https://jkrishnamurti.org/content/ojai-1st-public-talk-16th-june-1934

                                                                                                                 Primeira Palestra em Oak Grove, Ojai, Califórnia

É meu propósito, durante estas palestras, não fornecer um sistema de pensamento, mas despertar o pensamento. E para fazer isso, vou fazer certas afirmações, não dogmáticas naturalmente. E espero que vocês considerem tais afirmações; e ao considerá-las, surgirão muitas perguntas; se vocês gentilmente me fizerem essas perguntas, tentarei respondê-las e, assim, poderemos discutir mais o que tenho a dizer.

Eu me pergunto, por que a maioria de vocês vem aqui? Presumivelmente, vocês estão buscando algo. E o que estão buscando? Vocês não podem responder a essa pergunta naturalmente, porque sua busca varia, o objeto de sua busca varia; o objeto de sua busca está mudando constantemente, então vocês definitivamente não sabem o que procuram, o que querem. Mas vocês, infelizmente, estabeleceram o hábito de irem de um suposto professor espiritual para outro, de se juntarem a várias organizações, sociedades e seguirem sistemas; em outras palavras, tentarem descobrir o que lhes dá mais satisfação, excitação.

Este processo de ir de uma escola de pensamento para outra, de um sistema de pensamento para outro, de um Mestre para outro, vocês chamam de busca pela verdade. Em outras palavras, vocês estão indo de uma ideia para outra, de um sistema de pensamento para outro, acumulando, esperando compreender a vida, tentando penetrar seu significado, suas disputas e cada vez declarando que encontraram algo.

Agora, espero que vocês não digam, ao final de minhas palestras, que encontraram algo, porque no momento em que vocês encontram algo, já estão perdidos; porque isso será uma âncora à qual a mente vai se apegar e, portanto, aquele movimento eterno, esta busca verdadeira da qual vou falar, cessa. E a maioria das mentes está procurando com um objetivo definido, está com esse desejo estabelecido de encontrar, e uma vez estabelecido esse desejo, vocês encontrarão algo. Mas não será algo vivo, será uma coisa morta e, portanto, vocês a deixarão de lado para se voltar para outra; e este processo de escolher, descartar continuamente, vocês chamam de aquisição de sabedoria, aquisição de experiência ou verdade.

Provavelmente, a maioria de vocês veio aqui com essa atitude, consciente ou inconscientemente, então seu pensamento é despendido apenas na busca de esquemas e confirmações, no desejo de se juntar a um movimento ou formar grupos, sem a clareza fundamental ou não tentando compreender o que essas coisas fundamentais da vida significam. Então, como eu disse, não estou apresentando um ideal a ser imitado, uma meta a ser alcançada, mas meu propósito é despertar aquele pensamento pelo qual a mente possa se libertar dessas coisas que estabelecemos, que tomamos como certas, como verdadeiras.

Agora, cada pessoa tenta imortalizar o produto do meio; aquilo que é o resultado do ambiente, tentamos eternizar. Isto é, os vários medos, esperanças, anseios, preconceitos, gostos, visões pessoais, tudo isso que glorificamos como nosso temperamento são, afinal, o resultado, o produto do ambiente; e o feixe dessas memórias, que é o resultado do meio, o produto das reações ao ambiente, esse feixe torna-se aquela consciência que chamamos de “eu”. Não é assim? Toda disputa é entre o resultado do meio, com o qual a mente se identifica e se torna o “eu”, e o próprio ambiente. Afinal, o “eu”, a consciência com a qual a mente se identifica, é resultado do meio. A disputa ocorre entre esse “eu” e o ambiente em constante mudança.

