Palestra aos Teosofistas, Auckland, Nova Zelândia.
Amigos, direi apenas algumas palavras antes de tentar responder a algumas destas perguntas.
Antes de tudo, é importante ressaltar que minhas palavras não devem ser recebidas com um espírito partidário. A maioria de vocês aqui provavelmente é teosofista, com certos ideais e ideias bem definidos, seguindo certos ensinamentos, e vocês pensam que sustento pontos de vista contrários, que pertenço a outro campo, com outros ideais e crenças. Mas vamos abordar a questão toda do ponto de vista da descoberta, em vez de dizer: “Nós acreditamos nisto e você não; portanto, somos defensores de certas ideias que você está tentando destruir”. Agora, esse espírito, esse tipo de atitude, indica oposição em vez de compreensão; indica que vocês têm algo que desejam proteger e, se alguém questionar o que vocês têm, vocês imediatamente se sentirão atacados. Não é minha intenção atacar nada de modo algum, mas sim ajudá-los a descobrir se o que vocês estão defendendo é verdadeiro. Se for verdadeiro, então ninguém pode atacá-lo; se o que vocês sustentam for real, então não importa que alguém o ataque. E vocês só podem descobrir o que é real examinando, não protegendo, ficando na defensiva.
Sabem, aonde quer que eu vá, os teosofistas me pedem, assim como outras organizações, para falar com eles; e os teosofistas, com quem convivi durante tanto tempo, assumem esta atitude infeliz, acham que eu os ataco, que estou tentando destruir suas crenças prediletas, as quais procuram preservar a todo custo e todo o absurdo disso. Considerando que eu sinto que se pudermos realmente examinar juntos, raciocinar juntos e ver o que temos em nossas mãos que queremos proteger, então, em vez de pertencermos a um determinado campo ou seção particular de pensamento, conseguiremos naturalmente compreender o que é verdadeiro; e o que é verdadeiro não é partidário; não é seu nem meu. Portanto, esta é minha intenção ao me dirigir a vocês e ao falar em qualquer lugar: ajudá-los a descobrir – e digo isso honestamente – se o que vocês sustentam é realmente duradouro ou foi algo que vocês construíram por presunção, autoproteção, autopreservação, através da busca por segurança. Essas coisas não têm valor, embora possam vestir a roupagem da segurança, da certeza e da sabedoria.
Portanto, senhores, gostaria de dizer que, para mim, a verdade não tem aspectos. Temos o hábito, especialmente os Teosofistas, creio eu, e algumas outras correntes, de dizer que a verdade tem muitos aspectos: o cristianismo seria uma delas, o budismo outra, o hinduísmo outra e assim por diante. Isso apenas indica que queremos manter nosso próprio temperamento particular, nossos próprios preconceitos e sermos tolerantes com os preconceitos de outras pessoas. Então, para mim, a verdade não tem aspectos; ela é uma. E aquilo que é completo, inteiro, não tem aspectos. Não é como uma lâmpada com diversos lustres coloridos. Ou seja, vocês instalam lustres coloridos sobre a lâmpada, e então, se a cor de sua luz for verde, vocês tentam ser tolerantes com a luz vermelha, inventando assim aquela infeliz palavra “tolerância”, que é tão artificial, uma coisa seca que não tem valor. Certamente, vocês não são tolerantes com seus irmãos, com seus filhos. Quando há verdadeira afeição, não existe tolerância. Então, é apenas quando nossos corações murcham é que falamos sobre tolerância. Pessoalmente, não me importo com o que vocês acreditam ou não acreditam, porque meu afeto não é baseado em crença. A crença é algo artificial; ao passo que a afeição está relacionada a essência das coisas. Quando essa afeição murcha, tentamos disseminar a fraternidade pelo mundo com discursos sobre tolerância e unidade das religiões. Mas onde existe compreensão real, não há discursos sobre tolerância.
A compreensão não reside nos livros. Vocês podem estudar livros por vários anos, mas se não souberem viver, todo o seu conhecimento morrerá; porque ele não tem substância, não tem valor. Considerando que um momento de plena consciência, de plena compreensão consciente, traz paz verdadeira e duradoura; não uma coisa estática, mas aquela paz que está continuamente em movimento, ilimitada.
Agora eu me pergunto como farei para responder a todas estas questões.
Pergunta: Uma cerimônia pode ser útil e ainda assim não ser limitante?
Krishnamurti: Vocês realmente querem entrar nessa questão ou apenas querem abordá-la superficialmente? Quantos de vocês realmente realizam cerimônias? Este se tornou, infelizmente, um problema que gera disputas na Sociedade Teosófica.
Agora, o que é uma cerimônia? Não me refiro a pôr uma gravata, arrumar-se, comer ou apreciar a beleza – porque conversei com algumas pessoas e elas apresentaram todos esses argumentos. Elas disseram: “Nós vamos à igreja porque há muita beleza nela. É nossa forma de autoexpressão. Afinal, vestir um terno e escovar os dentes, isso não é uma cerimônia?” Certamente, nada disso é cerimônia. A contemplação da beleza não é cerimônia. Vocês não vão à igreja ou participam de uma cerimônia para se expressarem. As cerimônias que vocês praticam têm um significado muito específico. Uma cerimônia, até onde posso entender, considerando o sentido que vocês atribuem à palavra, é um meio através do qual vocês esperam evoluir espiritualmente ou ainda disseminar forças espirituais pelo mundo. Podemos nos limitar a esse significado, sem trazer argumentos estranhos à discussão? Cerimônia não é isso? A cerimônia se aplica apenas às práticas por meio das quais vocês esperam disseminar forças espirituais e às práticas que vocês realizam querendo obter progresso espiritual. Examinemos essas duas coisas.
