https://jkrishnamurti.org/content/ojai-11th-public-talk-30th-june-1934
Décima Primeira Palestra em Oak Grove – Ojai, Califórnia
Para mim, o que chamamos de felicidade, ou êxtase, é pensamento criativo. E o pensamento criativo é o movimento infinito do pensamento, da emoção e da ação. Isto é, quando o pensamento, que é a emoção, que é a própria ação, não está impedido no seu movimento, não está compelido, influenciado ou limitado por uma ideia e não procede a partir da tradição ou do hábito, então esse movimento é criativo. Enquanto o pensamento – e não vou repetir sempre que ele é a emoção e a ação – enquanto o pensamento estiver circunscrito, preso em uma ideia fixa ou apenas se ajustar a um contexto ou condição e, portanto, se tornar limitado, então tal pensamento não é criativo.
Assim, a questão, que toda pessoa ponderada coloca a si mesma, é como podemos despertar o pensamento criativo; porque quando existe pensamento criativo, que é movimento infinito, então não pode haver ideia de uma limitação, um conflito.
Agora, o movimento do pensamento criativo não busca, em sua expressão, um resultado, uma conquista; seus resultados e expressões não são seu ápice. Ele não tem ápice ou objetivo, pois está eternamente em movimento. A maioria das mentes procura uma culminação, um objetivo, uma conquista e se moldam na ideia de sucesso e, portanto, tal pensamento está continuamente se limitando. Considerando que, se não houver ideia de conquista, mas apenas o movimento contínuo do pensamento como compreensão, como inteligência, então esse movimento do pensamento é criativo. Isto é, o pensamento criativo cessa quando a mente está paralisada pelo ajustamento através da influência, quando funciona a partir de uma tradição que não compreendeu ou quando funciona a partir de um ponto fixo, como um animal amarrado a um poste. Enquanto existir essa limitação, ajustamento, não haverá pensamento criativo, inteligência, que por si só é liberdade.
Esse movimento criativo do pensamento nunca busca um resultado ou chega a uma culminação, porque o resultado ou culminação é sempre o fruto da cessação e do movimento alternados. Considerando que se não houver busca por um resultado, mas apenas o movimento contínuo do pensamento, então isso é pensamento criativo. Novamente, o pensamento criativo está livre da divisão, que cria conflito entre pensamento, emoção e ação. E a divisão só existe quando há a busca por um objetivo, quando há ajustamento e a complacência da certeza.
A ação é esse movimento que é, em si, pensamento e emoção, como expliquei. Essa ação é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Ela é a conduta, ocupação, cooperação, que chamamos de realização. Ou seja, quando a mente funciona sem buscar uma culminação, um objetivo e, portanto, pensa criativamente, esse próprio pensamento criador é ação, que é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Agora, se esse movimento do pensamento for claro, simples, direto, espontâneo, profundo, então não há conflito entre o indivíduo e a sociedade, pois a ação é a própria expressão desse movimento vivo e criador.
Portanto, para mim não existe a arte de pensar, existe apenas pensamento criador. Não existe técnica de pensamento, mas apenas o funcionamento criativo, espontâneo da inteligência, que é a harmonia entre a razão, a emoção e a ação, não divididas ou divorciadas umas das outras.
Agora, esse pensar e sentir, sem a busca por uma recompensa, por um resultado, é o verdadeiro experimento, não é? Na verdadeira experimentação não pode haver busca por resultados, porque a verdadeira experimentação é o movimento do pensamento criador. Para experimentar, a mente deve estar se libertando continuamente do ambiente com o qual entra em conflito no seu movimento, o ambiente que chamamos de passado. Não pode haver pensamento criativo se a mente estiver obstaculizada pela busca de uma recompensa, pela busca de um objetivo.
Quando a mente e o coração procuram um resultado ou um ganho – o que leva à complacência e à estagnação – há a prática da autodisciplina, uma superação e, portanto, surge o conflito. A maioria das pessoas pensa que praticando uma certa ideia, elas libertarão o pensamento criativo. Agora, a prática, se vocês observarem e ponderarem sobre isso, nada mais é do que o resultado da dualidade. E uma ação nascida da dualidade perpetua a distinção entre mente e coração. E tal ação se torna apenas a expressão de uma conclusão calculada, lógica e autoprotetora. Se existe a prática da autodisciplina, ou esse domínio ou influência contínua pelas circunstâncias, então a prática é apenas uma alteração, uma mudança em direção a um fim; é apenas ação dentro das fronteiras do pensamento limitado, que vocês chamam de autoconsciência. Portanto, a prática da autodisciplina não produz pensamento criador.
