Palestra na Escola Vasanta Gardens
Auckland, Nova Zelândia
Amigos, a maioria das pessoas, que são ao menos pensativas, deseja descobrir se existe algo que seja mais duradouro, que deixe a vida plena, completa, e elas descrevem essa realidade como Deus, a verdade ou a própria vida. Agora, para mim, existe tal coisa como a realidade; algo que é duradouro, completo, eterno, mas como eu tenho dito em minhas duas últimas palestras, a própria busca por ela a nega, porque essa realidade é para ser descoberta, não para ser buscada. Espero que vocês vejam a diferença. Se vocês buscarem a verdade, essa realidade, vocês devem saber o que ela é, vocês devem ter uma ideia preconcebida, mas se vocês começarem a descobri-la, então essa descoberta é real e não uma busca, então eu quero, na minha breve palestra desta manhã, ajudá-los a descobri-la, não a buscá-la.
Antes de tudo, a verdade, ou essa realidade, não se encontra correndo atrás dela, porque quando a buscamos, isso indica que nossa mente, todo o nosso ser, está tentando escapar desse conflito em que nossas mentes e corações estão presos. Considerando que, se pudermos nos tornar conscientes, cientes dos muitos obstáculos que criamos através do medo, e então libertarmos a mente desse medo, desses obstáculos, descobriremos o que é essa vida eterna. Ou seja, em vez de tentarmos descobrir o que é a verdade, vamos descobrir quais são os obstáculos que criamos através do medo e, ao compreendermos a causa do medo e seus muitos obstáculos, descobriremos o que é essa coisa indescritível.
Não adianta falar sobre liberdade com um preso, com um homem que está na prisão; ele saberá o que é a liberdade no momento em que sair da prisão. Mas a maioria de nós deseja descobrir o que é a liberdade antes de ter consciência do que são as prisões; e enquanto estivermos meramente buscando a liberdade, a realidade, a riqueza de vida, não podemos compreender, isso será imaginário, irreal, moldado por uma mente limitada, consciente. Considerando que, se pudermos descobrir quais são as paredes da prisão que cercam a mente e o coração, e assim libertarmos a mente de seus obstáculos, então certamente seremos capazes de descobrir aquilo que é.
Então, quais são os obstáculos que criamos? Não é, primeiramente, a autoridade nascida do medo? A mente é capturada por alguma autoridade; dirigida, formatada, moldada por alguma autoridade externa, seja autoridade religiosa ou social, ou desenvolvemos uma autoridade interna. Sabem, antes de tudo, aceitamos a autoridade externa, porque somos incapazes de agir, pensar e sentir por nós mesmos, então estabelecemos uma autoridade externa, seja a da religião, de um professor, de um sistema social. Depois rejeitamos essa autoridade externa e desenvolvemos uma autoridade interna, uma lei interna, que é apenas uma reação da autoridade externa. Ou seja, em vez de descobrirmos o que é essa autoridade externa que estabelecemos para ser o nosso guia, nós a rejeitamos e pensamos que temos que descobrir uma lei para nós mesmos, individualmente, e assim vivermos de acordo com essa lei. Isso é o que a maioria das pessoas faz. Existe uma autoridade externa e objetiva que elas rejeitam ou compreendem, e desenvolvem uma autoridade interna, uma autoridade subjetiva.
Agora, para mim, a autoridade, seja ela objetiva ou subjetiva, é a mesma, porque autoridade implica moldar, uma imitação, um controle, um condicionamento, seja ela imposta externamente ou estabelecida pelo esforço e empenho internos. Então, para mim, esse é o primeiro obstáculo. Um homem que compreende não precisa de autoridade. Existe apenas percepção; e essa percepção não exige a imitação de uma autoridade. Espero que vocês vejam tudo isso. Em primeiro lugar, nós somos escravos da autoridade social, da autoridade religiosa, e desenvolvemos gradualmente por conflitos, por problemas, o que nós chamamos de autoridade subjetiva. Então nós dizemos: “É o meu entendimento. Devo obedecer a essa lei que eu tenho, que eu descobri por mim mesmo.” Enquanto a mente for apenas um instrumento de obediência, certamente tal mente não pode compreender. Compreensão é percepção, não uma imposição, seja ela externa ou interna.
