica, que se empenha para educar as massas e elevar o padrão ético, deve ser dissolvida; que política eu defenderia para a comunidade Indo-Britânica e assim por diante. Não proponho concorrer à presidência da Sociedade Teosófica porque não pertenço a essa Sociedade. Isso não me interessa – não que eu me ache superior – porque não acredito em organizações religiosas e não quero orientar um único homem. Por favor, acreditem em mim, senhores, quando digo que não quero influenciar uma única pessoa; porque o desejo de orientar mostra inerentemente que se tem um fim, uma meta em direção à qual se pensa que toda a humanidade deve chegar como um rebanho de ovelhas. É isso que a orientação implica.

Agora, eu não quero estimular nenhum homem a um objetivo ou fim específico. O que eu quero fazer é ajudá-lo a ser inteligente, e isso é uma coisa totalmente diferente. Portanto, não tenho tempo para responder a essas inúmeras questões com base em tais ideias.

Como já é muito tarde, gostaria de resumir o que tenho dito nos últimos cinco ou seis dias e, naturalmente, tenho que ser paradoxal. A verdade é paradoxal. Espero que aqueles de vocês que acompanharam inteligentemente o que venho dizendo compreendam e ajam, mas não façam de mim um padrão para suas ações. Se o que eu disse não for verdadeiro para vocês, naturalmente vocês esquecerão. A menos que vocês tenham realmente aprofundado, a menos que vocês tenham pensado sobre o que eu disse, vocês simplesmente repetirão minhas frases, decorarão minhas palavras, e isso não tem qualquer valor. Para a compreensão, o primeiro requisito é duvidar, duvidar não apenas em relação ao que digo, mas principalmente em relação às ideias que vocês mesmos sustentam. Mas vocês fizeram da dúvida um anátema, um impedimento, um mal a ser banido, a ser posto de lado; vocês fizeram da dúvida uma coisa abominável, uma doença. Mas, para mim, a dúvida não é nada disso, a dúvida é uma pomada que cura.

Mas do que vocês geralmente duvidam? Vocês duvidam do que o outro diz. É muito fácil duvidar de alguém. Mas duvidar da própria coisa em que estão presos, da própria coisa que sustentam, duvidar da própria coisa que vocês buscam, perseguem, isso é mais difícil. A verdadeira dúvida não admite substituição. Quando vocês duvidam de outro, como quando alguém disse durante uma destas palestras outro dia: “Duvidamos de você”, isso mostra que vocês estão duvidando do que estou dando, do que estou tentando explicar. Muito bem. Mas sua dúvida é apenas a busca por substituição. Vocês dizem: “Eu tenho isto, mas não estou satisfeito. Isso me satisfará, aquela outra coisa que você está oferecendo? Para descobrir, tenho que duvidar de você.” Mas não estou lhes oferecendo nada. Estou dizendo para vocês duvidarem da própria coisa que está em suas mãos, da própria coisa que está em sua mente e em seu coração; então vocês não buscarão mais substituição.

Quando vocês buscam substituição, há medo e, portanto, aumento do conflito. Quanto vocês estão com medo, vocês buscam o oposto do medo, que é a coragem; vocês tratam de adquirir coragem. Ou, se vocês decidem que são indelicados, vocês tratam de adquirir gentileza, que é uma mera substituição, uma mudança de direção para o oposto. Mas se, em vez de buscarem uma substituição, vocês começarem realmente a investigar exatamente aquilo em que sua mente está presa – medo, indelicadeza, ganância – então vocês descobrirão a causa. E vocês só podem descobrir a causa duvidando continuamente, questionando, através de uma atitude crítica e inteligente da mente, que é uma atitude saudável, mas que tem sido destruída pela sociedade, pela educação, pelas religiões que os aconselham a banir a dúvida. A dúvida é meramente uma investigação sobre valores verdadeiros, e quando vocês descobrem valores verdadeiros por si mesmos, a dúvida cessa. Mas para descobrir, vocês devem ser críticos, vocês devem ser francos, honestos.

Como a maioria das pessoas está buscando substituição, elas estão apenas aumentando seu conflito. E esse aumento de conflito, com seu desejo de fuga, chamamos de progresso, progresso espiritual, porque para nós substituição ou fuga é mais aquisição, mais conquista. Assim, o que vocês chamam de busca pela verdade é meramente a tentativa de encontrar substitutos, a busca por maiores seguranças, por refúgios mais seguros contra o conflito. Quando vocês procuram refúgios, vocês estão criando exploradores e, ao criá-los, vocês ficam presos nessa máquina de exploração que diz: “Não faça isto, não faça aquilo, não duvide, não seja crítico. Siga este ensinamento, porque isto é verdadeiro e aquilo é falso.” Portanto, quando vocês falam da verdade, vocês estão realmente querendo substituição; vocês querem repouso, tranquilidade, paz, fugas seguras, e nesse desejo vocês criam máquinas artificiais e vazias, máquinas intelectuais para fornecer essa substituição, para satisfazer esse desejo. Expressei-me com clareza?

