https://jkrishnamurti.org/content/montevideo-2nd-public-talk-26th-june-1935
Segunda Palestra em Montevideo
Amigos, muitas perguntas me foram feitas, e antes de responder algumas delas, eu direi algumas palavras como introdução.
Penso que será bastante vão e absurdo se vocês simplesmente rejeitarem o que direi como sendo comunista ou anarquista ou se disserem que isso não é nada novo. Para descobrir se tem algum valor significativo e para testar se tem alguma qualidade essencial de verdade, é preciso experimentar, não simplesmente rejeitar. Para descobrir a qualidade de qualquer ideia que apresentei, você deve colocá-la em ação com pensamento deliberado e consciente. Só então você poderá conhecer a qualidade renovadora da ação na vida diária – porque estamos interessados nessa ação inteligente que revelará a riqueza, a completude da vida. Para descobrirmos por nós mesmos o modo dessa ação não deve haver mera rejeição ou aceitação cega das ideias que tenho tentado explicar, mas deve haver um experimento verdadeiro e consciente. Então você conhecerá a qualidade sempre renovadora da ação.
Para vivermos de forma suprema e inteligente, nós devemos descobrir por nós mesmos quais são os obstáculos ou preconceitos que impedem o livre fluxo da realidade. Ao compreendermos o significado da sua causa e sua existência, nós iremos abandoná-los voluntariamente, sem nenhuma compulsão. Só então haverá o movimento da realidade.
Existe, entre outros obstáculos, um que causa danos incalculáveis à mente. Antes de explicar qual é esse impedimento, por favor, não pule para conclusões nem pense em termos de opostos. Para compreender o seu significado profundo, a mente deve ser muito flexível e não meramente conclusiva, pois isso impede a penetração contínua da realidade.
Um dos maiores obstáculos ao fluxo da realidade é a autoridade. É uma das barreiras mais destrutivas que criamos no nosso desejo de autoproteção e segurança. Por conveniência, vamos dividir a autoridade em interior e exterior. A autoridade exterior é o ambiente, a tradição, o hábito, a moralidade fechada da religião, a autoridade dos especialistas e dos interesses constituídos. Existe esse ambiente exterior que continuamente pressiona e se impõe ao indivíduo, condicionando-o e pervertendo-o. Enquanto não compreendermos esta pressão limitante do ambiente com sua influência corrosiva, obrigando-nos a agir de acordo com um padrão particular, o que é muitas vezes considerado como ação voluntária, enquanto não discernimos seu verdadeiro significado, haverá conflito e sofrimento contínuos, aumentando assim sempre a limitação da ação.
Ao reagirmos a esta compulsão externa, nós começamos a desenvolver uma autoridade interior, uma lei interior baseada no medo, baseada na memória autoprotetora de segurança e conforto, segundo a qual ajustamos continuamente e enquadramos nossa conduta e que, à sua maneira sutil, controla e limita o pensamento e a ação, criando assim seu próprio conflito e sofrimento.
Portanto, temos a compulsão externa e interna, que foram desenvolvidas através do nosso próprio desejo de segurança, de certeza, e que estão continuamente pervertendo e distorcendo o discernimento.
Se a mente quiser compreender a realidade, ela deve se tornar totalmente livre, fresca e não influenciável. Ou seja, você deve se tornar totalmente consciente, completamente ciente da influência sutil dos interesses constituídos por um lado, que eu expliquei como sendo o ambiente. E por outro da compulsão interna baseada no medo e na memória aquisitivos e autoprotetores. Quando você começa a ficar consciente, quando você começa a perceber que a influência ou autoridade em qualquer forma, grosseira ou sutil, perverte o pensamento, então a mente, ao se libertar de suas limitações, é capaz de verdadeiro discernimento. Pois a ação da autoridade, baseada fundamentalmente no desejo de autoproteção, sempre aumentará a estupidez e suas ilusões, destruindo a ação criativa até que gradualmente o indivíduo não seja nada além de reações automáticas. Quando o indivíduo compreende conscientemente o profundo significado da autoridade, quando a mente está completamente nua, criativamente vazia, então há felicidade.
Muitas perguntas me foram feitas, e escolhi algumas que considero representativas. Se sua pergunta específica não foi escolhida, por favor, ouça as perguntas que responderei, e acho que você verá que também estou respondendo à sua pergunta.
Pergunta: Em sua primeira palestra, você nos deu a impressão de que estava destruindo os velhos valores e abrindo caminho. Nas palestras seguintes, você vai construir de novo, dando-nos a essência de seus ensinamentos?