Novamente, repetindo a mesma coisa de maneira diferente, temos ideais externos que nos foram impostos através da educação, através da política, através da influência social, do ambiente. Então sentimos que eles estão confinando, limitando, controlando, dominando, usurpando nosso pensamento individual; então desenvolvemos nossos próprios ideais – achamos que desenvolvemos nossos próprios ideais, crenças, aos quais tentamos nos conformar. Isso é o que temos feito; rejeitamos o externo e obedecemos aos ideais internos que estabelecemos para nós mesmos, e achamos que fizemos um tremendo progresso. O que fazemos é meramente rejeitar o externo e estabelecer nossas próprias crenças, e estamos tentando imitar, seguir essas crenças.
Agora, esta ideia de seguir, imitar, de ser guiado, controlado, dominado, é, para mim, o primeiro obstáculo que impede a percepção clara de qualquer experiência, ou aquela realização da perfeita compreensão; porque toda a mente quando está obedecendo, quando está sendo controlada, é dominada por esta ideia de ganho. Pensamos sobre sabedoria, compreensão, completude, em termos de acumulação, não como flexibilidade infinita, portanto, eterna. Aquilo que é flexível é duradouro, mas aquilo que está sobrecarregado, que é o resultado de muitos, muitos acúmulos, portanto capaz de resistência, é transitório e não pode compreender.
Receio ver pelos rostos que há muito pouca compreensão do que estou dizendo. Esperem um minuto, senhores; receio que, ao ouvirem uma ou duas palestras, vocês não vão compreender o que estou dizendo. O que traz compreensão não é ouvir, meramente escutar, mas tentar realizar na ação.
Em outras palavras, sua mente e seu coração são o resultado do ambiente; e o ambiente controla a maneira como vocês pensam e sentem. Não digam: ”Isso é tudo? Deve haver algo mais, algo que seja mais duradouro.” Eu disse para descobrirmos isso, vamos começar com coisas que conhecemos – não começarmos com uma coisa misteriosa que não conhecemos, sobre a qual podemos apenas romancear. Portanto, mente e coração, pensamento e sentimento, são o resultado do ambiente; e enquanto vocês forem escravos desse ambiente, não pode haver compreensão; então vocês não podem dominar o ambiente, dominar o ambiente é compreendê-lo.
Ou seja, o ambiente é, afinal, o sistema social e esse sistema que chamamos de religião, composto por muitas doutrinas, crenças, dogmas, inúmeros preconceitos; e a mente é escrava desse meio. Tomemos, por exemplo, se vocês dependem da mente para seu sustento, como a maioria das pessoas dependem, como todos precisam, vocês são controlados em grande parte pelas crenças que vocês mantêm. Suponham que vocês sejam católicos romanos e queiram encontrar um emprego em um lugar protestante ou, se vocês forem protestantes, vocês desejam encontrar um emprego em um escritório ou instituição católica romana; se eles descobrirem suas crenças, pode não ser tão fácil encontrar um emprego, então vocês abandonam suas crenças ou aceitam o que o outro diz momentaneamente, porque vocês desejam ganhar dinheiro, porque vocês precisam de dinheiro. Através do ambiente externo, mentalmente, vocês estão sob controle, então suas crenças são meramente o resultado do ambiente, condicionadas pelo ambiente; e enquanto vocês não romperem com o falso ambiente da sociedade e da religião, suas crenças e ideais não têm valor, porque eles são apenas o resultado do ambiente, nasceram do medo.
Portanto, para compreender aquilo que é duradouro, eterno, deve haver conflito entre o indivíduo e o ambiente, e somente nesse conflito você pode atravessar as paredes da limitação. Nós aceitamos sem pensar, ou inconscientemente, as muitas condições impostas pela sociedade, pela religião, as aceitamos como sendo verdadeiras. Tradicionalmente, nossa mente é dirigida para um molde e, inconscientemente, aceitamos essas coisas e, portanto, somos escravos dessas coisas; e é apenas questionando continuamente, por meio de uma consciência constante, que podemos libertar a mente do ambiente e, portanto, compreendê-lo.
