https://jkrishnamurti.org/content/ojai-7th-public-talk-24th-june-1934/

                                                                                                           Sétima palestra em The Oak Grove, Ojai, California

Vamos por um momento, pelo menos mentalmente, olhar para o mundo de um ponto de vista que revelará o funcionamento interno e externo do homem, suas criações e batalhas. E se vocês puderem fazer isso mentalmente por um momento, o que vocês veem se abrir diante de vocês? Vocês veem o homem aprisionado por inúmeros muros, muros de religiões, de limitações sociais, políticas e nacionais, muros criados pelas suas próprias ambições, aspirações, medos, esperanças, seguranças, preconceitos, ódio, amor. Ele é mantido dentro dessas barreiras e prisões, limitado pelos mapas coloridos das fronteiras nacionais, antagonismos étnicos, lutas de classes e distinções culturais de grupos. Vocês veem o homem em todo o mundo aprisionado, enclausurado pelas limitações, pelos muros de sua própria criação. Através desses muros e prisões, ele tenta expressar o que sente e pensa e funciona com prazer e sofrimento.

Então vocês veem o homem em todo o mundo como um prisioneiro, enclausurado dentro dos muros de sua própria criação, dentro dos muros que ele mesmo criou. E através dessas prisões, dessas paredes do ambiente, através das limitações de suas ideias, ambições e aspirações, ele tenta funcionar, às vezes com êxito, às vezes com uma luta terrível. E o homem que consegue se sentir confortável nessa prisão chamamos de “homem bem-sucedido”, enquanto o homem que sucumbe nela chamamos de “fracassado”. Mas tanto o sucesso como o fracasso estão dentro dos muros dessa prisão.

Agora, quando vocês olham para o mundo dessa maneira, vocês veem o homem nessa limitação, enclausurado. E o que é esse homem, o que é essa individualidade? O que é esse ambiente, o que são essas ações? É sobre isso que quero falar esta manhã.

Antes de tudo, o que é individualidade? Quando vocês dizem: “Eu sou um indivíduo”, o que vocês querem dizer com isso? Acho que vocês querem dizer com individualidade, sem dar explicações filosóficas ou metafísicas sutis, a consciência da separação e a expressão daquela consciência separada que vocês chamam de “autoexpressão”. Isto é, a individualidade é o pleno reconhecimento, a plena consciência do pensamento dividido, da emoção dividida, limitada e presa à escravidão do ambiente. E a expressão desse pensamento limitado e desse sentimento limitado, que são essencialmente a mesma coisa, vocês chamam de “autoexpressão”. Essa autoexpressão do indivíduo, que nada mais é do que a consciência da separação, é forçada, compelida pelas circunstâncias a tomar algum canal específico de ação ou, apesar das circunstâncias, ela expressa inteligência, que é uma vida criativa. Isto é, como indivíduo, ele se tornou consciente da sua ação separativa. Ele é compelido, forçado, limitado, obrigado a funcionar de uma certa forma sem escolha. A maioria das pessoas é forçada a trabalhar, a atividades e a ocupações que não são adequadas. Elas passam o resto da existência lutando contra as circunstâncias e, portanto, desperdiçam todas as suas energias na batalha, na dor, no sofrimento e, ocasionalmente, no prazer. Ou o homem rompe as limitações do ambiente porque compreende todo o seu significado, vive de forma inteligente, criativa, seja no mundo da arte, da música, da ciência ou das profissões, sem o sentido de separação através da autoexpressão.

Essa expressão de inteligência criativa é muito rara e, embora tenha a aparência de individualidade ou separatividade, ela para mim não é individualidade, mas sim inteligência. Onde existe verdadeira inteligência funcionando não existe a consciência de individualidade. Mas onde há frustração, esforço, luta contra as circunstâncias existe a consciência de individualidade, que não é inteligência.

O homem que funciona de forma inteligente e que, portanto, está livre das circunstâncias, nós chamamos de “homem criativo, divino”. Para um homem que está aprisionado, o homem livre, o homem inteligente é como um Deus. Portanto, não precisamos discutir sobre o homem que é livre, porque não estamos preocupados com ele. A maioria das pessoas não está preocupada com ele. E eu não vou tratar da liberdade porque a liberdade, a divindade só pode ser compreendida, realizada quando você sai da prisão. Vocês não podem compreender a divindade estando na prisão. Portanto, é totalmente inútil, meramente metafísico ou filosófico, discutir o que é libertação, divindade, o que é Deus; porque o que vocês podem discernir agora como Deus é limitado, já que suas mentes estão limitadas, em escravidão, portanto não vou descrever isso.

Enquanto essa expressão espontânea e inteligente que chamamos de vida, que é aquela realidade extraordinária, for impedida, haverá apenas a acentuação da autoconsciência. Quanto mais vocês lutam contra o ambiente sem compreendê-lo, mais vocês lutam contra as circunstâncias, mais vocês se tornam conscientes, nesse esforço, de sua limitação.