Pensar criativamente é gerar harmonia entre mente, emoção e ação. Ou seja, se vocês estão convencidos de uma ação, sem a busca por uma recompensa no final, então essa ação, sendo o resultado da inteligência, liberta a mente de todos os obstáculos que foram colocados nela pela falta de compreensão.
Receio que vocês não estejam entendendo isso. Quando apresento uma ideia nova pela primeira vez e vocês não estão acostumados com ela, naturalmente vocês acham muito difícil compreendê-la; mas se vocês ponderarem sobre ela, então verão seu significado.
Onde a mente e o coração são dominados pelo medo, pela falta de compreensão, pela compulsão, tal mente, embora possa pensar dentro das fronteiras, dentro das limitações do medo, não está realmente pensando. E sua ação deve sempre criar barreiras. Portanto, sua capacidade de pensar está sempre sendo limitada. Mas se a mente se liberta através da compreensão das circunstâncias e, portanto, age, então essa mesma ação é pensamento criativo.
Interrogante: Por favor, você poderia dar um exemplo do exercício prático de constante atenção e escolha na vida cotidiana?
Krishnamurti: Você faria essa pergunta se houvesse uma cobra venenosa no seu quarto? Então você não perguntaria: “Como posso me manter acordado? Como posso ficar intensamente desperto?” Você faz essa pergunta apenas quando não tem certeza de que há uma cobra venenosa em seu quarto. Ou você está totalmente inconsciente dela ou que brincar com ela, quer desfrutar de sua dor e de seus encantos.
Por favor, acompanhem isto. Não pode haver atenção, esse estado de alerta da mente e da emoção, enquanto a mente estiver presa à dor e ao prazer. Ou seja, quando uma experiência lhes causa dor e ao mesmo tempo lhes dá prazer, vocês não fazem nada a respeito. Vocês agem apenas quando a dor é maior que o prazer, mas se o prazer é maior, vocês não fazem absolutamente nada porque não há conflito agudo. É somente quando a dor supera o prazer, quando a dor é mais aguda que o prazer que você exige uma ação.
A maioria das pessoas espera o aumento da dor antes de agir e, durante esse período de espera, elas querem saber como ter atenção. Ninguém pode dizer a elas. Elas estão esperando o aumento da dor antes de agir, ou seja, elas esperam que a dor, através de sua compulsão, as obrigue a agir, e nessa compulsão não há inteligência. É apenas o ambiente que as abriga a agir de uma determinada forma, não a inteligência. Portanto, quando a mente está presa nessa estagnação, nessa falta de tensão, haverá, naturalmente, mais dor, mais conflito.
Pela aparência das coisas políticas, a guerra pode estourar novamente. Pode estourar em dois, em cinco, em dez anos. Um homem inteligente pode ver isso e agir de forma inteligente. Mas o homem que está estagnado, que espera que a dor o force a agir, que espera um caos maior, um sofrimento maior para lhe dar o ímpeto de agir, então a inteligência não funciona. Só há atenção quando a mente e o coração estão em grande tensão.
Por exemplo, quando vocês veem que a possessividade leva à incompletude, quando vocês veem que a insuficiência, a falta de riqueza, a superficialidade sempre produz dependência, quando vocês reconhecem isso, o que acontece com sua mente e com o seu coração? O desejo imediato é preencher essa superficialidade. Mas, além disso, quando vocês veem a futilidade da acumulação contínua, então vocês começam a ter consciência de como sua mente está funcionando. Vocês veem que na mera acumulação não há pensamento criativo; e, no entanto, a mente busca a acumulação. Assim, ao tomar consciência disso, vocês criam um conflito, e esse próprio conflito dissolverá a causa da acumulação.
Interrogante: De que forma poderia um estadista, que compreendesse o que você está dizendo, dar expressão a isso nos assuntos públicos? Ou seria mais provável que ele se retirasse da política quando compreendesse suas falsas bases e objetivos?
Krishnamurti: Se compreendesse o que estou dizendo, ele não separaria a política da vida em sua totalidade. E não vejo o porquê dele se retirar. Afinal, a política hoje é apenas um instrumento de exploração. Mas se ele considerasse a vida como um todo, não apenas a política – e por política ele se refere apenas ao seu país, ao seu povo e à exploração dos outros – e considerasse os problemas humanos não como problemas nacionais, mas como problemas mundiais, não como problemas Americanos, Hindus ou Alemães, então, se entendesse do que estou falando, ele seria um verdadeiro ser humano, não um político. Para mim, isto é o mais importante: ser um ser humano, não um explorador ou apenas um especialista em um determinado ramo. Ontem, eu tentei explicar isso em minha palestra. Acho que é aí que está a confusão. O político trata apenas de política, o moralista de moral, o chamado professor espiritual do espírito, cada um pensando que é o especialista e excluindo todos os outros. Toda a estrutura da nossa sociedade se baseia nisso e, portanto, esses líderes dos vários departamentos criam grande caos e grande miséria. Considerando que se nós, como seres humanos, víssemos a ligação íntima entre tudo isso, entre a política, a religião, a vida social e econômica, se víssemos essa ligação, então não pensaríamos e agiríamos de forma separativa, individualista.
