https://jkrishnamurti.org/content/%EF%BB%BFjkrishnamurti-auckland-new-zealand-1st-vasanta-school-gardens-talk-30th-march-1934

                                                                                                                Primeira Palestra na Escola Vasanta Gardens

                                                                                                                                   Auckland, Nova Zelândia

Amigos, parece uma pena que, numa bela manhã como esta, falemos sobre as várias opressões e crueldades que suportamos todos os dias e sobre as várias explorações que estão ocorrendo consciente ou inconscientemente sobre nós; e mesmo assim sorrimos e tentamos suportá-las, levando uma vida bastante triste e feia, tentando de alguma forma suportar as aflições diárias e os desastres que nos apresentam.

Agora, se vocês considerarem o que está acontecendo, verão que, embora haja essa opressão, essa crueldade, essa extraordinária exploração de uns sobre os outros, ainda continuamente estamos buscando satisfação. Ou vocês, como indivíduos, estão satisfeitos em suportarem todas essas coisas ou vão modificá-las, alterá-las. Ocasionalmente, em momentos de contato imediato, há um intenso desejo ardente de mudar, de desarraigar e viver decentemente, humanamente, completamente e, quando esse contato imediato é retirado com os sofrimentos da vida, recaímos à satisfação. Então, se vocês estão satisfeitos, isto é, contentes com as coisas como elas são no mundo, então não há mais nada a ser dito; e eu quero realmente dizer isso. Se vocês estão realmente satisfeitos, felizes, contentes em continuar como estão, com as coisas desmoronando, quando há tanta corrupção, exploração e crueldade, verdadeiros horrores acontecendo no mundo, se vocês estão realmente satisfeitos com isso, eu temo que minha fala seja completamente inútil. Mas, se vocês querem mudança e pensam que, como seres humanos, devemos ter um estado diferente, uma condição diferente, um ambiente diferente, não apenas para alguns poucos selecionados, mas para toda a humanidade, então vamos examinar o problema juntos; não que eu queira dogmatizar ou empurrá-los para uma direção ou outra, influenciá-los a agir de uma determinada maneira; mas considerando juntos, chegaremos a uma compreensão natural da qual devemos necessariamente e naturalmente agir. Portanto, há duas opções para cada indivíduo: remendar, reformar ou trazer uma reorientação completa do pensamento, uma mudança completa.

O que chamo de remendar é esta alteração contínua no sistema de pensamento existente, mas mantendo o fundamento intacto. Isso é remendar, não é? Manter as coisas fundamentalmente como estão e modificar apenas as dificuldades superficiais, as aflições transitórias, mas não abordar as coisas fundamentais. Agora, tal trabalho e tal pensamento baseado nessa ideia, eu chamo de remendar ou reforma. É como melhorar as favelas da cidade. Não que seja ruim melhorar as favelas da cidade; mas que deve haver favelas, que deve haver pessoas que exploram, que deve haver essa distinção de divisão de classes, é o problema, não quanta melhoria podemos fazer. Até que reconheçamos isso e enquanto não houver uma mudança radical, fundamental, apenas lidarmos com os sintomas não vai resolver nada.

Portanto, nesta manhã, quero mostrar que, enquanto o pensamento e, portanto, a ação estiverem baseados nesta ideia de autoengrandecimento, autocrescimento ou na autoconsciência continuamente limitada, necessariamente haverá problemas decorrentes dessa consciência limitada. Isto é, quer vocês façam quaisquer mudanças ou reformas sociais, enquanto o sistema de pensamento estiver baseado em possessividade, segurança, direitos de propriedade e assim por diante, haverá problemas que poderão ser tratados apenas sintomaticamente, não radicalmente. Por exemplo, senhores, suponhamos que haja uma reforma no sistema de posses; vocês ainda pensam que é perfeitamente certo que vocês sejam os donos de seus pequenos pedaços de terra, que todo mundo deve ter pedaços de terra. Isto é, vocês querem se apegar às suas posses particulares e deixar que os outros tenham suas próprias posses; considerando que, para mim, a própria ideia de possessividade necessariamente leva a um conflito com seu vizinho, necessariamente leva a distinções, como nacionalidades, consciência de classe, esnobismo. E se vocês estão reformando o quanto vocês podem possuir ou o quanto vocês não podem possuir, então vocês estão lidando apenas sintomaticamente, não radicalmente. É como ir a um médico que trata dos sintomas e não da causa.