Pergunta: A virtude não parece ser um traço muito importante em seus ensinamentos. Por que é assim? A vida virtuosa tem um papel muito pequeno a desempenhar na compreensão da verdade?
Krishnamurti: O que vocês querem dizer com virtude? Vocês querem dizer com virtude, um oposto do vício? Ou seja, vocês chamam coragem, bravura, uma virtude em oposição ao medo? Em primeiro lugar, a pessoa tem medo, e ela pensa que deve desenvolver a ideia de coragem, então ela persegue a coragem; ou seja, ela está fugindo do medo, e, esse processo de fugir do medo, ela chama de bravura, coragem, que se torna virtude. Para mim, um homem que persegue uma virtude não é mais virtuoso; considerando que, se vocês começarem a descobrir o que causa medo, não encobri-lo com sua ideia de coragem, mas tentarem descobrir qual é a causa fundamental do medo, então, na descoberta da causa, vocês não são nem corajosos, nem medrosos, vocês estão livres dos opostos.
Afinal, a virtude é apenas o resultado de um ambiente falso, não é? Para resistir ao ambiente, vocês devem ter um grande caráter hoje em dia. Pelo menos é isso que se chama de caráter. Ou seja, a sociedade criou, ou melhor, ajudamos a criar uma sociedade na qual não ser possessivo é considerado uma grande virtude, não é? Estabelecemos uma sociedade onde a possessividade indica uma luta constante com o próximo, consciente ou inconscientemente, indica uma batalha constante, autoafirmação, afastamento contínuo dos outros. E um homem que não quer fazer isso, vocês chamam de homem virtuoso, homem nobre. Para mim, isso não tem nada a ver com nobreza ou virtude. Se o ambiente for alterado, se as condições sociais forem alteradas, então ser possessivo ou não-possessivo é a mesma coisa, assim vocês não chamarão a possessividade nem de virtude, nem de uma coisa má. Considerando que agora, como a sociedade é constituída, romper com esses falsos padrões é considerado ou uma virtude ou um pecado. Mas se começarmos a alterar o ambiente em que nossas mentes e corações são mantidos, toda essa ideia de virtude e pecado terá um significado completamente diferente; porque, para mim, a virtude não deve ser buscada, adquirida, possuída, ou o pecado ser abominado, fugirmos de tudo do que se entenda por pecado.
Então, para mim, viver naturalmente exige muita inteligência, não uma vida brutal, selvagem, irracional, primitiva – não quero dizer isso quando uso a palavra “naturalmente”. Para viverem uma vida natural, plena, espontânea, uma vida criativa e inteligente, isso só pode acontecer quando vocês compreenderem os falsos e verdadeiros padrões da sociedade; e romperem com eles porque vocês compreenderam seu significado. Portanto, vocês não estão mais presos a essa busca pelo oposto, que chamamos de virtude.
Para resumir, quando vocês estão com medo, vocês buscam coragem, e chamam essa coragem de virtude; mas o que vocês estão fazendo realmente? Vocês estão fugindo do medo. Vocês estão tentando encobrir o medo com uma ideia que vocês chamam de coragem. Então, momentaneamente, vocês poderão fazer isso, mas o medo continuará a existir e se mostrará em diferentes formas; considerando que, se vocês tentarem descobrir qual é a causa fundamental do medo, então a mente não ficará presa no conflito dos opostos.
Pergunta: Você acha que o método da psicanálise de trazer os motivos da mente inconsciente para o conhecimento da mente consciente, ajudará o indivíduo a libertar-se dos desejos e dos complexos primitivos e egoístas e, portanto, permitirá que seu pensamento o leve àquela felicidade da qual você fala?
Krishnamurti: Ou seja, a mente tem muitos complexos; e a questão é se vocês podem libertar a mente deles através do processo de autoanálise. Não é essa a questão? A mente e o coração têm muitos obstáculos, impedimentos, que chamamos de complexos – inconscientes, ocultos. Podemos libertá-los, podemos erradicá-los através dos processos de autoanálise e, portanto, libertarmos a mente da visão egoísta e limitada?