Na índia, por exemplo, há milhões de pessoas que passam fome. O Hindu que é nacionalista diz: “Primeiro, tornemo-nos intensamente nacionais, então seremos capazes de resolver esse problema da fome.” Considerando que, para mim, a forma de resolver o problema da fome não é nos tornarmos nacionalistas, mas pelo contrário; a fome é um problema mundial e esse processo de isolamento só aumenta a fome. Portanto, se o político lida com os problemas da vida humana meramente como um político, então tal homem cria um grande caos, uma grande confusão, uma grande miséria; mas se ele considera a vida como um todo, sem diferenciação entre etnias, nacionalidades e classes, então ele é verdadeiramente um ser humano, embora possa ser um político.
Interrogante: Você disse que com duas ou três outras pessoas que compreendem, você poderia mudar o mundo. Muitos acreditam que compreendem e que existem outros que também compreendem, como artistas e homens da ciência e, no entanto, o mundo não mudou. Por favor, fale sobre a maneira pela qual você mudaria o mundo. Você não está mudando o mundo agora, talvez lentamente e sutilmente, mas definitivamente, através do seu falar, do seu viver e da influência que, sem dúvida, terá sobre o pensamento humano nos próximos anos? É essa a mudança que você tinha em mente ou era algo que afetaria imediatamente a estrutura política, econômica e étnica?
Krishnamurti: Receio nunca ter pensado no imediatismo da ação e no seu efeito. Para ter um resultado verdadeiro e duradouro, deve haver, por trás da ação, grande observação, pensamento e inteligência. E muito poucas pessoas estão dispostas a pensar criativamente ou de se livrarem da influência e do viés. Se vocês começarem a pensar de forma individual, então serão capazes de cooperar de maneira inteligente. E enquanto não houver inteligência não haverá cooperação, mas apenas compulsão e, portanto, caos.
Interrogante: Até que ponto uma pessoa pode controlar suas próprias ações? Se somos, em qualquer momento, a soma de nossas experiências anteriores e não existe um “eu” espiritual, é possível que uma pessoa aja de outro modo além daquele determinado por sua hereditariedade original, pela soma de seu treinamento passado, pelos estímulos que atuam sobre ela naquela ocasião? Se for assim, o que causa as mudanças nos processos físicos? E como?
Krishnamurti: “Até que ponto uma pessoa pode controlar suas próprias ações?” A pessoa não controla suas próprias ações sem compreender o ambiente. Assim, ela agirá apenas sob compulsão, sob influência do ambiente. E tal ação não é ação, mas apenas reação ou autoproteção. Mas quando uma pessoa começa a compreender o ambiente, vê o seu pleno significado e valor, então ela é dona das suas próprias ações, então ela é inteligente e, portanto, não importa qual seja a condição, ela funcionará de forma inteligente.
“Se somos, em qualquer momento, a soma de nossas experiências anteriores e não existe um “eu” espiritual, é possível que uma pessoa aja de outro modo além daquele determinado por sua hereditariedade original, pela soma de seu treinamento passado, pelos estímulos que atuam sobre ela naquela ocasião?”
Novamente, o que eu disse se aplica a isso. Ou seja, se ela agir meramente com base no fardo do passado, seja ele sua hereditariedade individual ou étnica, então tal ação será apenas a reação do medo. Mas se ela compreender o subconsciente, isto é, suas acumulações passadas, então ela estará livre do passado e, portanto, da compulsão do ambiente.
Afinal, o ambiente é tanto do presente quanto do passado. Não se compreende o presente porque a mente está nublada pelo passado. E libertar a mente do subconsciente, dos obstáculos inconscientes do passado, não significa fazer a memória voltar ao passado, mas estar plenamente consciente no presente. Nessa consciência, nessa plena consciência no presente, todos os obstáculos do passado entram em atividade, surgem, e nesse surgimento, se vocês estiverem conscientes, vocês verão o significado completo do passado e, portanto, compreenderão o presente.
“Se for assim, o que causa as mudanças nos processos físicos? E como?” Tanto quanto entendo o interrogante, ele quer saber o que produz essa ação, essa ação que lhe é imposta pelo ambiente. Ela age de uma maneira particular, compelida pelo ambiente, mas se ela compreendesse o ambiente de forma inteligente não haveria compulsão alguma; haveria compreensão, que é a própria ação.