Em primeiro lugar, quando vocês dizem que estão disseminando forças espirituais pelo mundo, como vocês sabem que isso ocorre? Ou essa convicção se baseia na autoridade, na aceitação das ordens e dos preceitos de alguém, ou no sentimento de que estão disseminando tais forças. Então, deixemos de lado a autoridade alheia, porque isso é infantil. Se alguém meramente diz: “Façam isto”, e vocês obedecem, trata-se de algo sem valor, não importa quem dê a ordem. Assim, nós apenas nos reduzimos à condição de crianças, nos tornamos instrumentos da autoridade. Nesse caso, não há vitalidade em nossas ações. Nós agimos como meras máquinas imitativas.
Agora, podemos alegar que, ao visitarmos uma igreja, nos sentimos alegres, cheios de vitalidade e com uma sensação de bem-estar. Não desejo insultá-los quando digo que, ao beberem álcool ou quando assistem uma palestra instigante, vocês se sentem igualmente estimulados. Mas, por que consideramos a cerimônia como algo muito mais importante, vital, essencial, do que a apreciação de algo que realmente nos estimula? Se vocês realmente examinarem isso, as cerimônias são muito mais do que a apreciação da beleza que estimula. Ao participarem de uma cerimônia, vocês esperam que, por meio de algum processo milagroso, todo o seu ser seja purificado. Contudo, para mim, tal ideia é, se assim posso dizer, realmente absurda. Tais ideias são instrumentos de verdadeira exploração. Considerando que, quando vocês são realmente inteiros, completos interiormente, vocês não podem contar com outra pessoa para purificar sua mente e seu coração. Vocês precisam descobrir por si mesmos como fazer isso. Então, para mim, toda essa ideia de que as cerimônias lhes proporcionarão compreensão e realização espiritual é realmente o que toda pessoa dita materialista pensa. Ele quer ser alguém neste mundo, quer ter dinheiro, então começa a acumular, possuir, explorar, ser implacável; e o homem que quer ser alguém no mundo espiritual faz exatamente a mesma coisa, só que considera isso algo espiritual. Ou seja, por trás de tudo isso, existe esta ideia de ganho. E para mim, tal ideia, o desejo de obtenção, é em si uma limitação. E se vocês realizam cerimônias como meios de ganho, então todas as cerimônias são apenas limitações. Ou se vocês realizam cerimônias como algo essencial, obrigatório, então vocês estão meramente aceitando-as por autoridade ou tradição. Certamente, uma mente assim não pode compreender o que é a vida, o que é todo o processo de viver.
Surpreende-me que essa questão surja aonde quer que eu vá, especialmente entre aqueles que supostamente são um pouco mais avançados (seja lá o que isso signifique), indivíduos que estudam filosofia há anos, que são supostamente ponderados. Isso apenas indica que eles realmente buscam substitutos. Vocês estão cansados de suas antigas igrejas e instituições, e querem algum brinquedo novo para brincar, e vocês aceitam esse brinquedo novo sem descobrir se ele tem algum valor. Vocês não podem descobrir se algo tem valor enquanto estiverem meramente buscando substitutos.
Tratei dessa questão de maneira completa, abrangente? Eu realmente gostaria de discutir esse assunto, essa ideia de cerimônia, com as pessoas. Eu discuti isso com indivíduos que recentemente foram ordenados sacerdotes, e eles não me deram nenhuma razão válida para realizar cerimônias, apenas razões baseadas na autoridade, dizendo: “Nos ensinaram a fazer isso”, ou algum tipo de desculpa para sua ação.
Agora, há outro aspecto disso que é completamente diferente. É esta ideia de que em uma cerimônia existe magia – não magia negra ou branca, não estou falando disso – de que o mistério da vida é revelado por meio de uma cerimônia. Sabem, eu conversei com alguns católicos romanos, e eles lhes dirão que essa é a razão pela qual eles vão à igreja. Essa não é a razão apresentada por nenhum dos cerimonialistas da tradição teosófica, então não usem isso contra mim de novo. Agora, a vida é mistério. Há algo imenso, mágico na vida; no entanto, romper este véu não significa criar meios de descoberta espúrios e antinaturais – e para mim, essas cerimônias sacerdotais não são naturais. Elas são verdadeiros meios de exploração.
Pergunta: Já foi sugerido que o poder que fala através de você é proveniente dos planos superiores e, por isso, ele não pode ser transmitido em níveis inferiores ao da intuição, de modo que devemos ouvi-lo intuitivamente se quisermos receber sua mensagem. Isso é correto?
Krishnamurti: O que vocês entendem por intuição? O que significa intuição para todos vocês? Vocês dizem que é algo que sentimos instintivamente, sem passarmos pelo processo do raciocínio lógico, um “pressentimento”, como os americanos diriam. Agora, eu realmente questiono se sua intuição é verdadeira ou apenas uma glorificação de expectativas inconscientes, anseios sutis e enganosos. Sabem, quando vocês ouvem alguém falar sobre reencarnação, assistem uma palestra sobre reencarnação ou leem sobre isso em um livro, vocês se entusiasmam e dizem: “Sinto que isso é verdade, deve ser assim”, e chamam esse sentimento de intuição. É realmente intuição ou é a esperança de que vocês terão outra oportunidade de viver, portanto, vocês se agarram nela, chamando-a de intuição? Esperem um minuto. Não estou negando que exista intuição, mas o que a pessoa comum chama de intuição não o é de fato; é algo desprovido de razão, sem validade, sem compreensão por trás disso.
