https://jkrishnamurti.org/content/ojai-5th-public-talk-22nd-june-1934

                                                                                                                 Quinta Palestra em Oak Grove, Ojai, Califórnia

Esta manhã, quero falar sobre o medo, que cria, que provoca compulsão, influência.

Agora, dividimos a mente em pensamento, razão, intelecto. Mas, como expliquei em minha última palestra, para mim a mente é inteligência, ela é autocriativa, mas é obscurecida pela memória. A mente, que é inteligência, é obscurecida pela memória e, portanto, se confunde com a consciência do “eu”, que é o resultado do ambiente. Assim, a mente torna-se escrava do ambiente que ela mesma criou através do desejo e, portanto, há medo contínuo. A mente criou o ambiente e, enquanto não compreendermos o ambiente, haverá medo. Nós não damos todo o nosso pensamento ao ambiente e não estamos totalmente conscientes dele, então a mente se torna escrava do ambiente e, portanto, há medo. E a compulsão é o instrumento do medo. Assim, naturalmente, a falta de compreensão do ambiente é provocada por essa falta de inteligência e, como não compreendemos o ambiente, o medo é criado; e o medo provoca influência, seja externa ou interna.

E como é criada esta compulsão contínua, que se tornou o instrumento, este instrumento penetrante do medo? A memória obscurece a mente. Isso eu já disse várias vezes. Ela é o resultado da falta de compreensão do ambiente, o que cria o conflito. E a memória se torna autoconsciência. Essa mente obscurecida, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação do “eu” que é o resultado do ambiente. Então, ao perpetuar o “eu”, a mente busca o ajustamento, alteração ou modificação do ambiente, seu crescimento e expansão. Sabem, a mente está buscando continuamente o ajustamento ao ambiente. Mas o ajustamento ao ambiente não traz compreensão. Nem podemos ver o significado do ambiente tentando mudá-lo ou expandi-lo ou apenas modificando o estado de mente. Porque a mente está continuamente buscando sua própria proteção, ela é obscurecida pela memória e, portanto, ela se confundi, se identifica com a autoconsciência – essa autoconsciência que deseja se perpetuar e, portanto, ela tenta alterar, ajustar, modificar o ambiente. Em outras palavras, a mente busca tornar o “eu”, tal como o considera, imortal, universal e cósmico. Não é assim?

Portanto, a mente, que busca a imortalidade, realmente deseja a continuidade da consciência do “eu”, a perpetuação do ambiente; isto é, enquanto a mente se apegar à ideia da consciência do “eu”, que é apenas a falta de compreensão do ambiente e, portanto, a causa do conflito, ela buscará, nessa limitação, sua própria perpetuação. E essa perpetuação, nós chamamos de imortalidade, ou consciência cósmica, na qual o particular ainda permanece. Enquanto a mente, que é inteligência, for mantida na escravidão da memória, que é a consciência do “eu”, haverá a busca do falso pelo falso. Esse “eu”, como expliquei, é a falsa reação ao ambiente; existe uma causa falsa e ele está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Portanto, quando a mente, obscurecida pela memória, busca perpetuar-se como autoconsciência, ela está buscando uma falsa imortalidade, uma falsa expansão cósmica ou como quiserem chamá-la.

Neste processo de perpetuação do “eu”, dessa memória autopreservada – na perpetuação do “eu” nasce o medo, não o medo superficial, mas o medo fundamental; do qual tratarei agora. Removam esse medo, que tem como expressão externa a nacionalidade, o desenvolvimento, a conquista, o sucesso. Removam esse medo fundamental, a ansiedade pela perpetuação do “eu”, e todos os medos cessarão. Portanto, o medo existirá enquanto houver o desejo pela perpetuação do falso. Esse “eu” é falso, portanto vocês têm uma reação falsa, que é o próprio medo. E onde há medo, há disciplina, compulsão, influência, dominação, a busca pelo poder, que a mente glorifica como algo virtuoso e divino. Se vocês realmente pensarem nisso, verão que onde há inteligência não pode haver a busca pelo poder.

Toda a vida agora é moldada pelo medo e pelo conflito e, portanto, pela compulsão, pela imposição de decretos e impedimentos que alguns consideram virtuosos e dignos, e outros perniciosos e nocivos. Não é mesmo? Essas são as restrições que vocês estabeleceram em sua busca pela perpetuação. Nessa busca, vocês criaram disciplinas, códigos, autoridades. E sua vida é moldada, controlada, modelada pela compulsão em várias formas e graus. Alguns chamam essa compulsão de virtuosa, outros de perniciosa.