Krishnamurti: Agora, eu não posso destruir valores que foram criados por cada indivíduo e que se tornaram meios de exploração pela sociedade ou pela religião. Você, através do seu próprio trabalho, através da sua própria compreensão do verdadeiro significado dos valores existentes, pode começar a destruir aqueles que são essencialmente falsos. Se eu apenas destruir os antigos e estabelecer um novo conjunto de valores, vocês não serão livres, apenas se tornarão prisioneiros dos novos. Não há nenhuma diferença fundamental, apenas uma troca de prisões. Portanto, por favor, entenda o propósito dessas palestras. A Verdade não pode ser dada a você. Você, através da sua própria compreensão criativa, tem que descobrir por si mesmo o verdadeiro no falso. Se eu apenas construísse um novo sistema ou estrutura de pensamento, ele se tornaria outro tipo de autoridade e prisão. Considerando que se você, através do seu próprio discernimento, começar a descobrir o que é verdadeiro, então você liberará aquela energia criativa da inteligência, que é a Verdade. A Verdade é única; ela não é multifacetada, é algo completo. Cada um deve chegar a ela sem nenhuma compulsão, sem seguir ninguém, sem nenhum ajustamento a um sistema ou padrão. Você tem que lutar contra os falsos valores que o homem criou ao longo dos séculos, que agora lhe estão sendo impostos implacavelmente, aqueles valores que vocês, como indivíduos, estabeleceram para si mesmos no desejo de autoproteção e segurança.
Não importa muito o nome que você me dá; e não pode importar muito para você quem eu sou. O que importa é se você, em seu sofrimento, está verdadeiramente destruindo os falsos valores que o prendem ou criando mais barreiras que aprisionarão o homem.
O interrogante pergunta: “Nas próximas palestras, você vai construir de novo, dando-nos a essência de seus ensinamentos?” A maioria de nós está buscando explanações. As explanações são apenas poeira nos olhos. Se você pegar apenas uma das ideias que apresentei e ficar consciente de seu pleno significado, então começará a liberar a inteligência criativa. Você encontrará a realização através da sua própria ação, não por meio de algum sistema particular de pensamento.
Pergunta: Você acredita que um homem de baixa cultura, oprimido, ganhando um salário miserável com esposa e filhos para sustentar, pode se salvar espiritual e economicamente sem ajuda e orientação?
Krishnamurti: Economicamente, o homem certamente não pode ser individualista como ele tem sido ao longo de todos esses séculos, causando caos, exploração e miséria. Mas espiritualmente, se me permitem usar essa palavra tão explorada, ele deve ser um indivíduo completo. Ou seja, quando o homem começa a descobrir por si mesmo e a descartar os falsos valores que estabeleceu através da sua busca por proteção e segurança, ele desperta em si a verdadeira inteligência. Atualmente, ele está sendo direcionado implacavelmente a esse sistema falso e individualista.
Quando você começa a questionar voluntariamente, a investigar e a descartar os falsos valores que as religiões e a sociedade estabeleceram, você desperta aquela inteligência única que é a cooperação criativa, não um ajustamento compulsório e servil. Sem essa inteligência, você age apenas como máquina.
Para a mudança fundamental que trará a cooperação coletiva, deve haver liberdade de pensamento completa, verdadeira e individual. Mas isso é uma das coisas mais difíceis de perceber, pois fomos treinados durante séculos para obedecer e nos ajustar a um padrão. O desejo de criar autoridade e segui-la é sutilmente arraigado em nós. Quando temos um problema, nós buscamos ajuda, que encontramos com muita facilidade. Assim, gradual e quase inconscientemente, nós estabelecemos a autoridade, à qual nos entregamos completamente até que não haja pensamento separado do sistema, pensamento separado da tradição e das ideias estabelecidas.
Agora, o interrogante quer saber se um homem de baixa condição, de baixa educação pode perceber essa inteligência espiritual e verdadeira, essa singularidade. Ele pode se começar a questionar vigorosamente e a descobrir o significado dos valores estabelecidos e, portanto, liberar o pensamento criativo. Infelizmente, essas pessoas têm muito pouco tempo para si mesmas, trabalham demais e ficam exaustas no final do dia. Mas vocês que são supostamente educados, que têm lazer podem cuidar para que esses outros também tenham o ambiente certo para viver e pensar e não sejam incessantemente forçados e explorados.
A qualidade profunda da inteligência não é encontrada através da mera educação. Ela não é o resultado da obediência servil à autoridade ou da imposição da moralidade social, mas acontece através da descoberta diligente de valores corretos. Quando houver essa inteligência singular, então não haverá exploração, dominação e busca cruel pelo sucesso egoísta.