O interrogante afirma que, conforme alguns têm sugerido, o poder que fala através de mim pertence aos planos superiores e não pode ser transmitido em níveis inferiores ao da intuição. Sem dúvida, vocês compreendem o que estou falando. Não é? É bastante simples. Agora, esperem um instante. É fácil entender o que estou dizendo, mas se vocês não acompanharem isso, não colocarem em ação, não haverá compreensão. Pelo fato de vocês não colocarem isso em ação, vocês o transferem para o mundo intuitivo e, portanto, dizem que foi sugerido que estou falando do plano superior, e que vocês devem alcançar esses planos para que possam tentar compreender o que tudo isso significa. Em outras palavras, embora vocês entendam razoavelmente bem o que estou tentando dizer, é difícil colocá-lo em ação. Portanto, vocês dizem: “Vamos transferir essa questão para um plano superior e, a partir daí, poderemos discutir”. Não é assim? Se vocês disserem: “Não compreendo o que você está dizendo”, então há possibilidade de uma discussão mais aprofundada. Então, tentarei explicar de maneira diferente, de modo que possamos discutir, examinar, considerar o assunto juntos. Mas começarem com a suposição de que vocês precisam ir ao plano superior para me compreender, então certamente há algo radicalmente errado nessa atitude. O que é o plano superior, além de algo que idealizamos? Por que irmos tão longe? Mas, meu ponto é que estamos começando com algo misterioso, distante e, a partir disso, tentamos descobrir o óbvio, as realidades. Vocês não veem? Por esse motivo, envolvemo-nos em grandes erros, atitudes hipócritas, falsidade. Considerando que, se começarmos com coisas que conhecemos, o que é muito simples de descobrir se aplicarmos nosso pensamento, então podemos ir realmente longe, podemos avançar infinitamente. Mas é absurdo partirmos do misterioso e depois tentarmos relegar a vida a esse mistério, que pode ser romantismo, falso, imaginativo. Uma atitude assim, da mente que diz: “Para compreendê-lo, devemos ouvi-lo com nossa intuição”, pode ser equivocada, e é por isso que eu disse que suas intuições podem ser totalmente falsas. Como vocês conseguirão ouvir com algo que pode ser falso, que pode ser o resultado de suas esperanças, predileções, anseios, sonhos? Por que não ouvir com seus ouvidos, com sua razão? A partir daí, a partir do momento em que vocês conhecem a limitação da razão, então vocês podem prosseguir – isto é, para subirem bastante, vocês precisam começar de baixo. Mas vocês já chegaram lá em cima e não têm mais para onde ir. Este é o problema com todos vocês. Vocês chegaram às alturas de maneira intelectual; e naturalmente, seu íntimo tornou-se vazio, arrogante. Mas se vocês começarem com o que está perto, então saberão como subir, como se mover infinitamente.
Sabem, tudo isso são meios e formas de verdadeira exploração. Esta é a prática dos sacerdotes – complicar as coisas, quando elas são infinitamente simples. Não me estenderei mais sobre essa questão, que já expliquei diversas vezes. Mas, tornar tudo complicado, cobri-lo com todo tipo de tradição e preconceito, sem reconhecer o preconceito, é onde reside a monstruosidade.
Pergunta: Se uma pessoa considera a Sociedade Teosófica um canal que lhe permite expressar-se e ser útil, por que deveria abandoná-la?
Krishnamurti: Antes de tudo, vamos descobrir se isso ocorre de fato. Não explique porque ela deve ou não sair; vamos entrar no assunto.
O que você quer dizer com isto: “Um canal através do qual ela pode se expressar.”? Vocês não se expressam através dos negócios, através do casamento? Vocês não se expressam quando estão trabalhando todos os dias para seu sustento, quando estão criando os filhos? Uma vez que, aparentemente, vocês não se expressam nessas situações, vocês desejam uma organização na qual possam se expressar. Não é? Por favor, espero não estar atribuindo algum significado sutil a tudo isso. Assim, vocês dizem: “Como não estou me expressando nas ações rotineiras, na vida cotidiana, porque nisso é impossível me expressar, então recorrerei à Sociedade para minha autoexpressão”. É ou não é isso? Quero dizer, até onde entendo o problema.
De que maneira vocês se expressam? Atualmente, do jeito que as coisas estão, só o fazem às custas dos outros. Quando vocês falam sobre autoexpressão, essa atividade deve acontecer às custas dos outros. Por favor, existe a verdadeira autoexpressão, sobre a qual trataremos agora; mas sua ideia de autoexpressão indica que vocês têm algo para dar e, portanto, a Sociedade precisa ser criada para que sirva como um instrumento. Em primeiro lugar, vocês têm algo para dar? Um pintor, um músico, um engenheiro ou qualquer outro indivíduo, se ele for realmente criativo, não fala sobre autoexpressão; ele está se expressando o tempo todo; ele se encontra nesse estado, seja no mundo exterior, em casa ou em uma sociedade. Esse indivíduo não quer uma sociedade particular para poder usá-la para sua autoexpressão. Portanto, quando vocês se referem à autoexpressão, vocês não estão dizendo que se valem da Sociedade como um meio de proporcionar um benefício ao mundo, na forma de um determinado conhecimento ou de qualquer outra coisa que vocês possuem. Se vocês têm algo para doar, então vocês doam. Vocês não tomam consciência disso. Uma flor não tem consciência de sua beleza; sua perfeição está sempre presente.