Em primeiro lugar, temos a compulsão externa, que é a restrição do ambiente ao indivíduo. A pessoa comum que vocês chamam de não evoluída, não espiritual, é controlada pelo ambiente, pelo ambiente externo, isto é, pela religião, pelos códigos de conduta, por padrões morais, por autoridade política e social. Ela é uma escrava de tudo isso, porque tudo isso está enraizado em suas necessidades econômicas. Não estão? Removam inteiramente as necessidades econômicas das quais o indivíduo depende, então os códigos de conduta, os padrões morais, os valores políticos, econômicos e sociais desaparecem. Portanto, nessas restrições do ambiente externo que criam conflito entre o indivíduo e o próprio ambiente externo, no qual o indivíduo é esmagado, retorcido, corrompido, ele se torna cada vez mais estúpido. O indivíduo que é meramente condicionado o tempo todo pelo ambiente externo, moldado por certas regras, leis, reações, decretos, padrões morais – quanto mais você o esmaga, menos inteligente ele se torna. Mas a inteligência é a compreensão do ambiente, ver seu significado sutil, estando livre de compulsão.

Essas restrições impostas ao indivíduo, que ele chama de ambiente externo, têm como expoentes os charlatões e os exploradores na religião, na moralidade popular, na vida política e econômica. O explorador é a pessoa que usa vocês consciente ou inconscientemente, e vocês se submetem a ela consciente ou inconscientemente porque vocês não compreendem; vocês se tornam o explorado economicamente, socialmente, politicamente e religiosamente, e ela se torna seu explorador. Assim, a vida torna-se uma escola, uma moldura, uma moldura de aço na qual o indivíduo é moldado, na qual ele se torna meramente uma máquina – o indivíduo torna-se apenas uma engrenagem em uma máquina, descuidado e rigidamente limitado. A vida se torna um esforço contínuo, uma batalha e, portanto, ele estabelece esta falsa ideia de que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, a serem adquiridas para que ele possa estar prevenido, para que ele possa enfrentar a vida novamente amanhã, com suas ideias preconcebidas. A vida torna-se apenas uma escola, não uma coisa para ser vivida, desfrutada, para ser vivida em êxtase, de forma plena sem medo.

O ambiente externo força o indivíduo, o esmaga dentro dessa moldura de aço de padrões, de moralidade, de ideias religiosas, de decretos morais. E, como o indivíduo é esmagado externamente, ele busca e foge para um mundo que ele chama de interno. Naturalmente, quando a mente está sendo distorcida, moldada, corrompida pelo ambiente externo e existe conflito externo constante, batalha constante, ajustamentos falsos constantes, a mente anseia tranquilidade, felicidade, um mundo diferente. Assim, o indivíduo constrói um abrigo romântico de fuga no qual ele busca compensação pelos danos e sofrimentos causados pelo mundo exterior.

Por favor, como eu disse, vocês estão aqui para descobrir, para serem críticos, não para se oporem. Vocês podem se opor depois de terem pensado muito cuidadosamente sobre o que eu tenho falado. Vocês podem colocar barreiras se quiserem, mas primeiro descubram completamente o que é isso que eu quero transmitir; e para fazerem isso, vocês devem ser bastante críticos, atentos, inteligentes.

Como eu disse, sendo esmagado por circunstâncias externas que criam sofrimento e, no esforço para escapar dessas circunstâncias, o indivíduo cria um mundo interior, começa a desenvolver uma lei interna e cria suas próprias restrições, que ele chama de autodisciplina ou cooperação com aquilo que ele aprender a chamar de seu “eu” superior.

A maioria das pessoas – as chamadas pessoas espirituais – rejeitou a força externa do ambiente e sua influência, mas desenvolveu uma lei interna, um padrão interno, uma disciplina interna, que elas chamam de trazer o “eu” superior ao inferior; ou seja, em outras palavras, uma mera substituição. Assim, existe autodisciplina. Então existe aquilo que é chamado de voz interior, cujo poder e controle são muito maiores até mesmo do que os exercidos pelo ambiente externo. Mas qual é, afinal de contas, a diferença entre um e outro, o exterior e o interior? Ambos estão controlando, corrompendo a mente, que é inteligência, através deste desejo de autoperpetuação. E vocês têm o que chamam de intuição, que é a apenas a realização irrestrita de suas próprias esperanças e desejos secretos. Portanto, vocês preencheram o mundo interior, o que vocês chamam de mundo interior, com tudo isto: autodisciplina, voz interior, intuição. Tudo isso, se vocês pensarem bem, são formas sutis do mesmo conflito, carregadas para um mundo diferente, no qual não há compreensão, mas que existe apenas uma modelagem, um ajustamento a um ambiente mais sutil, que vocês chamam de espiritual.

Sabem, no mundo exterior alguns procuraram e encontraram distinções sociais e, da mesma forma, as chamadas pessoas espirituais procuram isso neste mundo interior, e encontram seus pares espirituais e superiores geralmente. E, novamente, como existe conflito exterior entre os indivíduos, também é criado, neste mundo interior, um conflito espiritual entre ideais, conquistas e os próprios desejos. Então vocês veem o que tem sido criado.