Deixem-me dar outro exemplo, lidarmos com os sintomas é considerarmos que vocês podem aderir à sua religião particular e eu à minha, e sejamos tolerantes. Agora, como expliquei na outra noite, para mim, todo o processo de fundação de uma religião passa pela adesão a uma determinada crença ou dogma. Vocês dizem que são pessoas religiosas, cristãos, porque têm certas crenças, certos ideais, certos dogmas, e dizem para si próprios que haverá um mundo perfeito quando todas as pessoas acreditarem como vocês ou quando todas as pessoas do mundo adotarem a sua forma particular de pensamento; e estamos tentando consertar, reformar essa atitude em relação às religiões. Para mim, a verdadeira reforma, a verdadeira mudança, a verdadeira mudança radical de pensamento, não reside nos remendos das reformas religiosas, mas em ver o absurdo que são as religiões. Enquanto vocês tiverem crenças, necessariamente haverá divisões. Enquanto vocês estiverem engajados em uma forma particular de pensamento, naturalmente vocês estarão separados de mim e não haverá contato humano. Então, apenas preconceitos se encontrarão, não compreensão humana real.

Assim, enquanto vocês apenas quiserem reformar, isto é, provocar mudanças nos sistemas existentes de pensamento, de cultura, de possessividade, embora possam aliviar o sofrimento momentaneamente, resolverem os inúmeros problemas que surgem, vocês estão apenas adiando, deixando de lado por um tempo a questão fundamental, que é se uma sociedade ou uma cultura deve ser baseada em autoengrandecimento, possessividade e exploração.

Portanto, vocês, como indivíduos, precisam descobrir o que pretendem fazer, se pertencerão a uma sociedade, a um sistema de pensamento baseado nesse autoengrandecimento, com todas as suas nuances, com todas as suas delicadas sutilezas ou se vocês, como indivíduos, percebem que, enquanto esse estado existir, necessariamente haverá guerras, necessariamente haverá crueldades, exploração e, portanto, vocês, como indivíduos, estão preparados para mudar completamente e não apenas lidando com os sintomas. Como indivíduos, somos confrontados com esse problema, com essa questão, se lidaremos sintomaticamente, remendaremos ou provocaremos uma mudança completa de pensamento, não baseada em possessividade e na autoimportância. Agora, tal atitude necessariamente trará gradualmente uma nova sociedade, um novo estado, uma nova consciência, em que na qual não poderá haver exploração, não poderá haver esta luta incessante pela existência, para simplesmente sobreviver. E vocês só lidarão com essa questão se estiverem realmente considerando, se estiverem realmente preocupados, se estiverem sofrendo – e não se estiverem apenas sentados, discutindo intelectualmente, observando teoricamente. Então, cabe a vocês decidirem pela razão e, portanto, pela ação; se vocês, como indivíduos, irão, através de sua própria compreensão, criar uma humanidade em que na qual haja compreensão real ou continuar com essa luta incessante.

Recebi algumas perguntas e vou respondê-las. É isso que pretendo fazer todos os dias.

Pergunta: Alguns de meus amigos observaram que, embora achem suas palavras muito interessantes, eles preferem servir do que pensar muito em questões sobre a verdade. Quais são as suas observações sobre esse ponto?

Krishnamurti: Senhores, o que vocês querem dizer com “serviço”? Todos querem ajudar. Esse é o grito daquelas pessoas que pensam que estão servindo ao mundo. Elas estão sempre falando sobre ajudar o mundo, especialmente aquelas pessoas que pertencem a seitas. Essa é a forma particular de ignorância delas, porque elas acham que fazendo alguma coisa, não importa o quê, elas vão ajudar, servindo as pessoas elas vão ajudar. Quem pode dizer o que é “serviço”? Um homem que pertence ao exército, preparado para matar o bárbaro que entra em seu país, diz estar servindo ao país. O homem que mata, o açougueiro, diz estar servindo à comunidade. O explorador que tem em mãos os meios de produção monopolizados, diz estar servindo à comunidade. O homem que explora as crenças, os sacerdotes, diz estar servindo ao país, à comunidade. Quem deve decidir?