Interrogante: Eu vivo em um mundo caótico politicamente, economicamente e socialmente, sujeito a leis e convenções que restringem a minha liberdade. Quando os meus desejos entram em conflito com essas imposições, devo infringir a lei e assumir as consequências ou reprimir os meus desejos. Então, onde, em um mundo assim, existe alguma fuga da autodisciplina?
Krishnamurti: Já falei sobre isso muitas vezes, mas tentarei explicar novamente. A autodisciplina é apenas um ajustamento ao ambiente, provocada através do conflito. Isso é o que chamo de autodisciplina. Vocês estabeleceram um padrão, um ideal que funciona como uma compulsão, e vocês ficam forçando a mente a se ajustar a esse ambiente, modificando-a, controlando-a. O que acontece quando vocês fazem isso? Vocês estão realmente destruindo a criatividade, estão corrompendo, suprimindo a afeição criativa. Mas se vocês começarem a compreender o ambiente, então não haverá mais repressão ou mero ajustamento ao ambiente, que vocês chamam de autodisciplina.
Então, como vocês podem compreender o ambiente? Como vocês podem compreender todo o seu valor e significado? O que os impede de verem seu significado? Em primeiro lugar, o medo. O medo é a causa da busca por proteção ou segurança; segurança que é física, espiritual, religiosa ou emocional. Enquanto existir essa busca haverá medo, o que cria uma barreira entre a mente e o ambiente e, portanto, o conflito é gerado. E esse conflito não pode ser dissolvido enquanto vocês estiverem preocupados apenas com ajustamento, modificação e nunca com a descoberta da causa fundamental do medo.
Portanto, onde há essa busca por segurança, por uma certeza, por um objetivo, impedindo o pensamento criativo, haverá ajustamento, chamado autodisciplina, que é apenas compulsão, a imitação de um padrão. Considerando que quando a mente vê que não existe segurança na acumulação de coisas ou de conhecimento, então ela é libertada do medo e, portanto, a mente é inteligência. E aquilo que é inteligência não se disciplina. Só há autodisciplina onde não há inteligência. Onde há inteligência há compreensão, livre de influência, controle e dominação.
Interrogante: Como é possível despertar o pensamento em um organismo onde o mecanismo necessário para a compreensão de ideias abstratas está ausente?
Krishnamurti: Pelo simples processo de sofrimento, pelo processo de experiência contínua. Mas veja, nós nos abrigamos de tal forma atrás de falsos valores que deixamos de pensar, e então perguntamos: “O que devemos fazer? Como despertar o pensamento?” Nós cultivamos medos que são glorificados como virtudes e ideais, atrás dos quais a mente se abriga, e toda ação procede desse abrigo, desse molde. Assim, não há pensamento. Vocês têm convenções, e o ajuste de si próprio a essas convenções é chamado de pensamento e ação; o que não é pensamento ou ação de forma alguma, porque isso nasce do medo e, portanto, paralisa a mente.
Como vocês podem despertar o pensamento? As circunstâncias ou a morte de alguém que vocês amam ou uma catástrofe ou a depressão força vocês a entrar em conflito. As circunstâncias, as circunstâncias externas forçam vocês a agir, e nessa compulsão não pode haver o despertar do pensamento, porque vocês estão agindo através do medo. E se vocês começarem a perceber que não podem esperar que as circunstâncias os forcem a agir, então vocês começarão a observar as próprias circunstâncias, então vocês começarão a penetrar e a compreender as circunstâncias, o ambiente. Vocês não esperam que a depressão os transforme em pessoas virtuosas, mas libertam suas mentes da possessividade, da compulsão.
O sistema aquisitivo se baseia na ideia de que vocês podem possuir e que é legal possuir. A posse glorifica vocês. Quanto mais vocês têm melhor, mais nobres vocês são considerados. Vocês criaram esse sistema e se tornaram escravos dele. Vocês podem criar outra sociedade, não baseada na aquisitividade, e essa sociedade pode forçá-los, como indivíduos, a se conformarem às suas convenções, assim como essa sociedade os força a se conformarem à sua aquisitividade. Qual é a diferença? Nenhuma. Vocês, como indivíduos, estão sendo forçados pelas circunstâncias ou pela lei a agir em uma determinada direção e, portanto, não há qualquer pensamento criativo. Ao passo que se a inteligência está começando a funcionar, então vocês não são escravos de nenhuma sociedade, seja ela aquisitiva ou não aquisitiva. Mas para libertar a mente é preciso grande intensidade; deve haver esse estado de alerta contínuo, essa observação que por si só cria o conflito. Esse próprio estado de alerta produz uma perturbação, e quando há essa crise, essa intensidade de conflito, então a mente, se não estiver escapando, começa a pensar de maneira nova, começa a pensar criativamente, e esse próprio pensamento criador é a eternidade.
30 de junho de 1934.