Pergunta: Como podemos ter certeza de que a felicidade resultará da destruição dos preconceitos científicos, religiosos, morais e psicológicos?
Krishnamurti: Você quer uma garantia minha de que, ao abrir mão de algo, você receberá outra coisa em troca. (Risos) Nós abordamos a vida com a mentalidade de um comerciante e não vemos que o preconceito é inerentemente falso. Nós queremos, antes de renunciar ao que possuímos, ter a certeza de que receberemos algo em troca. E isso é verdade em toda a busca pela virtude. Mas a mentalidade que renuncia para alcançar outra coisa nunca encontrará a felicidade. Tal mentalidade nunca compreenderá a qualidade pura da Verdade, que deve ser compreendida apenas por sua própria beleza, não como uma recompensa.
Agora, se você pensar seriamente sobre isso, verá que todo o nosso sistema de pensamento é baseado nessa ideia de recompensa. Afinal, o homem culto age sem buscar recompensa. Isso requer não apenas o reconhecimento da falsidade da recompensa, mas a compreensão, o discernimento dos valores intrínsecos. Se você é um verdadeiro artista ou um homem que realmente ama seu trabalho, então você não busca recompensa. Só quem não ama a vida está constantemente buscando, de forma sutil ou grosseira, uma gratificação ou recompensa, pois suas ações nascem do medo. E como pode uma pessoa assim compreender a rapidez, a qualidade sutil da Verdade?
Pergunta: Você está tentando libertar o indivíduo ou despertar nele o desejo de liberdade?
Krishnamurti: Se você não está sofrendo, se você não está em conflito, se não há problemas nem crises em sua vida, então há muito pouco a ser dito. Ou seja, se você está dormindo, então a ação da vida deve primeiro despertá-lo. Mas o que acontece geralmente quando você começa a sofrer? Você imediatamente busca um remédio que alivie seu sofrimento. Assim, gradualmente, em sua busca por conforto, você novamente se coloca para dormir através do seu próprio esforço; e o que o outro pode fazer é apenas mostrar como você está fazendo isso. Você se adormece através da busca por conforto, que você chama de procura por Deus, pela Verdade. Quando a mente é despertada por um choque, que vocês chamam de sofrimento, esse é o verdadeiro momento de investigar a causa do sofrimento sem buscar conforto. Se você observar, verá que quando há sofrimento agudo, seu pensamento busca um remédio, um conforto. E você encontra um remédio que embota a mente e a afasta da causa do sofrimento, criando assim uma ilusão.
Em outras palavras, quando a mente permanece em um ritmo habitual de pensamento, então não há conflito, não há sofrimento nem interesse despertado pela vida. Mas quando você tem uma experiência de algum tipo que lhe causa um choque, que é chamado de sofrimento e que o desperta do hábito, então sua reação imediata é buscar outro conforto ao qual o pensamento possa novamente se acostumar. A mente está constantemente buscando certezas para que esteja segura e não seja perturbada e, portanto, a vida se torna cheia de medos e reações defensivas. Mas as experiências destroem continuamente nossas certezas e, ainda assim, sutilmente buscamos criar outras. Então a vida se torna um processo contínuo de luta e sofrimento, criação e destruição. Mas se a mente não buscasse finalidades, conclusões e seguranças, então ela descobriria que há um ajustamento constante, uma compreensão do significado do movimento da vida. E só nisso há realidade duradoura, felicidade.
Pergunta: O que você quer dizer por “religião”? Eu me sinto reunido com Deus através de Cristo. E através de quem você se reúne com Deus?
Krishnamurti: Quero dizer por religião: crenças organizadas, credos, dogmas e autoridades. Essa é uma forma de religião. Há também a religião das cerimônias, que nada mais é do que sensação e espetacularidade. E existe a religião da experiência pessoal. A primeira força o indivíduo a se conformar a um certo padrão para seu próprio benefício através do medo, da fé, do dogma e do credo. A segunda imprime divindade no adorador através do espetáculo e da pompa. A terceira, a experiência pessoal, vamos abordar agora.