“Esteja a serviço do mundo.” Vocês estão realmente a serviço do mundo? Por favor, eu gostaria que vocês realmente pensassem, de forma honesta, franca. Então, se vocês realmente pensarem honestamente, francamente, vocês estarão verdadeiramente a serviço do mundo – não dessa maneira extraordinária. Vamos descobrir se estamos a serviço do mundo. Do que o mundo precisa no momento – ou em qualquer momento? Pessoas que têm a capacidade para ser seres humanos completos; isto é, pessoas que não estão limitadas por seus círculos estreitos de pensamentos, preconceitos e emocionalismo autoconsciente. Certamente, se vocês realmente querem ajudar o mundo, vocês não podem pertencer a nenhuma seita ou sociedade em particular, assim como também não podem pertencer a nenhuma religião. Se vocês dizem que todas as religiões são uma, então por que termos qualquer religião? Religiões e nacionalidades realmente aprisionam as pessoas, as impedem. Isso é demonstrado em todo o mundo, ao longo da história. E agora o mundo tem cada vez mais seitas, cada vez mais pessoas, juntamente com seus mestres especiais, limitadas pelos muros das crenças; e ainda assim vocês falam sobre fraternidade! Como pode haver verdadeira fraternidade quando esse instinto possessivo é tão profundo? E esse instinto possessivo necessariamente leva a guerras, porque ele é baseado no nacionalismo, no patriotismo. Certamente, suas falas sobre fraternidade mostram que vocês não são realmente fraternos. Um homem realmente fraterno, afetuoso, não fala sobre fraternidade; vocês não falam sobre fraternidade para sua irmã ou esposa, existe um afeto natural. E como pode haver fraternidade, união real da humanidade, quando há exploração? Então, para realmente ajudar o mundo – da maneira que vocês colocam – se vocês realmente ajudarem o mundo a se libertar de todos as suas obrigações, de seus interesses, de seus círculos, então verão que vocês nunca falarão sobre ajudar o mundo; então vocês não se colocarão em um pedestal para ajudar alguém mais abaixo, à distância.
Pergunta: Você aprova a nossa invocação, para auxílio, dos anjos do reino angélico, tal como o Anjo Rafael em casos de doença ou o Anjo Do Fogo na cerimônia de cremação? Serão eles apenas apoios e muletas? (Risos)
Krishnamurti: Por favor, alguns de vocês riem disso, mas têm seus próprios preconceitos, superstições. Talvez vocês não tenham essa superstição “angélica”, mas têm algumas outras.
Agora, não vamos olhar para essa questão do ponto de vista de invocar auxílio. Em primeiro lugar, se vocês se encontram em um estado normal, então há um milagre normal acontecendo no mundo; mas nos encontramos em um estado tão anormal que queremos que ações anormais ocorram. Já respondi essa pergunta várias vezes. Tudo bem. Antes de tudo, suponhamos que vocês estejam sofrendo e sejam curados, pode ser por um médico, pode ser por um anjo; se vocês não conhecem a causa do sofrimento, vocês ficarão doentes de novo. Pessoalmente, já tive algumas experiências curando pessoas, mas quero fazer algo mais na vida, que é realmente curar a mente e o coração; isto é, permitir que vocês descubram por si mesmos a causa do sofrimento. E eu lhes asseguro, nenhuma invocação de anjos, nenhum tratamento com médicos, jamais conseguirá lhes revelar a causa do sofrimento. Vocês poderão curar os sintomas no momento, mas se vocês não descobrirem por si mesmos qual é a causa do sofrimento – ninguém poderá descobrir por vocês – vocês ficarão doentes novamente. Descobrindo a causa, vocês se tornarão sadios.
Pergunta: Você simpatiza com aqueles que admiram sua beleza, mas ignoram sua sabedoria?
Krishnamurti: É o mesmo problema da outra pergunta. Vamos ouvi-lo intuitivamente e ignorar suas palavras. Só que isso é colocado de forma diferente. Sabem, a sabedoria não pode ser comprada. Vocês não podem obtê-la de livros. Vocês não podem adquiri-la ouvindo. Vocês poderão me ouvir por centenas de anos, mas não se tornarão sábios. O que traz sabedoria é a ação. Ação é sabedoria; elas não podem ser separadas. E porque separamos a ação de nosso pensamento, de nossas emoções, de nossa capacidade intelectual de raciocínio, somos arrastados por coisas superficiais e, portanto, somos explorados.
Pergunta: Você considera que a Sociedade Teosófica terminou seu trabalho no mundo e deveria se retirar da arena pública?