Ou devemos olhar para isso de forma completamente diferente? Vocês acham que uma flor, uma rosa, está sempre considerando que está servindo à humanidade, que ela está ajudando o mundo com sua existência por ser bela? Pelo contrário, por ser bela, supremamente adorável, inconsciente de sua própria magnificência, ela verdadeiramente ajuda. Não como um homem que sai gritando que está servindo ao mundo. Em outras palavras, todos querem utilizar seus meios ou suas ideias para explorar o mundo, não para libertar o mundo. Pessoalmente, se vocês não me compreenderem mal, esse não é meu ponto de vista. Eu não quero ajudar o mundo, como vocês chamariam isso. Eu não posso ajudar, isso acontece naturalmente. Isso é serviço. Não quero fazer os outros adotarem minha forma particular de crença ou pedir-lhes que entrem na minha jaula particular de pensamento, porque sustento que ter uma crença é uma limitação.

Para servir verdadeiramente, é preciso estar supremamente livre da consciência limitada que chamamos de “eu”, do ego, da consciência egocêntrica; e enquanto essa consciência existir, vocês não estarão realmente servindo ao mundo. A menos que vocês realmente pensem, vocês não poderão descobrir se estão verdadeiramente ajudando o mundo. Portanto, não vamos considerar primeiro se estamos ajudando o mundo, mas sim descobrir se temos a capacidade de pensar e sentir. Para realmente pensar, a mente não pode estar presa a uma crença. Isso é muito simples, não é? Para pensar de modo realmente profundo, franco, completo, sua mente não pode estar dominada por um preconceito, por uma certa crença, pelo medo ou por ideias preconcebidas. Para pensar, a mente deve começar nova, fresca e não com o pano de fundo da tradição. Afinal, a tradição só tem valor quando nos ajuda a pensar, não quando nos domina com seu peso.

Deixem-me colocar isso de forma diferente. Todos nós queremos ajudar. Quando vocês veem sofrimento no mundo, surge um desejo intenso de ajudar; mas para ajudar verdadeiramente as pessoas é preciso ir à causa fundamental das coisas. Vocês precisam descobrir a causa do sofrimento, e só podem fazer isso se houver pensamento profundo. E esse pensar não é mero deleite intelectual, mas só pode ocorrer na ação.

Pergunta: Afirma-se aqui que apenas uma ou duas pessoas no mundo podem esperar compreender a importância de sua mensagem. Portanto, o ensino secundário da Teosofia Moderna é necessário como um substituto para a salvação do mundo. O que o senhor tem a dizer?

Krishnamurti: Senhores, antes de mais nada, vocês devem descobrir o que tenho para dizer, antes que digam que isso é impossível. Isto é o que eu quero dizer: todo o nosso sistema de pensamento, ação e vida está baseado no engrandecimento e crescimento individual às custas dos outros. Isso é um fato, não é? E enquanto tal fato existir no mundo, haverá necessariamente sofrimento, exploração, divisão de classes; e nenhuma forma de religião pode trazer paz, porque as religiões são a própria criação dos desejos humanos, elas são meios de exploração. Essa realidade viva, que eu digo que existe – chamem-a de Deus, verdade ou qualquer outro nome – essa inteligência suprema, que eu digo que existe, que eu digo que compreendi, só pode ser encontrada através da liberdade dos obstáculos que vocês criaram através da busca por segurança e conforto, através da liberdade do obstáculo da segurança das religiões e da segurança artificial de possessividade.