Agora, a religião organizada inevitavelmente cria divisões e conflitos entre os homens. Você vê isso em todo o mundo. O hinduísmo, assim como o cristianismo, o budismo e outras religiões organizadas, tem suas próprias crenças e dogmas particulares, que são barreiras quase impenetráveis entre os homens, destruindo seu amor. E que valor, que significado têm essas religiões quando elas são fundamentalmente baseadas no medo? Se vocês discernirem a falsidade da crença organizada, que por meio de alguma crença específica vocês não compreenderão a realidade, que nem através de alguma autoridade a inteligência será despertada, então vocês, como indivíduos, não como um grupo organizado, se libertarão dessa imposição destrutiva. Isso significa que vocês devem questionar desde o início toda a ideia de crença. Mas isso envolve grande sofrimento, pois não é um mero processo intelectual. Um homem que apenas investiga intelectualmente a questão da crença não encontrará nada além de pó. Se um homem, que sofre profundamente, questiona toda essa estrutura baseada no medo e na autoridade, então ele encontrará as águas da vida que saciarão sua sede.
E existe aquela experiência pessoal que também é chamada de experiência religiosa. É preciso grande franqueza, grande trabalho da nossa parte para descobrir as ilusões que estão ligadas a isso. Quando há muita confusão, miséria e incerteza, nós queremos encontrar estabilidade, paz e felicidade. Ou seja, em vez de discernirmos a causa desse sofrimento, nós queremos fugir do conflito para algo que nos dê contentamento e esperança constante. Portanto, com esse desejo, nós criamos e desenvolvemos ilusões que nos dão intensa satisfação, encorajamento e felicidade, cuja sensação e emoção geralmente chamamos de experiência religiosa. Se você realmente examinar impessoalmente, sem nenhum preconceito, essas chamadas experiências religiosas, você verá que elas nada mais são do que compensações autodesenvolvidas para o sofrimento. Portanto, o que as pessoas chamam de experiência religiosa é meramente uma fuga para uma ilusão que elas chamam de realidade, uma ilusão na qual vivem, pensando que é Deus, a Verdade e assim por diante. Se você estiver sofrendo, em vez de buscar a felicidade, o oposto, discirna a causa fundamental do sofrimento, e comece a se libertar dessa causa, então existirá aquela realidade que não pode ser medida por palavras.
Uma mente que deseja compreender a Verdade deve estar livre dessas três ilusões: das crenças organizadas, com suas autoridades e dogmas; das cerimônias, com suas espetacularidades e sensações; e daquelas ilusões autocriadas, com suas satisfações e felicidade destrutiva. Quando a mente realmente não tem nenhum preconceito, não busca uma recompensa nem cultiva uma divindade, nem tem esperança na imortalidade, então nesse discernimento claro ocorre o nascimento da realidade.
Pergunta: Sou padre e acredito que represento bastante o sacerdócio em geral. Não tive nenhuma revelação ou experiência mística, mas acredito sinceramente no que prego do púlpito porque li em livros sagrados. Minhas palavras consolam aqueles que me ouvem. Devo desistir de ajudá-los e deixar meu ministério porque não tenho essa experiência direta?
Krishnamurti: Senhor, o que você chama de ajudar as pessoas? Se você quer consolá-las, drogá-las para dormir, então você precisa ter revelação e autoridade. Como há tanto sofrimento, nós achamos que ao dar conforto às pessoas estamos ajudando-as. Essa oferta de conforto nada mais é do que colocá-las para dormir e, portanto, o consolador se torna o explorador.
Não ria simplesmente da pergunta e siga em frente, dizendo que ela não se aplica a você. O que você está buscando? Se você está buscando conforto, então você encontrará consoladores e será drogado até o contentamento. Mas o que alguém pode realmente lhe ensinar? O que outra pessoa pode fazer é ajudá-lo a discernir por si mesmo se está escapando da realidade para uma ilusão. Isso significa que a pessoa que fala, que prega deve estar livre de ilusões. Então ela será capaz de ajudar as pessoas mesmo sem ler livros sagrados. Ela ajudará o indivíduo a se manter desperto, atento às realidades da vida livre de toda ilusão. Ao discernir uma ilusão, a mente se liberta dela, através de uma compreensão profunda, e destrói o criador da ilusão, que é o centro da consciência limitada, o “eu”, o ego.
Se você quer realmente ajudar o homem, porque você mesmo percebe o caos e o sofrimento absolutos que existem, você não lhe dará nenhuma droga para adormecê-lo, mas o ajudará a descobrir por si mesmo as causas que impedem o nascimento da inteligência. É difícil ensinar verdadeiramente sem dominar, impor; e tanto o professor quanto o aluno devem estar livres da influência sutil da autoridade, pois a autoridade perverte e destrói toda compreensão.
Pergunta: Você acredita em Deus?
Krishnamurti: O importante é descobrir porquê você busca Deus; pois quando você está feliz ou apaixonado, você não procura o amor, a felicidade. Então você não acredita no amor, você é o amor. É somente quando não há alegria, quando não há felicidade que você tenta buscá-lo. Você está buscando Deus porque diz a si mesmo: “Não consigo compreender esta vida com sua miséria, injustiça, explorações e crueldades, com seu amor mutável e suas constantes incertezas. Se eu puder compreender a realidade que é Deus, então todas essas coisas passarão.”