Krishnamurti: O que vocês acham, vocês que são os membros dela? Vocês não estão muito mais aptos a responder? Senhores, posso colocar de outra maneira? Por que vocês pertencem a qualquer organização? Por que vocês são cristãos, teosofistas, cientistas cristãos e Deus sabe o quê? Por que vocês se separam e se isolam? Vocês dizem: “Porque esta forma particular de crença, esta forma particular de expressão, de ideias, nos atrai. Portanto, nos associaremos a esta linha de pensamento”. Ou vocês se associam porque esperam obter algo em troca: felicidade, sabedoria, posição, prestígio. Assim, em vez de me perguntarem se a Sociedade deve se retirar do cenário público, perguntem a si mesmos o porquê de pertencerem a ela. Por que vocês pertencem a alguma coisa? Existe esta ideia terrível de querer ser exclusivo – o Clube Ocidental, a Liga de Golfe do Oriente e todo o resto. Hotéis exclusivos – vocês sabem. Então, da mesma forma, afirmamos possuir algo especial, como fazem os hindus, como fazem os católicos romanos. Cada pessoa no mundo fala que possui algo especial, então elas se excluem e se tornam as donas dessa coisa especial, criando assim mais divisões, mais conflitos, mais sofrimento. Além disso, quem sou eu para dizer se a Sociedade deve ou não se retirar? Eu me pergunto quantos de vocês realmente perguntaram o porquê de pertencerem a ela? Se vocês são realmente um corpo social, não uma organização religiosa, não uma organização ética, então há alguma expectativa para isso no mundo. Se vocês são realmente um conjunto de pessoas que estão descobrindo – não que consideram já ter descoberto – estão disseminando informações, não concedem distinções espirituais, tem uma plataforma realmente aberta, não apenas para mim ou para alguém especial, entre vocês não há líderes nem seguidores, então há alguma expectativa. Mas receio que vocês sejam seguidores e, portanto, todos tenham líderes. E uma sociedade assim, seja esta ou outra, é inútil. Vocês são meramente seguidores ou meramente líderes. Na verdadeira espiritualidade, não há distinção entre instrutor e discípulo, entre o homem que tem conhecimento e o homem que não tem. São vocês que estão criando essas diferenças, porque é isto que vocês estão buscando – distinguir-se continuamente. É impossível para vocês todos terem posição, é por isso que vocês querem ser alguém nesta sociedade, em outra sociedade ou no céu. Se vocês realmente pensassem sobre essas coisas e fossem honestos, vocês poderiam ser uma associação extraordinariamente útil para o mundo. Vocês não veem? Então vocês poderiam realmente trabalhar movidos pelo mérito intrínseco das ideias – não por alguma fantasia e emocionalismo de seus líderes. Então, vocês examinariam cada ideia, descobririam seu verdadeiro significado e a colocariam em prática. E sua motivação para trabalhar não seria condicionada pelo recebimento de honrarias, por estímulos. Essa forma de proceder gera estreiteza, fanatismo, a mais divisões e crueldades e, por fim, ao completo caos de pensamento.
Pergunta: O que você pensa sobre os primeiros ensinamentos da Teosofia, tais como os de Blavasky? Você considera que nós decaímos ou avançamos?
Krishnamurti: Receio não saber, porque não sei quais são os ensinamentos da Madame Blavatsky. Por que eu deveria saber? Por que vocês devem conhecer os ensinamentos de outra pessoa? Sabem, há apenas uma verdade e, portanto, há apenas um caminho, que não se encontra longe da verdade; há apenas um método para realizar a verdade, porque os meios não são distintos do fim.
Agora, vocês que estudaram os ensinamentos da Madame Blavatsky e a mais recente Teosofia, ou o que quer que seja, por que vocês querem ser estudantes de livros em vez de estudantes da vida? Por que vocês estabelecem líderes e perguntam quais são os melhores ensinamentos? Vocês não veem isso? Por favor, não estou sendo ríspido ou qualquer coisa desse tipo. Vocês não percebem? Vocês são cristãos; descubram o que é verdadeiro e falso no cristianismo – e então, vocês encontrarão a verdade. Descubram o que é verdadeiro e falso em seu meio, com todas as opressões e crueldades envolvidas, e então vocês descobrirão a verdade. Por que vocês querem filosofias? Porque sua vida é uma coisa feia; e vocês esperam fugir dela por meio da filosofia. A sua vida é tão vazia, monótona, estúpida, corrompida, e vocês querem algo que traga romantismo ao seu mundo, que traga alguma esperança, que desperte algum sentimento esquecido. Considerando que, se vocês realmente abordassem o mundo como ele é e o enfrentassem, vocês encontrariam algo muito maior, infinitamente maior do que qualquer filosofia, do que qualquer livro do mundo, maior do que qualquer ensinamento ou professor.
Nós realmente perdemos todo o senso de compaixão, compaixão pelo oprimido e pelo opressor. Vocês apenas se compadecem quando são vocês mesmos os oprimidos. Assim, gradualmente perdemos todos os nossos sentimentos, toda a nossa sensibilidade, todas as nossas percepções mais delicadas, até que nos tornamos absolutamente superficiais; e para preencher essa superficialidade, para enriquecer nosso íntimo, estudamos livros. Eu leio todo tipo de livro, exceto sobre filosofias, felizmente. Sabem, eu experimento um certo sentimento de tristeza – digo isso em termos suaves – quando vocês declaram: “Sou um estudante de filosofia”, ou algo desse tipo. Vocês nunca são estudantes das ações cotidianas, nunca realmente compreendendo as coisas como elas são. Eu lhes asseguro que, para serem felizes, para compreenderem, para descobrirem aquela coisa eterna, vocês devem viver verdadeiramente; então vocês encontrarão algo que nenhuma palavra, nenhuma imagem, nenhuma filosofia, nenhum professor pode lhes dar.
Pergunta: Os ensinamentos da Teosofia relativos à evolução auxiliam de algum modo no crescimento da alma?
Krishnamurti: O que vocês entendem por evolução, senhores? Até onde consigo entender, significa avançar a partir de um estado não essencial para um estado essencial. É isso? Crescendo da ignorância para a sabedoria. Não é assim? Ninguém balança a cabeça. Tudo bem. O que vocês entendem por evolução? Adquirir cada vez mais experiência, cada vez mais sabedoria, cada vez mais conhecimento, cada vez mais e mais e mais; infinitamente mais e mais. Isto é, vocês avançam do não essencial para o essencial; e esse essencial torna-se o não essencial quando vocês o alcançam. Não é assim?