Certamente, compreender o que estou dizendo não é muito difícil. A dificuldade está em colocar o que estou dizendo em ação. Agora, para colocarmos isso em ação não é preciso coragem, mas sim compreensão. A maioria de nós está esperando que o mundo mude, em vez de começar a mudar nós mesmos. Estamos esperando que o sistema do mundo altere essa atitude em relação à possessividade, e não estamos tentando descobrir se nós podemos, como indivíduos, ser realmente livres da possessividade. Para compreendermos isso, essa liberdade da possessividade, é preciso descobrirmos de forma inteligente quais são as nossas necessidades. Você sabe, quando você descobre quais são as suas necessidades, então você deixa de ser possessivo. Cada pessoa conhecerá suas necessidades com muita clareza, com muita simplicidade, se abordar isso com inteligência; mas não pode haver a descoberta de quais são as nossas necessidades enquanto a mente estiver presa na possessividade, na ganância e na exploração. Então, quando vocês descobrem quais são as suas necessidades, vocês não estarão firmando compromisso entre suas necessidades e as condições do mundo, que se baseiam em possessividade. Espero estar esclarecendo esse assunto.

O que quero dizer é que não pode haver relacionamentos humanos, vitais ou viver alegremente na plenitude da vida no presente – que para mim é a única eternidade – enquanto nossas mentes e corações estiverem feridos pelo medo. E para superarmos esse medo, criamos inúmeros obstáculos, como as religiões, as crenças, possessividades, seguranças. Portanto, como indivíduos, nós continuamente criamos sofrimento, continuamente aumentamos a luta, o caos do mundo. Certamente, isso realmente é muito simples, se vocês pensarem nisso.

Se vocês realmente quiserem descobrir o que estou dizendo, por favor, examinem uma das ideias que apresentei e coloque-a em ação. Então vocês verão que ela se torna prática, não vaga, teórica, impossível de compreender. Então vocês não vão querer nenhum ensinamento secundário.

Sabem, essa ideia de que as pessoas não compreendem, portanto devemos dar a elas algo que elas compreendam, é realmente uma forma astuta de exploração. É a atitude da classe capitalista. É a atitude do homem que tem muitas posses. Isto é, ele quer alimentar o mundo, guiar o mundo, ele quer guiar o seu próximo. Ao passo que eu quero despertar o meu próximo para que ele aja por si mesmo. Se eu puder despertá-lo para sua própria força, para sua própria compreensão, para sua própria responsabilidade, para sua própria ação, então destruo a distinção de classe. Então eu não o mantenho na creche para ser explorado como uma criança por alguém que supostamente sabe mais. Essa é toda a atitude das religiões, que vocês nunca podem descobrir o que é a verdade – apenas uma ou duas pessoas descobrem – portanto deixem-me, como mediador, ajudá-los; então eu me torno seu explorador. Esse é todo o processo das religiões. É um meio astuto de exploração, sendo implacável para manter as pessoas em sujeição, como a classe capitalista faz exatamente da mesma maneira – uma classe por meios espirituais, uma classe por meios mundanos. Mas se vocês olharem para isso, ambos são explorações implacáveis. (Ouçam! Ouçam!)

Senhores, por favor, não se incomodem em dizer: “Ouçam! Ouçam!” O importante é agir, não concordar intelectualmente comigo. Isso não tem valor. A concordância só pode ocorrer na ação. Isso significa que quando vocês dizem: “Ouçam, ouçam”, vocês devem se posicionar sozinhos contra a sociedade, contra seus vizinhos, contra suas famílias, contra tudo o que a sociedade construiu por gerações. Isso exige grande percepção, não coragem, não uma atitude heroica perante a vida, mas grande e direta percepção do que é verdadeiro.

Agora, para mim, a vida não é para ser uma escola. A vida não é algo com o qual vocês aprendem, ela existe para ser vivida – para ser vivida de forma suprema, inteligente, divina. Considerando que, se vocês fizerem dela uma batalha constante, uma luta, um esforço contínuo, então a vida se torna feia. E vocês fizeram isso porque todo o pensamento de vocês é de autocrescimento, autoexpansão, autoengrandecimento e, enquanto isso existir, a vida se torna uma luta triste.