Para um homem na prisão, a liberdade só pode existir em um voo imaginativo. Sua busca pela realidade, por Deus nada mais é do que uma fuga do presente. Se você começar a se libertar da causa do sofrimento, começar a libertar a mente das brutalidades da ambição e do sucesso pessoal, do desejo por segurança individual, então haverá Verdade, realidade. Então você não perguntará a ninguém se Deus existe. A busca por Deus para a grande maioria das pessoas nada mais é do que um escape do conflito, do sofrimento. Elas chamam esse escape de religião, de busca pela eternidade. Mas o que elas realmente estão buscando é apenas uma droga para fazê-las dormir.
A causa fundamental do sofrimento do homem é seu egoísmo, que se expressa de muitas maneiras, essencialmente em sua busca por segurança através da imortalidade, possessividade e autoridade. Quando a mente estiver livre dessas causas que criam conflito, então você compreenderá, sem crenças, aquilo que é imensurável, aquilo que é realidade. Uma mente cheia de crenças, de preconceitos, uma mente preparada não pode descobrir o desconhecido. A mente deve estar completamente nua, sem nenhum apoio, anseio ou esperança; então existirá a realidade, que não pode ser medida por palavras.
Portanto, não busque em vão aquilo que é, mas descubra os impedimentos, os obstáculos que impedem a mente de perceber a Verdade. Quando a mente está criativamente vazia, há o imensurável.
Pergunta: O que é imortalidade?
Krishnamurti: Para compreender a imortalidade e seu significado real, sua mente deve estar livre de todo preconceito religioso. Ou seja, você já tem uma ideia do que deve ser a imortalidade, que é o resultado do desejo intenso de continuar como uma consciência limitada. Todas as religiões do mundo prometem essa imortalidade egoísta. Se você quiser compreender a imortalidade, sua mente deve estar livre desse desejo por continuidade individual.
Agora, quando você diz que o “eu” deve continuar, o que é esse “eu”? O “eu” nada mais é do que a forma, o nome, certas qualidades e memórias, certos medos, preconceitos, desejos limitados e ações não realizadas. Tudo isso compõe o “eu”, que se torna aquela consciência limitada, o ego. Você deseja que essa consciência limitada continue. Ou seja, quando você pergunta se existe imortalidade, você está perguntando se o “eu” continuará, aquele “eu” que é inerentemente uma consciência frustrada.
Em outras palavras, em momentos verdadeiramente criativos de pensamento, ou de expressão, não há consciência como o “eu”. É somente em momentos de conflito, de sofrimento que a mente se torna consciente de sua própria limitação, que chamamos de “eu”. E nos acostumamos tanto à limitação que ansiamos por sua continuidade, pensando que isso é a imortalidade. Portanto, qualquer um que lhe garanta essa imortalidade se torna sua autoridade. De forma grosseira ou sutil, essa autoridade começa a explorar você através do medo. Portanto, vocês que buscam essa imortalidade egoísta e ilusória estão criando exploradores com todas as suas crueldades. Mas se vocês estiverem realmente livres dessa consciência limitada com suas ilusões, esperanças e medos, então haverá o movimento eterno, o devir contínuo, não do “eu”, mas da própria vida.
Pergunta: Você não acha que qualquer movimento ou revolta social que consiga educar a geração mais jovem sem nenhuma ideia religiosa ou pensamento sobre o além é um passo positivo no progresso humano?
Krishnamurti: As ideias religiosas não se limitam apenas ao além. É algo muito mais profundo. O desejo de estar seguro dá origem ao pensamento sobre o além e a muitas outras sutilezas que criam medo. E para se livrar disso é preciso grande discernimento. Somente uma mente insegura compreenderá a Verdade. Uma mente que não está preparada, uma mente que não está condicionada pelo medo estará aberta ao desconhecido. Portanto, vamos nos preocupar com as limitações e suas causas.
A pergunta é: podemos educar as crianças para não buscarem segurança? Agora, para educar outra pessoa, você deve começar por si mesmo. Você está fundamentalmente livre dessa ideia de segurança? Você está totalmente vulnerável à vida, sem nenhum muro de autoproteção? Para descobrir isso, comece a ficar consciente, comece a questionar todos os valores que agora enclausuram a mente. Então você descobrirá, através do seu próprio despertar inteligente, o verdadeiro significado da segurança.
26/06/1935.