Receio que vocês terão que acompanhar isso com um pouco de cuidado, porque pode ser a primeira vez que vocês ouvem isso e podem achar que é um pouco complicado, mas não é. Para mim, a mente pode ficar livre desses impedimentos apenas em plena consciência, quando todo o seu ser está ativo, consciente. Agora, no processo de autoanálise, todo o seu ser não funciona, funciona apenas aquela parte de vocês que vocês chamam de mente, pensamento, intelecto. Com essa parte da mente vocês estão tentando descobrir os complexos ocultos. Eu afirmo que vocês só podem trazer todos esses obstáculos ocultos para a plena ação consciente quando estiverem completamente conscientes no presente.
Vou explicar de forma diferente. Suponham que vocês têm o complexo de esnobismo. A maioria das pessoas tem. Como vocês vão descobri-lo? Para descobri-lo, para mim, não é através desse processo de autoanálise; isto é, olharem intelectualmente para as ações que ocorreram e, portanto, descobrirem essa ideia de esnobismo. Em primeiro lugar, vocês querem descobrir se são esnobes ou não. Vocês não querem mudar isso, mas descobrir, não é? Esperem um minuto, por favor. Apenas acompanhem isso. Quando vocês descobrirem esse complexo, então vocês agirão de uma forma ou de outra. Em primeiro lugar, vocês têm que descobrir se são esnobes, então como vocês vão agir? Só vão descobrir quando vocês estiverem plenamente conscientes, totalmente cientes do que estão dizendo e sentindo no momento de dizer e sentir – não depois de ter dito e sentido. Não é assim? Ou seja, se vocês estiverem plenamente conscientes do que estão dizendo e do que estão pensando, então, nessa plena consciência, vocês descobrirão por si mesmos se são esnobes ou não; não sentando e analisando intelectualmente um evento. Eu sei que existem inúmeras perguntas decorrentes do que eu disse, mas não posso responder a todas. Mas se vocês pensarem sobre isso, verão que por estarem continuamente atentos, plenamente conscientes do que estão fazendo, vocês trarão o inconsciente, o oculto para a plena consciência e, assim, vocês criarão a perturbação necessária e, por meio dessa perturbação, vocês libertarão a mente desse complexo, desse obstáculo.
Pergunta: Você parece considerar a busca de ideais como uma fuga da vida. Não há nenhuma substância verdadeira nos ideais mais elevados?
Krishnamurti: Por que queremos ideais? Eu não digo que eles não sejam verdades, mas por que os queremos? Nós dizemos que precisamos deles porque não podemos, sem um padrão, uma medida, sem um modelo, guiar nossas vidas através das constantes batalhas e lutas da vida. Não é isso? Então nós queremos um padrão, uma medida contínua para julgar nossas ações na vida diária. O que isso indica? Indica que estamos mais interessados no ideal, na medida, do que nos conflitos, nas lutas, nos sofrimentos que nos confrontam. Então, como essas lutas são tão grandes, tão conflitantes, tão imensas, nós estabelecemos ideais como um meio de escapar delas. Considerando que, para mim, para compreendermos o conflito, os problemas, os sofrimentos, a mente deve estar livre para compreendê-los como eles são – não através de uma medida, não através de um padrão. Certamente, quando vocês estão realmente em grande conflito, em grande sofrimento, nesse momento vocês não pensam no ideal, no que devem e no que não devem fazer. Vocês estão tão consumidos pelo sofrimento que querem descobrir. Então vocês não contam com um ideal para tirá-los do sofrimento. É somente quando o sofrimento diminui, se aquieta, que vocês se voltam à um ideal para ajudá-los a sair dele.