Então, é isso que eu quero dizer. Certamente, isso pode ser compreendido com muita facilidade. Fácil de ser compreendido de certa forma. Não se pode compreender de uma só vez todo o seu significado. Podemos ver em que direção isso está e, para mudarmos de atitude, deve haver grande aflição, não contentamento, mas grande conflito ardente que nos força a descobrir. E Deus sabe que temos conflitos o dia todo, mas treinamos nossas mentes para ser astutas e, assim, contornarmos facilmente esses conflitos, fugirmos deles. Portanto, podemos ter conflito após conflito, problema após problema. Nossas mentes aprenderam a ser astutas e, portanto, a fugir.

Pergunta: Por favor, explique com mais detalhes o que o senhor quer dizer com sua afirmação: “Seus mestres são seus destruidores.” Como pode um sacerdote, sendo honesto em seus propósitos, ser um destruidor?

Krishnamurti: Senhores, por que vocês querem um sacerdote? Para mantê-los moralmente corretos? É isso? Ou para levá-los à verdade? Ou para atuar como intérprete entre Deus e vocês? Ou apenas para realizar um rito, uma cerimônia de casamento, de funeral ou de domingo de manhã? Por que vocês querem sacerdotes? Quando descobrirmos porquê precisamos deles, então descobriremos que eles são destruidores.

Se vocês dizem que um sacerdote é necessário para manter sua moralidade em ordem, então certamente vocês não são mais morais, mesmo que o sacerdote possa forçá-los a ser morais; porque para mim moralidade não é compulsão, é uma ação voluntária.

A moralidade não nasce do medo, não é condicionada pelas circunstâncias. A verdadeira moralidade é compreensão voluntária e, portanto, ação. Portanto, para mim, um sacerdote é desnecessário para manter nossa integridade. Ou se vocês dizem que ele é necessário para guiá-los à verdade, como um mediador, como um intérprete, então eu digo que tanto vocês quanto o sacerdote devem saber o que é a verdade. Para serem conduzidos a algum lugar, vocês devem saber para onde estão indo, e o líder também deve saber para onde está indo; e se vocês sabem onde está a verdade, vocês não precisam de um líder. Por favor, isso não é esperteza. Isso são apenas fatos.

Mas o que temos feito? Preconcebemos o que é a verdade, como um contraste, como um oposto daquilo que somos. Dizemos que a verdade é tranquila, que a verdade é sábia, ilimitada. Por não sermos isso, fizemos disso um oposto e queremos que alguém nos ajude a chegar lá. O que isso significa? Desejamos alguém que nos ajude a fugir desse conflito para algo que supomos ser a verdade. Portanto, o sacerdote está nos ajudando a fugir da realidade, dos fatos.

Conversei com um sacerdote outro dia, e ele me disse que mantinha sua igreja porque havia muito desemprego. Ele disse: “Sabe, as pessoas desempregadas não têm casa, nem beleza, nem vida, nem música, luz, cor, nada – horror, uma vida horrível. Mas se elas vêm uma vez por semana à igreja, pelo menos têm beleza, alguma quietude, algum perfume, e elas vão embora pacificadas pelo resto da semana e voltam de novo.” Certamente, essa não é a maior forma de exploração? Ou seja, esse sacerdote em particular estava tentando pacificá-las em seu conflito, tentando acalmá-las, isto é, retirá-las da realidade para não descobrirem a verdadeira causa do desemprego.

Agora, se vocês disserem que os sacerdotes são necessários para realizar os ritos, as cerimônias do cristianismo, então vamos investigar se esses ritos e cerimônias são necessários. Eles são necessários? Como não os frequento, não posso responder. Eles não têm valor para mim; mas para vocês que os frequenta, eles são valiosos? De que maneira vocês se beneficiam com eles? Vocês vão até eles no domingo de manhã, sentem-se muito devotos, elevados, seja o que for e, pelo resto da semana, vocês são explorados ou exploram. Ainda existe crueldade e todo o resto. Então, onde está o valor, a necessidade do sacerdote?

Se vocês disserem que é um meio de ganhar dinheiro, então vamos colocá-lo em uma categoria totalmente diferente. Se vocês apenas tratam isso como uma profissão (como a da lei, da marinha, do exército ou qualquer outra profissão), então é uma coisa completamente diferente, e a maioria das religiões, com seus sacerdotes, é isso e nada mais além disso – uma antiga profissão.