Em primeiro lugar, vocês estão presos no conflito e, como vocês não conseguem compreender esse conflito, vocês desejam o oposto, repouso, paz, o que é um conceito intelectual. Nesse desejo, vocês criaram uma máquina intelectual, e essa máquina intelectual é a religião; que está totalmente separada de seus sentimentos, de sua vida diária e, portanto, é apenas uma coisa artificial. Essa máquina intelectual também pode ser a sociedade, criada intelectualmente, uma máquina da qual vocês se tornaram escravos e pela qual vocês são implacavelmente esmagados.

Vocês criaram essas máquinas porque estão em conflito, porque através do medo e da ansiedade vocês são levados ao oposto desse conflito, porque buscam repouso, tranquilidade. O desejo pelo oposto cria o medo, e desse medo surge a imitação. Então vocês inventam conceitos intelectuais tais como as religiões, com suas crenças e padrões, suas autoridades e disciplinas, com seus gurus e Mestres para conduzi-los ao que vocês desejam, que é conforto, segurança, tranquilidade, fuga deste conflito constante. Vocês criaram esta vasta máquina que vocês chamam de religião, essa máquina intelectual que não tem validade, e criaram a máquina que se chama sociedade, porque tanto em sua vida social como em sua vida religiosa, vocês querem conforto, refúgio. Em sua vida social, vocês são dominados por tradições, hábitos, valores inquestionáveis; a opinião pública atua como sua autoridade; e opiniões, hábitos e tradições inquestionáveis acabam levando eventualmente ao nacionalismo e à guerra.

Vocês falam em buscar a verdade, mas sua busca é meramente uma busca por substituição, o desejo de maior segurança e maior certeza. Portanto, sua busca está destruindo aquilo que vocês estão procurando, que é a paz, não a paz da estagnação, mas a paz da compreensão, da vida, do êxtase. Isso lhes é negado porque vocês estão procurando por algo que os ajude a fugir.

Assim, para mim, todo o propósito – se posso usar essa palavra sem que vocês me compreendam mal – reside em destruir essa falsa máquina intelectual por meio da inteligência, isto é, pela verdadeira consciência. Vocês podem compreender, deixar de lado a tradição, que se tornou um obstáculo; vocês podem compreender, deixar de lado os Mestres, as ideias, as crenças. Mas não os destruam apenas para adquirirem novos, não me refiro a isso. Vocês não devem meramente destruir, apenas colocar de lado, vocês devem ser criativos; e vocês só podem ser criativos quando começarem a compreender os verdadeiros valores. Portanto, questionem o significado das tradições e dos hábitos, da nacionalidade, da disciplina, dos gurus e dos Mestres. Vocês só podem compreender quando estiverem totalmente conscientes, conscientes com todo o seu ser. Quando vocês dizem: “Estou buscando Deus”, fundamentalmente vocês querem dizer: “Quero fugir, escapar”. Quando vocês dizem: “Estou procurando a verdade, e uma organização pode me ajudar a encontrá-la”, vocês estão apenas procurando um abrigo. Não estou sendo áspero, só quero enfatizar e deixar claro o que estou dizendo. Cabe a vocês agirem.

Criamos obstáculos artificiais. Não são obstáculos reais, fundamentais; são artificiais. Nós os criamos porque estamos buscando algo, recompensas, segurança, conforto, paz. Para obter segurança, para nos ajudar a evitar conflitos, temos que ter muitas ajudas, muitos apoios. E essas ajudas, esses apoios, são autodisciplinas, gurus, crenças. Entrei em tudo isso mais ou menos completamente. Agora, quando estiver falando sobre essas coisas, por favor, não pensem em termos de opostos, porque assim vocês não compreenderão. Quando digo que a autodisciplina é um obstáculo, não pensem que, portanto, vocês não devem ter disciplina alguma. Quero mostrar-lhes a causa da autodisciplina. Quando vocês compreenderem isso, então não haverá essa disciplina autoimposta nem seu oposto, mas existirá verdadeira inteligência. Para ter o que queremos – o que é fundamentalmente falso, porque se baseia na ideia do oposto como uma substituição – criamos meios artificiais, tais como autodisciplina, crença, orientação. Sem essa crença, sem essa autoridade, que é um obstáculo, nos sentimos perdidos; assim nos tornamos escravos e somos explorados.