No mundo exterior não há expressão para a mente obscurecida pela memória, para a consciência do “eu” não há expressão, porque o ambiente é muito forte, muito poderoso, esmagador; nele você tem que se encaixar no molde ou é esmagado. Assim, vocês desenvolvem uma forma interior, ou mais sutil, de ambiente, na qual ocorre exatamente o mesmo processo. Esse mundo interior que vocês criaram é uma fuga do ambiente exterior. E lá, novamente, vocês têm padrões, leis morais, intuições, o “eu” elevado, a voz interior; e vocês estão se ajustando constantemente a eles. Isso é um fato.

Em essência, essas restrições que chamamos de exterior e interior, nascem do desejo e, portanto, existe o medo. E a partir do medo vem a restrição, a compulsão, a influência e o desejo por poder, que são apenas as expressões externas do medo. Onde há medo não há inteligência. E enquanto não compreendermos isso, haverá esta divisão na vida entre o exterior e o interior e, portanto, nossas ações sempre serão influenciadas, compelidas pelo exterior e, portanto, falsas ou compelidas pelo interior, o que é igualmente falso, porque interiormente também você está meramente tentando se ajustar a outros determinados padrões.

O medo é criado quando o falso busca uma perpetuação de si mesmo no falso ambiente. E então o que acontece com nossa ação, que é nossa conduta diária, com nosso pensamento e emoções, o que está acontecendo com eles?

A mente e o coração estão se moldando ao ambiente, ao ambiente externo, mas quando eles descobrem que não podem, pois a compulsão se torna muito forte, então eles se voltam para uma condição interna na qual a mente o coração buscam perfeito bem-estar e satisfação. Ou eles se satisfizeram completamente por meio de conquistas econômicas, sociais, religiosas ou políticas, e então eles se voltam para o interior para também ter sucesso, para serem bem-sucedidos, para alcançar; e para alcançar, eles devem ter sempre um objetivo, uma meta, que se torna a condição à qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

E nesse meio-tempo, o que acontece com nossos sentimentos, nossas emoções, com nossos pensamentos, nosso amor, com nossa razão? O que acontece quando vocês estão meramente se ajustando, quando estão simplesmente modificando, alterando? O que acontece com qualquer coisa – o que acontece com uma casa cujas paredes vocês estão apenas decorando, mas suas fundações estão podres? Da mesma forma, nossos pensamentos e emoções estão apenas se modelando, se alterando, se modificando segundo um padrão, seja o padrão externo ou interno ou estão de acordo com uma compulsão externa ou uma direção interna. Tão grandemente nossas ações estão sendo limitadas pela influência, que toda a nossa razão se torna apenas a imitação de um padrão, um ajustamento a uma condição, e o amor se torna apenas outra forma de medo. Toda a nossa vida – afinal, a nossa vida são nossos pensamentos e emoções, nossas alegrias e nossas dores – toda a nossa vida permanece incompleta, todo o nosso processo de pensamento, ou a expressão dessa vida, é meramente um ajustamento, uma modificação, nunca uma plenitude, uma completude. E daí surge problema após problema, o ajustamento ao ambiente que está em constante mudança, a conformidade com os padrões, aos quais também variam. Assim, vocês prosseguem com essa batalha. E essa batalha vocês chamam de evolução, o desenvolvimento do ego, a expansão dessa consciência, que é apenas memória. Vocês inventaram palavras para pacificarem suas mentes, mas continuam nessa luta.

Agora, se vocês realmente refletirem sobre isso – e eu acho que vocês têm uma oportunidade durante estes dias, aqueles de vocês que permanecem quietos aqui; se vocês reconhecerem isso sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar – tomem consciência desse ambiente externo, dessas circunstâncias, dessas condições e do mundo interior no qual existem as mesmas condições, os mesmos ambientes, que vocês apenas chamam por nomes mais sutis, por nomes mais adoráveis. Se vocês realmente se tornarem conscientes disso, então começarão a compreender o verdadeiro significado do exterior e do interior, haverá uma percepção imediata, a libertação da vida, assim a mente se torna inteligente e pode funcionar naturalmente, criativamente sem essa batalha constante. Então a mente, a inteligência reconhece os obstáculos e, por causa da compreensão desses obstáculos, ela penetra, não há ajustamento nem modificação, existe apenas compreensão. Portanto, a inteligência não depende do exterior ou do interior e, nessa consciência, não há desejo nem ânsia, mas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro não pode haver desejo.

Sabem, quando há desejo, a mente já está obscurecida, já está corrompida, porque a mente se identifica com um e rejeita o outro. Onde há desejo não há compreensão. Porém, quando a mente não se identifica com o “eu”, mas se torna consciente tanto do exterior quanto do interior, das sutis divisões, das várias emoções, das delicadas nuances da mente se dividindo como memória e inteligência, então nessa conscientização, vocês verão todo o significado do ambiente que criamos ao longo dos séculos, desse ambiente que chamamos de externo e do outro que chamamos de interno, ambos que estão mudando continuamente, se ajustando um ao outro.

Tudo com o que vocês estão preocupados agora é com a modificação, alteração, ajustamento e, portanto, há medo. O medo tem como instrumento a compulsão. E a compulsão só existe quando não há compreensão, quando a inteligência não está funcionando normalmente.

22 de junho de 1934.