Portanto, se vocês procuram um sacerdote para guiá-los como professor, eu digo que ele é seu destruidor ou explorador. Por favor, não tenho nada contra sacerdotes cristãos ou hindus – para mim são todos iguais. Eu digo que eles não são essenciais para a humanidade. E, por favor, não aceitem o que estou dizendo como uma autoridade final, como uma declaração dogmática. Olhem para isso, considerem vocês mesmos. Se vocês aceitarem o que estou dizendo, também me tornarei seu sacerdote; portanto, me tornarei seu explorador. Ao passo que, se vocês realmente considerarem todo o assunto, não por um momento passageiro, mas completamente, vocês verão que as religiões, com todos os seus mestres sectários, estão realmente mantendo a humanidade dividida. Elas estão aumentando os horrores da guerra, as distinções de classe, as nacionalidades e, portanto, todas essas coisas levam à guerra e a maiores explorações, em que nas quais não há afeição real, amor real, consideração real.

Pergunta: Existe uma vida futura?

Krishnamurti: Vocês estão realmente interessados nisso? Eu suponho que vocês devem estar ou não teriam feito a pergunta. Agora, esperem um pouco. Por que vocês perguntam se existe uma vida futura? Apenas por entretenimento, curiosidade, porque vocês estão com medo no presente, portanto querem saber o que é o futuro ou meramente para informação? Agora, vocês sabem que alguns dos cientistas modernos, alguns dos cientistas mais conhecidos, estão dizendo que existe uma vida futura. Eles dizem que através dos médiuns pode-se descobrir por si mesmo que existe vida após a morte. Tudo bem, suponhamos que haja. E se houver uma vida futura? O que vocês conseguiram ao descobrirem que existe uma vida futura? Vocês não ficaram mais felizes, mais inteligentes, mais humanos, mais atenciosos nem mais afetuosos. Vocês voltaram para onde estavam antes. Tudo o que vocês aprenderam consiste em mais um fato – que existe uma vida futura. Pode ser um consolo, mas o que isso significa? Vocês dizem: “Isso me dá certeza de que viverei a próxima vida”. O que isso significa? Embora lhes dê a certeza de que vão viver, vocês têm exatamente o mesmo problema, as mesmas angústias, as mesmas alegrias e prazeres transitórios, embora haja outra vida. Ao passo que, para mim, embora isso possa ser um fato, é de muito pouca importância. Senhores, a imortalidade não está no futuro; a imortalidade, a eternidade ou como quiserem chamá-la, está no presente; e o presente vocês só podem compreender quando a mente estiver livre do tempo.

Agora, receio ter que ser um pouco metafísico, mas espero que vocês não se importem. Não é realmente metafísico. Enquanto a mente for escrava do tempo, haverá medo da morte, o medo e a esperança de uma vida futura, e uma constante indagação sobre essa questão. Isto é, onde há medo, já existe uma lenta decadência, uma morte lenta, embora vocês estejam vivendo. A própria indagação sobre o futuro mostra que vocês já estão morrendo. Para viver completamente, para viver nessa plenitude do presente, no eterno agora, a mente precisa estar livre do tempo. Não é assim? Tempo, não estou usando essa palavra como geralmente usamos, por conveniência, no sentido comum de pegar um barco, um trem ou chegar na hora em um compromisso marcado. Estou usando a palavra tempo com o significado de memória. Se cada manhã, vocês nascessem de novo, outra vez, sem todas as memórias de ontem, sem todas as suas cargas, sem todas as incrustações do passado, então cada dia seria novo, fresco, simples; e ser capaz de viver assim é estar livre do tempo. Isto é, a mente tem se tornado um depósito de memórias, afligida pelo passado, sobrecarregada pelas inúmeras experiências que tivemos.