Um homem que vive pela crença não está vivendo verdadeiramente; ele está limitado em suas ações. Mas o homem que, porque compreende, está realmente livre da crença e da carga do conhecimento; para ele há êxtase, para ele há verdade. Tenham cuidado com o homem que diz: “Eu sei”, porque ele só pode conhecer o estático, o limitado, nunca o vivo, o infinito. O homem só pode dizer: “Existe”, o que não tem nada a ver com conhecimento. A verdade está sempre se tornando; ela é imortal; é a vida eterna.

Temos esses obstáculos, esses obstáculos artificiais baseados na imitação, na ganância, o que cria o nacionalismo, a autodisciplina, os gurus, Mestres, ideais, crenças. A maioria de nós está escravizada por um deles, consciente ou inconscientemente. Agora, por favor, acompanhem isto, caso contrário, vocês dirão: “Você está apenas destruindo e não nos dando nenhuma ideia construtiva.”

Nós criamos esses obstáculos; e só podemos nos libertar deles tomando consciência deles, não através do processo de disciplina, não pela substituição, pelo controle, pelo esquecimento, seguindo o outro, mas apenas tomando consciência de que são venenos. Sabem, quando vocês veem uma cobra venenosa em seu quarto, vocês estão totalmente conscientes dela com todo o seu ser. Mas essas coisas, essas disciplinas, crenças, substituições, vocês não consideram venenos. Elas se tornaram meros hábitos, às vezes prazerosos e às vezes dolorosos, e vocês as suportam enquanto o prazer superar a dor. Vocês continuam dessa maneira até que a dor os domine. Quando você tem uma dor corporal intensa, seu único pensamento é se livrar dela. Você não pensa no passado ou no futuro, na saúde passada ou no momento em que não terá mais dor. Você só está preocupado em se livrar da dor. Do mesmo modo, vocês têm que se tornar conscientes de todos esses obstáculos de forma intensa e completa, e só podem fazer isso quando estiverem em conflito, quando não estiverem mais fugindo, escolhendo substitutos. Toda escolha é mera substituição. Se vocês se tornarem totalmente conscientes de um obstáculo, seja ele um guru, uma memória ou preconceitos de classe, essa consciência revelará o criador de todos os obstáculos, o criador de todas as ilusões, que é a autoconsciência, o ego. Quando a mente desperta inteligentemente para esse criador, que é a autoconsciência, então nessa consciência o criador de ilusões se dissolve. Experimentem e verão o que acontece.

Não estou dizendo isso como um incentivo para vocês tentarem. Não tentem com o propósito de se tornarem felizes. Vocês só tentarão se estiverem em conflito. Mas como a maioria de vocês tem muitos abrigos nos quais se confortam, vocês deixaram de estar em conflito de modo geral. Vocês têm explicações para todos os seus conflitos – muita poeira e cinzas – e essas explicações amenizaram seu conflito. Talvez haja um ou dois entre vocês que não se contentam com explicações, que não se contentam com cinzas, sejam com as cinzas mortas de ontem ou com as cinzas futuras de crenças, de esperanças.

Se vocês estiverem realmente presos no conflito, vocês encontrarão o êxtase da vida, mas tem que haver consciência inteligente. Isto é, se eu lhes disser que a autodisciplina é um obstáculo, não rejeitem ou aceitem imediatamente minha declaração. Descubram se a mente de vocês está presa à imitação, se sua autodisciplina é baseada na memória, que é apenas uma fuga do presente. Vocês dizem: “Eu não devo fazer isto”, e dessa proibição autoimposta desenvolve-se a imitação; portanto a autodisciplina é baseada na imitação, no medo. Onde há imitação não pode haver a realização da inteligência. Descubram se vocês são imitativos; experimentem. E vocês só podem experimentar na própria ação. Estas não são meras palavras; se pensarem sobre isso, verão. Vocês não podem compreender depois que a ação ocorreu, o que seria autoanálise, mas apenas no momento da própria ação. Vocês só podem estar completamente conscientes na ação. Não digam: “Eu não devo ter preconceitos de classe”, mas tornem-se conscientes para descobrir se vocês têm preconceitos de classe. Essa descoberta na ação criará conflito, e esse conflito em si libertará a mente dos preconceitos de classe, sem que vocês tentem superá-los.

Portanto, a própria ação destrói as ilusões, não a disciplina autoimposta. Eu gostaria que vocês pensassem sobre isso e agissem; então vocês veriam o que tudo isso significa. Isso abre imensas avenidas à mente e ao coração; para que o homem possa viver em realização sem buscar um fim, um resultado; o homem pode agir sem um motivo. Mas vocês só podem viver completamente quando tiverem percepção direta, e a percepção direta não é realizada através da escolha, através do esforço nascido da memória. Ela encontra-se na chama da consciência, que é a harmonia da mente e do coração na ação. Quando sua mente estiver livre de religiões, de gurus, de sistemas, da ganância, só então pode haver completude da ação, só então a mente e o coração podem acompanhar as rápidas deambulações da verdade.

03/01/1934.