Vocês estão cansados? É muito tarde? Por favor, vocês têm que pensar comigo. Esta é minha segunda palestra do dia; mas se vocês não pensarem comigo, esta discussão se tornará difícil para mim. Eu precisarei empurrar uma parede.
Vocês consideram algo essencial hoje, o perseguem e o alcançam; e amanhã essa realização se torna não essencial, e então vocês dizem: “Já aprendi isso”. Aquilo que vocês consideraram essencial tornou-se não essencial, então vocês seguem e seguem e seguem, chamando esse processo de crescimento, de evolução. Isto é, adquirir cada vez mais, discernir cada vez mais entre o essencial e o não essencial. E, no entanto, não existem tais coisas como o essencial e o não essencial. Existem? Porque aquilo que vocês pensam ser o essencial hoje se torna o não essencial amanhã, porque vocês querem outra coisa.
Deixem-me colocar isso de maneira diferente. Vocês veem algum objeto prazeroso, desejam tê-lo e o obtêm. Então, satisfeitos, vocês se movem para outra coisa; pode ser alguma ânsia emocional, algum desejo, e vocês o realizam. Vocês desejam possuir uma ideia, perseguem-na e a conquistam. E por fim, vocês almejam alcançar Deus, a verdade, felicidade; e o homem que deseja felicidade, Deus, a verdade, vocês consideram espiritualizado, enquanto o homem que deseja um chapéu, uma gravata ou algo desse tipo, vocês chamam de materialista, mundano. O chapéu não é essencial, enquanto Deus ou a verdade é essencial. Assim, o que vocês fizeram? Vocês meramente modificaram o objeto de seus desejos. Vocês dizem: “Bem, já tenho chapéus suficientes, carros, casas, então quero outra coisa”, e partem em busca dessa outra coisa e a conseguem e, quando estão cansados dela, querem algo mais; Gradualmente, vocês procedem desse modo até que no final desejam algo que chamam de Deus, e então pensam que alcançaram o máximo. Tudo o que vocês fizeram foi brincar com seus desejos; e esse processo de escolha contínua, vocês chamam de evolução. É assim ou não?
Comentário da audiência: Em determinado momento, um indivíduo está satisfeito com uma coisa e outro indivíduo com outra.
Krishnamurti: Mas certamente, o desejo é uma coisa só. O desejo é uma coisa só, seja o desejo de um chapéu ou de Deus. O desejo está por trás disso tudo; pressionando-nos até que tenhamos percorrido o inteiro rol de nossos desejos. Considerando que, se realmente compreendermos o significado de cada objeto que o desejo incide, o que não é nem essencial nem não essencial, então compreenderíamos o que cada objeto é de fato; e assim, a evolução adquire um sentido diferente – não esse significado de conquista perpétua, ter sucesso, se tornar.
Pergunta: Conseguiremos deter o desejo?
Krishnamurti: Certamente não. Se vocês pararem de desejar, então – adeus! É a morte. Como vocês podem parar o desejo? Ele não é uma coisa que vocês ligam e desligam. Por que vocês querem parar o desejo? Porque ele lhes causa dor. Se ele lhes dá prazer, vocês continuam, não vêm me perguntar; mas quando ele lhes causa dor, vocês dizem: “É melhor pará-lo”. Por que vocês têm dor? Porque não há compreensão. Se vocês compreendem uma coisa, então não há dor.
Pergunta: Você pode explicar melhor este ponto: “A dor termina quando você a compreende.”?
Krishnamurti: Vocês não podem entender isso por si sós? Talvez eu volte nisso mais adiante. Deixem-me colocar toda essa questão de forma diferente. Estamos acostumados com a ideia de matar o desejo, disciplinar o desejo, controlá-lo, subjugá-lo. Para mim, essa maneira de pensar é doentia, não é natural. Vocês desejam um chapéu, um casaco ou algo assim – não sei o quê – e vocês multiplicam os desejos quando aquilo que estão perseguindo não lhes dá mais satisfação. Não é assim? Vocês o perseguem, mas depois mudam para outro objeto. Agora, por que seu desejo persegue uma coisa após a outra? Porque vocês não compreendem o próprio objeto que o desejo está perseguindo; vocês não veem todo o significado do desejo por um objeto. Vocês estão mais preocupados com o ganho e com a perda do que com o significado dessa busca. Estou esclarecendo? Por favor, é preciso pensar nisso.
Pergunta: Você ainda sustenta o que você escreveu em Aos pés do mestre?
Krishnamurti: Tudo bem, senhores. O que essa pergunta implica? Quais são as implicações dessa pergunta? Se eu ainda acredito nos Mestres? Não é isso? E, naturalmente, se eu acredito neles, ainda devo acreditar nos ensinamentos e assim por diante. Vamos descobrir. Vamos examinar isso de forma muito aberta, não como se eu estivesse atacando seus Mestres e vocês tivessem que protegê-los.