Por favor, espero que pensem comigo a respeito disso, caso contrário, vocês não compreenderão muito bem. Assim, com a carga do passado, com a carga de inúmeras memórias enfrentamos, encontramos cada experiência – uma nova experiência, um novo pensamento, um novo ambiente, um novo dia; com o pano de fundo do passado encontramos o presente. Não é assim? Se você é um cristão, você tem o pano de fundo de uma mente cristã; dogmas, crenças, tradições cristãs e você tenta enfrentar a vida com tais ideias. Se você é um socialista ou qualquer outra pessoa, você tem certos preconceitos, certas ideias, certos dogmas bem definidos, e você enfrenta a vida com esse pano de fundo, com esses óculos. Assim, você encontra continuamente o presente com o pano de fundo do passado e, portanto, não compreende o presente. Há um contínuo processo de incompreensão que cria memória e, portanto, há o acúmulo, a acentuação dessa memória e, assim, o desejo de saber se viverei uma próxima vida. Considerando que, se vocês fossem capazes de enfrentar tudo de maneira nova, com uma mente não corrompida, com uma mente que não está sobrecarregada pela possessividade do passado ou com a memória de um futuro, então vocês veriam que não existe tal coisa como a morte, que não existe medo. Então a vida está continuamente se tornando um êxtase, não uma luta feia, caótica. Mas isso exige muita atenção, exige consciência do pensamento, da mente e do coração no presente.

Receio que o interrogador ficará desapontado. Ele quer saber se existe ou não – uma resposta categórica, “sim” ou “não”. Receio que não possa haver uma resposta categórica. Cuidado com respostas categóricas – “sim” e “não”. Não é realmente mais importante saber como viver do que descobrir o que acontece quando morremos? Somente os que já estão morrendo que querem saber o que acontece após a morte – não os que vivem. Portanto, investiguemos e descubramos se podemos viver ricamente, humanamente, completamente, divinamente, em vez de descobrirmos o que está além. Assim vocês descobrirão o que está além, quando souberem viver de forma suprema, inteligente. Então vocês descobrirão o que está além. Então tal descoberta não será uma coisa teórica, será um fato. Assim vocês descobrirão que isso tem muito pouco significado, porque não existe tal coisa como o “além”. A vida é um todo completo, sem começo nem fim. Então, esse êxtase, essa sabedoria, traz uma plenitude de vida no presente.

Pergunta: A Grã-Bretanha se tornará fascista, e isso é um movimento progressista?

Krishnamurti: Nenhum movimento baseado em possessividade, que mantenha distinções de classe, que encoraje o medo, pode ser um movimento progressista ou verdadeiro. Li alguns livros fascistas e eles falam sobre o direito divino de possessividade, de manter distinções de classe, nacionalidades, os limites das fronteiras. Certamente, isso não pode ser um movimento humano. Ao passo que, um movimento verdadeiro, que destrua essas coisas, que ajude as pessoas a compreender e a pensar, seria certamente um movimento real, um movimento espiritual, um movimento humano. Vocês sabem que esses movimentos são encorajados ou desencorajados por indivíduos como vocês. Se eles suprem suas demandas, sua possessividade, garantem sua fortaleza, seus próprios investimentos espirituais ou mundanos, vocês os encorajam; e vocês desencorajam aqueles movimentos que estão tentando minimizar e ajudar a destruir a falsidade da possessividade. Para mim, não existe possessividade humana instintiva. Toda possessividade é uma coisa artificial, criada por uma sociedade equivocada, artificial. Instintivamente, os seres humanos não são possessivos. Eles têm sido condicionados por circunstâncias que eles mesmos criaram. Portanto, se o fascismo é um movimento progressista ou não, isso é de pouca importância. O que é importante é se vocês, como indivíduos, veem que enquanto no mundo com seus governos, enquanto no mundo existir esse contínuo autoengrandecimento, sutil, consciente ou inconsciente, enquanto houver essa autoimportância espiritual ou mundana, haverá necessariamente sofrimento, gritos contínuos de dor, guerras, haverá exploração e não existirá amor verdadeiro. Portanto, cabe a vocês, como indivíduos, pensarem de maneira nova, descobrirem se toda a sua base de pensamento e ação está baseada nessa autoconsciência limitada.

30 de março de 1934.