Para mim, todos os ideais são meios de aliviar o sofrimento e, portanto, não podem explicar a razão do sofrimento. Peguem a pessoa comum e vocês verão que ela tem inúmeros ideais, muitas crenças e, de acordo com eles, ela tenta viver o dia inteiro; se ela pensar sobre isso, então ela faz da vida uma batalha contínua entre os fatos e o que ela quer que seja. Agora, se ela perceber fundamentalmente os fatos, o que é real e reconhecer seu significado, então ela descobrirá a verdadeira raiz do conforto e, portanto, se libertará desses falsos padrões, dessas falsas medidas, que estão continuamente tentando moldar sua mente para um padrão específico.
Pergunta: Você acredita no comunismo, como é entendido pelas massas?
Krishnamurti: Eu não sei o que é entendido pelas massas, então não posso explicar. Então, o que é o comunismo? Vamos olhar para isso não do ponto de vista de qualquer “ismo”, mas do ponto de vista da situação humana comum. Como pode haver compreensão real das pessoas quando vocês se consideram Neozelandeses ou quando eu me considero um Hindu? Como pode haver contato entre nós? Como pode haver um relacionamento vital entre nós, uma compreensão humana entre nós? Ou se nós nos dividirmos por certos rótulos, vocês se chamando de Cristãos e eu me chamando de Hindu, com certos preconceitos, dogmas, credos, como pode haver verdadeira fraternidade? Podemos falar sobre tolerância – que é uma invenção intelectual para manter vocês onde estão e para eu me manter onde estou e tentarmos ser amigáveis. Isso não significa que estou falando de uniformidade. Agora existe uniformidade. Todos vocês têm uma crença, um ideal, um dogma, embora possam variar nessa prisão, pintando cada barra de maneira diferente. Mas é uma prisão. E vocês querem manter sua prisão com as suas próprias decorações e o Hindu com as decorações dele. E assim eles tentam ser fraternos; e essa fraternidade é chamada de tolerância. Considerando que, para mim, toda essa ideia é a própria negação da verdadeira compreensão, da unidade humana. Então, com o passar do tempo, vocês podem ser conduzidos, como muitos escravos, a aceitarem o comunismo, como agora aceitam o capitalismo; e nessa força para conduzi-los, não há ação voluntária, como agora, no capitalismo, não há ação voluntária. Então, se vocês simplesmente aceitarem um ou outro e viverem em um ou em outro, certamente vocês não estão sendo indivíduos criativos. Vocês são apenas como muitas ovelhas, sejam ovelhas capitalistas ou ovelhas comunistas, dirigidas pelo ambiente, pelas condições, forçadas a aceitar. Certamente tal coisa não é moral; tal coisa não é rica ou espiritual, verdadeira. E eu digo que a verdadeira condição humana só pode surgir quando vocês, como indivíduos, fizerem essas coisas voluntariamente, porque vocês veem a necessidade, a imensa profundidade disso – não apenas entusiasmo superficial. Então existe a possibilidade de os indivíduos viverem criativamente, completamente – não quando são conduzidos.
Pergunta: O que você considera ser a causa do desemprego?
Krishnamurti: Vocês sabem que construímos uma estrutura por muitos séculos, por muitas gerações, uma estrutura baseada na competitividade individual, na autossegurança implacável; onde o mais esperto, o mais astuto chega ao topo e tem em suas mãos todos os meios diretivos. Isso é óbvio. Vemos isso em todo lugar e, naturalmente, quando o mundo está dividido em nacionalidades, que são o ápice dessa possessividade e ganância das pessoas, naturalmente deve haver uma distribuição desigual e, portanto, desemprego.
Sabem, para mim, é muito simples ver isso. Talvez para vocês seja muito complicado, embora vocês possam ser mais educados do que eu, embora vocês possam ter lido muito. A causa, para mim, é muito simples. Então, o que nós vamos fazer? Ou seja, vocês vão me dizer: “Por que você não fala sobre as condições comuns de trabalho, trabalha para a mudança das condições econômicas, então tudo ficará bem. Portanto, por que não concentrar toda a sua mente nesse assunto particular e assim alterar o ambiente?” Como posso alterar toda a sociedade da qual vocês e eu fazemos parte? Como podemos alterá-la? Em primeiro lugar, o que temos que fazer é termos uma atitude inteligente e, portanto, agirmos em relação ao todo da vida. Isto é, vocês não podem abordar o problema econômico por si só e dizerem: “Resolva isso e todo o resto estará resolvido”. O problema econômico é apenas o sintoma do completo problema humano. Portanto, se pudermos criar uma crítica inteligente e, portanto, uma ação inteligente como um todo, em relação a todos os seres humanos, então agiremos definitivamente em relação às condições econômicas. Assim, sinto que o que devo fazer é criar uma crítica, não apenas uma crítica intelectual, mas uma crítica nascida da ação. E então, quando houver tal crítica, sendo inteligentes a partir dela, vocês usarão qualquer sistema, qualquer maneira inteligente para provocar uma mudança completa no sistema econômico.