Por favor, não suponham que o oposto dessa consciência limitada seja a aniquilação completa, um funcionamento mecânico ou a atividade de grupo. Estou lhes mostrando a causa da individualidade, como ela surge. Mas com a dissipação, com o desaparecimento dessa consciência limitada, isso não significa que vocês se tornam mecânicos ou que haja um funcionamento coletivo através do foco de um único indivíduo dominante. Porque a inteligência é livre do particular, que é o individual, bem como do coletivo – pois, afinal, o coletivo é apenas a multiplicidade de indivíduos. Assim, há o desaparecimento dessa consciência limitada que chamamos de individualidade, mas isso não significa que vocês se tornam mecânicos, coletivos. Mas sim que há inteligência, e que a inteligência é cooperativa, não destrutiva, não individualista ou coletiva.

Então, todo homem fica frustrado e consciente de sua própria separação, ele funciona e age no ambiente e através dele, lutando contra ele e fazendo esforços colossais para ajustar, modificar e alterar as circunstâncias. Não é isso que vocês estão fazendo? Vocês estão frustrados em seu amor, em sua ocupação, em suas ações. E na batalha contra suas limitações, sua consciência se torna aguçada, e então vocês começam a modificar, a alterar as circunstâncias, o ambiente. Assim, o que acontece? Vocês apenas aumentam os muros de resistência, pois a modificação, a alteração nada mais é do que o resultado da falta de compreensão. Quando vocês compreendem, vocês não buscam modificar, alterar, reformar.

Assim, na modificação, no ajustamento, na alteração, nos seus esforços para romper as limitações, os muros, existe o que vocês chamam de atividade. Para a grande maioria das pessoas, a ação nada mais é do que a modificação do ambiente. E essa ação leva ao alargamento dos muros da prisão ou à limitação do ambiente. Se vocês não compreendem alguma coisa e simplesmente tentam modificá-la, sua ação vai aumentar as barreiras, vai construir novos conjuntos de obstáculos, seus esforços apenas aumentará a prisão. E essas barreiras, esses muros, o homem chama de ambiente. E o funcionamento dentro deles, ele chama de ação.

Eu me pergunto se expliquei isto: sem compreender o significado do ambiente, o homem luta para alterar, modificar o ambiente e, portanto, apenas aumenta os muros da prisão, embora pense que os removeu. Esses muros são um ambiente em constante mudança. E a ação, para ele, é apenas a modificação do ambiente.

Portanto, nunca há uma liberação, uma completude, nunca há uma riqueza na ação. Existe apenas um medo crescente, não uma realização. A multiplicação dos problemas é todo o processo da existência do indivíduo, de si mesmo. Você pensa que resolveu um problema e, em seu lugar, surge outro. E assim você continua até o fim da vida. E quando não há problema algum, então você chama isso de morte. Quando não há possibilidade de mais problemas, naturalmente isso, para vocês, é aniquilação, morte.

E, novamente, o seu afeto, o seu amor não nasce do medo e é cercado pelo ciúme, pela suspeita e oprimido pela possessividade, pela tristeza? Esse amor nasce do desejo de possuir, da insuficiência, nasce da incompletude. E esse pensamento é apenas a reação à limitação, ao ambiente, não é? Quando vocês dizem: “Eu penso, eu sinto”, vocês estão reagindo ao ambiente, não tentando penetrar nele. Mas a inteligência é o processo de penetrar no meio, não reagir ao meio. Isto é, quando vocês dizem: “Eu penso”, vocês querem dizer que têm certos conjuntos de ideias, crenças, dogmas e credos. Assim como um animal amarrado a um poste se movimenta apenas dentro da extensão de sua corda, também vocês se movimentam apenas dentro das limitações dessas crenças, dogmas e credos. Certamente, isso não é pensamento. Isso é apenas ter reações à escravidão, às crenças, aos dogmas, aos credos. Essas reações produzem um esforço, um conflito. E esse conflito vocês chamam de pensamento, mas é apenas como dar voltas dentro dos muros de uma prisão. Sua ação é apenas a reação a essa prisão, produz mais medo, mais limitação, não é?

Quando falamos sobre ação, o que queremos dizer? O movimento dentro da limitação do ambiente, aquele movimento confinado a uma ideia fixa, a um preconceito fixo, a uma crença, dogma ou credo fixo. Tal movimento dentro dessa limitação, vocês chamam de ação. Assim, quanto mais vocês agem, menos inteligentes e livres vocês se tornam; porque vocês sempre têm esse ponto fixo de segurança, de certeza, esse dogma ou credo. E quando vocês começam a agir a partir disso, vocês estão apenas criando mais limitações, mais muros de restrição naturalmente. Assim, sua ação não é criativa, não nasce da inteligência, que é a própria completude. Então não há alegria, êxtase, plenitude de vida, amor.