Agora, por que vocês querem um Mestre? Vocês dizem que precisamos dele para nos guiar – a mesma coisa que os espiritualistas dizem, a mesma coisa que os católicos romanos dizem, a mesma coisa que todo mundo diz. Isso se aplica a todo mundo, não apenas a vocês. Guiá-los para onde? Obviamente, essa é a próxima pergunta, não é? Vocês dizem: “Devo ter um guia que me conduza à felicidade, à verdade, à liberdade, ao nirvana, ao céu” – vocês devem ter alguém que os faça alcançar tudo isso. Por favor, não sou um advogado esperto tentando intimidar vocês; estou tentando ajudá-los a descobrir por si mesmos. Não estou tentando convertê-los em nada. Agora, se vocês estão interessados na descoberta da verdade, então os guias não são importantes, não é? Mas não faz diferença – vocês recorrerão a qualquer um. Como vocês sabem que um guia vai ajudá-los a chegar à verdade? Talvez o homem que varre a rua possa ajudá-los – sua irmã, seu vizinho, seu irmão, qualquer pessoa. Então, por que vocês dedicam atenção especial aos seus guias? Oh, não balancem suas cabeças. Sei o que se passa. Todos vocês dizem: “Oh, sim, tem razão, é isso mesmo”, mas ainda assim, vocês continuam desejando ser discípulos, obter distinções, passar por iniciações. Portanto, o que importa para vocês não é a verdade, mas quem irá liderá-los. Não é assim? Não? Então, por favor, digam-me como é.
Intervenção: Você afirmou em Aos pés do mestre que devemos ser desprovidos de desejos e agora você afirma que devemos…
Krishnamurti: Espere um minuto, senhor. Sim, isso é uma contradição. Espero que haja muitas contradições. Lá está uma senhora que diz: “Não”. Ela balançou a cabeça. Eu gostaria de entender o porquê.
Intervenção: Esqueci qual era exatamente a sua questão em relação ao Mestre. Sinto que essa não é a maneira que olho para um Mestre. Sinto que, da mesma forma como busco sua ajuda para compreender e descobrir, o Mestre também nos ajudará a entender e descobrir.
Krishnamurti: Ou seja, para a maioria de vocês o Mestre é o guia. Vocês não podem negar isso, podem? Vocês não podem dizer: “Não, não nos importa quem nos guiará”.
Intervenção: Não penso que o importante seja o guia, um guia especial.
Krishnamurti: Vocês não têm guias especiais?
Intervenção: É por isso que viemos ouvi-lo.
Krishnamurti: Por favor, tentem descobrir o que estou falando. Não digam: “Não queremos Mestres, guias”, e tudo isso. Vamos descobrir. Então, não digam: “Isso não se aplica a mim”. Se vocês realmente pensarem sobre o que estou falando, isso se aplicará a vocês, porque estamos todos no mesmo círculo.
Assim, como falei nesta manhã, se vocês quiserem realizar a verdade, se vocês perguntarem sobre isso a um guia, então vocês devem saber e ele deve saber, ambos devem saber o que é a verdade. Mas se vocês sabem o que é a verdade, se vocês têm uma mínima compreensão sobre ela, então vocês não precisarão perguntar a ninguém. Então, vocês não estarão preocupados se são discípulos, um iniciado com honras especiais e todo o resto. Vocês querem a verdade, não distinções. O que vocês têm a dizer sobre isso?
Intervenção: Eu diria que, no caso de muitos de nós, o que existe não é o desejo de distinção, mas o desejo de compreensão.
Krishnamurti: Vocês não estão tentando proteger. Eu não estou tentando derrubar. Por favor, vamos discutir juntos com essa atitude. Como vocês podem compreender quando são discípulos, pessoas diferenciadas, entidades distintas com mais privilégios especiais do que os outros?
Intervenção: Não sinto que eu tenha nenhum privilégio especial, mas apenas aquilo que faço. Não sinto que alguém me conceda privilégios.
Krishnamurti: Peço desculpas, não estou explicando completamente. Tudo bem. O que significa ser o discípulo de alguém, além de um modo de se diferenciar, de se engrandecer? Vocês dirão: “Não. Isso me ajudará a chegar à verdade. Este passo é necessário em direção à verdade”. Não é assim? Então, tal passo é meramente a ampliação da autoconsciência. Para compreender, deve haver cada vez menos, e não cada vez mais, consciência do “eu”. Certo? Para compreender qualquer coisa, não deve haver preconceito; não deve haver nenhuma noção de “meu caminho” e “seu caminho”, “meu” isto e “seu” aquilo. Qualquer coisa que acentue a ideia de posse é um obstáculo. Não é?
Intervenção: Somos ensinados que existem Mestres.
Krishnamurti: Bem, não posso entrar nisso. Se vocês disserem: “Eles são a autoridade, foi o que nos disseram”, então não há mais nada a ser dito; mas isso satisfaz a todos vocês?
Intervenção: Não.
Krishnamurti: Por enquanto, esqueçam tudo o que vocês aprenderam aqui sobre os Mestres, discípulos, iniciações. Se vocês fossem realmente francos, vocês veriam isso. A questão é que todos vocês querem ser alguém, e esse desejo de querer ser algo é usado e explorado.