Pergunta: Você não acredita em posse ou exploração; mas sem um ou outro, como você poderia viajar ou dar palestras para o mundo?
Krishnamurti: Eu vou lhes dizer muito simplesmente. Para viver no mundo sem exploração, vocês devem se retirar completamente para uma ilha deserta. Como o sistema é – como ele é agora – para sobreviver, se vocês vivem nesse sistema, vocês devem explorá-lo.
Vamos compreender o que quero dizer com exploração. Agora, para mim, se vocês não descobrirem por si mesmos de forma inteligente quais são as suas necessidades, então vocês se tornam exploradores. Se vocês descobrirem por si mesmos, de forma inteligente, quais são as suas necessidades, então vocês não serão exploradores; mas isso exige muita inteligência. Temos, antes de tudo, muitas coisas porque achamos que pela posse de muitas coisas seremos felizes. Portanto, para possuir essas muitas coisas, devemos explorar; considerando que, se vocês realmente pensassem em quais são as suas necessidades essenciais, não há exploração nisso realmente. Eu descobri por mim mesmo quais são as minhas necessidades. Com relação às minhas viagens, os amigos me pedem para ir a diferentes lugares e eu vou. Se eles não me pedem, não viajo; e mesmo que eu não fale ou ensine, posso fazer outra coisa. Agora, se eu quisesse converter todos vocês para uma forma particular de pensamento, forçá-los e recolher dinheiro nisso, isso eu chamaria de exploração. Aquilo de que estou falando é irrevogável, quer vocês gostem ou não, e o homem inteligente aceita o irrevogável. Então, não sinto que estou explorando e sei que não estou, nem sou possessivo.
Novamente, essa sensação de posse – para ser realmente livre de tudo isso, é preciso estar muito alerta, consciente para não enganar a si mesmo, porque no pensamento de que se está livre da possessividade pode estar uma grande quantidade de autoilusão. Muitas vezes pensamos que somos livres, mas na verdade vivemos sob o manto da autoilusão. No momento em que sua necessidade é satisfeita, vocês não se apegam a ela, não se sentem proprietários dela.
Pergunta: Você ficaria surpreso se o Cristo dos Evangelhos aparecesse de repente, de modo que todos os olhos o vissem?
Krishnamurti: Sabem, a mente quer milagres, ideias românticas, fenômenos sobrenaturais extraordinários. Não que não haja milagres, não que não existam fenômenos sobrenaturais; mas nós os buscamos porque nossas mentes e corações são tão pobres, tão vazios, tão miseráveis, tão feios; e pensamos que podemos superar essa pobreza de mente e coração buscando esses milagres, correndo e perseguindo fenômenos. E quanto mais vocês perseguem fenômenos e milagres, menos vocês são ricos interiormente, menos plenitude de mente e coração, menos afeto. Quando existe plenitude de mente e coração, então a existência de milagres, ou fenômenos sobrenaturais, têm muito pouco significado. Agora, nós criamos essas divisões, essas distinções entre o físico e o sobrenatural, porque o físico é tão insuportável, tão feio. Queremos fugir dele e qualquer um que nos possa levar ao sobrenatural, nós seguimos e chamamos isso de espiritual; mas nada mais é do que outra forma de materialismo real e grosseiro. Considerando que a verdadeira espiritualidade consiste em viver harmoniosamente, com perfeita unidade de mente e coração, porque há compreensão e, nessa compreensão, está o deleite de viver.
31/03/1934.