Assim, não tendo essa inteligência criativa que é a compreensão do ambiente, o homem começa a brincar dentro dos muros da prisão, ele começa a embelezá-la, a decorá-la, a ficar confortável dentro dos seus muros, ele pensa e espera trazer beleza para essa prisão feia. Portanto, ele começa a reformar, ele procura sociedades que falam de fraternidade, mas que também estão dentro da prisão; ele tenta se tornar livre permanecendo possessivo. Então, esse embelezamento, essas reformas, brincadeiras, essa busca por conforto dentro dos muros da prisão, ele chama de viver, funcionar, agir. E como não há inteligência, um êxtase criativo de vida, ele é sempre esmagado pela falsa estrutura que criou. Assim ele começa a se conformar à prisão porque vê que não pode alterar, não pode quebrar essas limitações. Porque ele não tem o desejo ou a intensidade de sofrimento que acaba com a prisão, ele se conforma a ela e foge para o romantismo ou escapa através da glorificação de seu próprio ego. Agora, essa glorificação de si mesmo, ele chama de religião, espiritualismo, ocultismo, seja científico ou hipotético.

Não é isso que cada um faz? Por favor, isso não se aplica a vocês? Não digam que isso se aplica ao indivíduo que estamos observando do topo do mundo. Esse indivíduo é vocês mesmos, seu próximo, cada um de vocês. Portanto, enquanto falo sobre essas coisas, não olhem para os seus vizinhos nem pensem em algum amigo distante, o que é apenas uma fuga imediata. Em vez disso, enquanto estou falando, deixem que o espelho da inteligência seja criado à frente de vocês para que vocês possam ver suas imagens, sem distorções, sem viés e com clareza. A partir dessa clareza nascerá a ação, não o pensamento letárgico ou a mera modificação do ambiente.

Novamente, se vocês não forem imaginativos ou românticos, se não buscarem o que é chamado de Deus ou religião, vocês criarão ao seu redor um furacão de confusão, vocês se tornarão inventores de esquemas, começarão a reformar o ambiente, a alterar os muros da prisão e aumentarão ainda mais as atividades nela.

Vocês começam, se não são imaginativos, românticos ou místicos, a criar uma atividade cada vez maior dentro dessa prisão, chamando-se de reformadores e, portanto, criam limitações, restrições e caos cada vez maiores nela. Portanto, temos divisões não naturais chamadas de religiões e nacionalidades, causadas ou criadas por exploradores e perpetuadas para sua própria profissão e vantagem.

Agora, o que é religião? Qual é a função da religião tal como ela é? Não imaginem alguma religião maravilhosa, verdadeira e perfeita, estamos discutindo o que existe, não o que deveria existir. O que é essa religião da qual o homem se tornou escravo, da qual sucumbiu de forma estúpida, com tremendo desespero para ser oprimido no altar pelo explorador? Como isso foi criado? Foi o indivíduo que criou através do desejo de sua própria segurança, o que cria o medo naturalmente. Quando vocês começam a busca pela própria segurança através do que chamam de espiritualidade, o que é falso, vocês têm medo. Quando a mente busca segurança, o que ela espera? Ter a certeza de uma condição em que possa estar à vontade, um ponto de certeza a partir do qual possa pensar, agir e viver perpetuamente. Mas uma mente que busca certeza nunca está segura. É a mente que não busca certeza que é segura. É a mente que não tem medo, que vê a futilidade de um objetivo, de uma culminação, de uma conquista que vive de forma inteligente e, portanto, ela é segura, imortal.

Assim, a busca por segurança cria o medo e, a partir do medo, nasce o desejo por credos e crenças para afastá-lo. Com suas crenças, credos, dogmas e autoridades, vocês colocam o medo em segundo plano. Para afastá-lo, vocês buscam guias, mestres, sistemas, porque esperam que seguindo-os, obedecendo-os, imitando-os vocês terão paz, conforto. 

Não acenem com a cabeça em aprovação, porque todos vocês estão nesse caos, todos vocês estão envolvidos nisso. Vocês só podem acenar com a cabeça em aprovação quando estiverem livres disso. Me ouvindo e balançando a cabeça, vocês demonstram mera aprovação intelectual de uma ideia que estou expressando, e que valor tem isso?

Onde há desejo por segurança, há medo e, portanto, a mente e o coração procuram formadores espirituais para aprenderem com eles formas de fuga. O indivíduo, através do medo, procura esses formadores espirituais; a quem chama de sacerdotes e swamis, que são os defensores da falsa espiritualidade e das inanidades da religião. Naturalmente, a função dos formadores espirituais é criar entretenimento para vocês e, portanto, eles inventam cerimônias, disciplinas, adorações. Tudo isso aparenta ter uma bela expressão, mas degenera em superstição. Isso é apenas desonestidade sob a aparência do serviço.