O que é essa consciência que chamamos de “eu”? Quando vocês ficam conscientes dela? Por favor, preciso ser breve, porque é hora de terminar. O que é esta consciência? Quando vocês ficam conscientes de si mesmos? Quando há um conflito, quando há um obstáculo, uma frustração. Se vocês removerem todas as frustrações, todos os obstáculos, então vocês não vão dizer “eu”. Então vocês estarão vivendo. É apenas quando vocês estão conscientes da dor que vocês se tornam conscientes do corpo. Assim, quando há dor, emocional ou intelectual, vocês se tornam conscientes dela como algo separado. Agora, nós acentuamos isso, criamos um estado na mente ao qual chamamos de “eu”, e consideramos isso como um fato, desejamos que essa consciência se expanda para alcançar a verdade – desejamos ampliar essa consciência cada vez mais, por meio de provações, iniciações e todo o resto, o que indica que somos movidos por ilusões. Ou seja, o “eu” não é real. Vocês partem de uma ilusão e, portanto, vocês obtêm respostas falsas, como iniciações, como a expansão da consciência do “eu”. E consequentemente, vocês dizem que é necessário alguém para ajudá-los a alcançar a verdade, para expandirem sua consciência; ou vocês dizem: “O mundo precisa de um plano e existem pessoas mais sábias do que eu; portanto, devo me tornar instrumento delas para ajudar o mundo”. Assim, vocês estabelecem um mediador entre vocês e a verdade – definem quem tem conhecimento e quem não tem. Dessa maneira, vocês meramente se tornam um instrumento de exploração. Sei que todos vocês sorriem e discordam de mim; mas por favor, isso não importa. Não estou aqui para convencê-los, nem vocês para me convencer. Se vocês examinarem esse problema com sua razão, vocês verão.
Assim, vocês estabelecem um plano, que é conhecido por poucos indivíduos e se tornam meramente instrumentos para a realização de ações, para o cumprimento de ordens. Suponham, por exemplo, que o Mestre diga: “A guerra é justa”. Não estou afirmando que algum Mestre disse tal coisa. Sabem, na ocasião da última guerra, vocês diziam: “Deus está do nosso lado”, e vocês entraram nisso. Mas se vocês, como indivíduos, começarem a pensar verdadeiramente, verão que a guerra é uma coisa perniciosa. E se vocês realmente pensassem nisso, não entrariam em guerras. Mas vocês dizem: “Eu não sei. O plano diz que deve haver guerra e que o mal acabará dando origem ao bem, portanto devo participar”. Em outras palavras, vocês realmente deixam de pensar. Vocês se tornam meros instrumentos a serem guiados, se tornam máquinas. Com certeza, isso não é algo espiritual, nada disso é. Então, por favor, com relação à se eu acredito ou não nos Mestres, para mim isso tem pouca importância. Se vocês acreditam em um Mestre ou não, não tem nada a ver com espiritualidade. Qual é a diferença entre um médium que recebe mensagens e vocês que recebem mensagens dos Mestres?
Pergunta: Devemos acreditar em nada?
Krishnamurti: Por favor, apenas um instante. Vocês veem, eu estive falando sobre isso. Por que vocês querem crenças? (Risos) Por favor, não riam, porque todos estão nessa situação. Todos nós queremos crenças como algo para nos amparar, como algo para nos sustentar. Com certeza, quanto mais vocês têm crenças, menos vocês têm força, riqueza interior. Lamento não poder aprofundar tudo isso. São oito e meia, mas eu gostaria de dizer o seguinte. A sabedoria, ou compreensão, não pode ser obtida se apegando às coisas, se agarrando às crenças ou ideias. A sabedoria nasce quando vocês se encontram realmente em movimento, sem estarem ancorados em nenhuma forma particular de crença; desta maneira, vocês descobrirão que não importa se os Mestres existem ou não, se sua Sociedade é essencial para o mundo ou não. Essas coisas têm muito pouca importância. A partir disso, vocês estarão criando uma nova civilização, uma nova cultura no mundo.
Sabem, trata-se da coisa mais extraordinária! A Dra. Besant dizia a todos os membros e eu costumava ouvir isto com muita frequência: “Estamos nos preparando para a vinda do Instrutor do Mundo. Mantenham a mente aberta. Ele poderá contradizer tudo o que você pensa e dizer tudo de forma diferente”. E vocês estiveram se preparando, ao menos alguns de vocês, por vinte anos ou mais; e não importa se eu sou o Instrutor ou não. Ninguém pode lhes esclarecer isso, naturalmente, porque ninguém pode saber, exceto eu – e eu afirmo que isso não importa. Eu nunca neguei isso. Eu digo: “Deixe isso. Esse não é o ponto”. Vocês se prepararam por vinte anos ou mais, e pouquíssimos de vocês têm de fato uma mente aberta. Pouquíssimos disseram: “Vamos descobrir o que você está dizendo. Vamos examinar. Vamos investigar se o que você diz é verdadeiro ou falso, independentemente de suas credenciais”. E depois de vinte anos, vocês estão exatamente na mesma posição de antes. Vocês têm inúmeras crenças, vocês têm as suas certezas e seu conhecimento, e não estão realmente dispostos a examinar o que estou dizendo. E parece uma grande perda de tempo, algo muito lamentável, que esses vinte anos ou mais tenham sido desperdiçados, e vocês ainda estejam no mesmo lugar, apenas com novos tipos de crenças, novos tipos de dogmas, novos tipos de condições. Eu lhes asseguro, vocês não podem encontrar a verdade, a liberdade, o nirvana, o céu ou como quiserem chamá-lo, por meio desse processo de apego. Isso não significa que todos vocês devam se desapegar, já que tal coisa significaria apenas que vocês ficarão murchos. Mas tentem descobrir de maneira franca, honesta, simples, se o que vocês estão se agarrando de forma tão rigidamente possessiva tem algum significado, algum valor. E para descobrirem se tem algum valor, não pode haver o desejo de se apegar. Então, quando vocês realmente observarem dessa maneira, vocês encontrarão algo indescritível. Vocês descobrirão algo que é real, duradouro, eterno. Assim, não haverá nenhuma necessidade de um instrutor e um discípulo. Este será um mundo feliz quando não houver discípulos nem instrutores.
31/03/1934.