A disciplina é apenas uma forma de ajustamento a um ambiente de um tipo diferente, mas a batalha continua constantemente dentro de você. E a veneração, que na realidade é tão amável, que é afeto, o próprio amor, torna-se objetivado, explorado, sem qualquer significado ou valor.

Naturalmente, a partir de todo esse medo nasce a busca pela segurança, a busca por Deus ou verdade. Vocês conseguirão encontrar Deus? Vocês conseguirão encontrar a verdade? Mas Deus existe, a verdade existe. Vocês não podem encontrar a verdade, vocês não podem encontrar Deus, porque sua busca é apenas uma fuga do medo, sua busca é apenas um desejo por uma culminação. Portanto, quando vocês buscam Deus, vocês estão apenas buscando um lugar de descanso confortável. Certamente, isso não é Deus, não é a verdade, é apenas uma morada, um lugar de estagnação do qual toda a inteligência está banida, onde toda vida criativa está extinta. Para mim, a própria busca pela verdade é a própria negação dela. A mente que não busca uma culminação, uma meta, um objetivo descobrirá a verdade. Assim, a divindade não é um desejo exteriorizado e não realizável, mas é essa inteligência, que é, ela mesma, Deus, beleza, verdade, completude.

Como eu disse, nós criamos divisões não naturais que chamamos de religiões e organizações sociais para a vida humana. Afinal, essas organizações sociais são essencialmente baseadas nas nossas necessidades, nas nossas necessidades de abrigo, alimentação e sexo. Toda a estrutura da nossa civilização se baseia nisso. Mas essa estrutura se tornou tão monstruosa. E nós glorificamos as nossas necessidades tão brutalmente que as nossas necessidades por abrigo, comida e sexo, que são simples, naturais e puras, se tornaram complicadas e feitas de maneira hedionda, cruel, terrível por essa estrutura colossal e decadente que chamamos de sociedade, que o homem criou.

Afinal, descobrir as nossas necessidades em sua simplicidade, em sua naturalidade, em sua pureza, em sua espontaneidade, exige grande inteligência. O homem que descobriu suas necessidades não está mais preso ao ambiente.

Mas porque há tanta exploração, tanta falta de inteligência, tanta brutalidade na glorificação dessas necessidades, essa estrutura que chamamos de nacionalismo, independência econômica, organizações políticas e sociais, divisões de classe, prestígio dos povos e das suas culturas étnicas – essa estrutura existe para a exploração do homem pelo homem, levando-o ao conflito, à desarmonia, à guerra e à destruição. Afinal, este é o propósito de todas as distinções de classe, esta é a função de todas as nacionalidades, governos soberanos, preconceitos étnicos, esta total deterioração e exploração do homem pelo homem, levando-o à guerra.

Agora, é assim que as coisas são, toda essa estrutura, a criação da nossa mente humana que construímos individualmente. Essas monstruosas, cruéis e terríveis distinções sociais e religiosas, que dividem, separam, desunem os seres humanos criaram o caos no mundo. Vocês, como indivíduos, as criaram; elas não surgiram naturalmente, misteriosamente, espontaneamente. Algum Deus milagroso não as criou. Foi o indivíduo quem as criou e só vocês, como indivíduos, podem destruí-las. Se esperarmos por algum outro sistema monstruoso para criar uma condição de vida, então vocês se tornarão escravos novamente dessa nova condição. Nisso não há inteligência nem vida espontânea e criativa.

Como indivíduos, vocês devem começar a perceber o verdadeiro significado do ambiente, seja ele do passado ou do presente. Isto é, perceber o verdadeiro significado das circunstâncias em constante mudança. E na percepção do que é verdadeiro no ambiente há um grande conflito. Mas vocês não desejam conflitos, vocês querem reformas, querem que alguém reforme o ambiente. Como a maioria das pessoas está em conflito e tenta escapar do conflito procurando uma solução, que pode ser apenas uma modificação do ambiente, como a maioria das pessoas está envolvida em conflito, eu digo: “Torne-se intensamente consciente do conflito, não tente escapar dele, não tente buscar soluções para ele”. Então, nesse estado aguçado de sofrimento, vocês discernirão o verdadeiro significado do ambiente. Nessa clareza de pensamento não há engano, segurança, recusa nem limitação.

Isso é inteligência. E essa inteligência é ação pura. Quando a ação nasce da inteligência, quando a ação é, em si, inteligência, então não procuramos a inteligência nem a adquirimos através da ação. Assim, existe completude, suficiência, riqueza, a realização da eternidade que é Deus. E essa completude, essa inteligência impede para sempre a criação de barreiras e prisões.

24 de Junho de 1934.