Vocês estão continuamente buscando a imortalidade para este “eu”. Em outras palavras, a falsidade tenta se tornar o real, o eterno. Quando vocês compreendem o significado do ambiente, não há reação e, portanto, não há conflito entre a reação, ou seja, não há conflito entre o que chamamos de “eu” e o criador da reação, que é o ambiente. Assim, esta busca pela imortalidade, este desejo de serem permanentes, de perdurarem, é chamado de processo de evolução, de processo de alcançar a verdade, Deus ou a compreensão da vida. E qualquer um que lhes ajudem nisso, que lhes ajudem a imortalizarem a reação que chamamos de “eu”, vocês fazem dele seu redentor, seu salvador, seu Mestre, seu professor e seguem seu sistema. Vocês o seguem refletindo ou não refletindo; com reflexão é quando vocês pensam que o estão seguindo com inteligência, porque ele irá levá-los à imortalidade, à realização desse êxtase. Isto é, vocês querem que outro imortalize para vocês essa reação, que é o resultado do meio e é, em si, inerentemente falsa. A partir do desejo de imortalizar o que é falso, vocês criam religiões, sistemas e divisões sociológicas, métodos políticos, panaceias econômicas e padrões morais. Então, gradualmente, neste processo de desenvolvimento de sistemas para tornar o indivíduo imortal, duradouro, seguro, o indivíduo se perde completamente e entra em conflito com as criações de sua própria busca, com as criações que nascem de seu desejo de estar seguro, que ele chama de imortalidade.

Afinal, por que as religiões devem existir? As religiões como divisões de pensamento cresceram, têm sido glorificadas e alimentadas por conjuntos de crenças; porque existe este desejo de realizar, de alcançar, de ser imortal.

E, novamente, os padrões morais são apenas criações da sociedade, para que o indivíduo possa ser mantido em sua escravidão. Para mim, a moralidade não pode ser padronizada. Não pode haver moralidade e padrões ao mesmo tempo. Só pode haver inteligência, que não pode ser padronizada. Mas trataremos disso em minhas palestras posteriores.

Assim, esta busca contínua em que cada um de nós está envolvido, a busca pela felicidade, pela verdade, pela realidade, pela saúde, esse desejo contínuo é cultivado por cada um de nós a fim de estarmos seguros, sermos permanentes. E dessa busca por permanência, há conflito; conflito entre o resultado do meio, que é o “eu”, e o próprio ambiente.

Agora, se vocês pensarem nisso, o que é o “eu”? Quando vocês falam sobre o “eu”, o “meu”, “minha casa”, “meu divertimento”, “minha esposa”, “meu filho”, “meu amor”, “meu temperamento”, o que é isso? Nada mais é do que o resultado do ambiente; e existe um conflito entre esse resultado, o “eu”, e o meio em si. O conflito só pode e deve existir inevitavelmente entre o falso e o falso, não entre o verdadeiro e o falso. Não é assim? Não pode haver conflito entre o que é verdadeiro e o que é falso. Mas só pode haver conflito e deve haver conflito entre duas coisas falsas, entre os graus de falsidade, entre os opostos.

Portanto, não pensem que esta luta entre o ego e o meio, que vocês chamam de luta verdadeira, é real. Não existe uma luta acontecendo em cada um de vocês, entre vocês e seu ambiente, suas circunstâncias, seu marido, sua esposa, filho, vizinho, sua sociedade, suas organizações políticas? Não há uma constante batalha acontecendo? Vocês consideram essa batalha necessária a fim de ajudá-los a alcançarem a felicidade, a verdade, a imortalidade ou o êxtase. Em outras palavras, o que vocês consideram ser verdadeiro é apenas autoconsciência, o “eu”, que está o tempo todo tentando se tornar imortal; e eu digo que esse ambiente é o movimento contínuo do falso. Este movimento do falso se torna seu ambiente em constante mudança, que é chamado de progresso, evolução. Portanto, para mim, a felicidade ou verdade ou Deus não pode ser encontrado através do resultado do meio, do “eu”, com suas condições em constante mudança.

Tentarei explicar outra vez de forma diferente. Existe um conflito do qual cada um de vocês está consciente, o conflito entre vocês e o ambiente, o conflito entre vocês e as condições. Vocês dizem para si próprios: “Se eu puder conquistar o meio, superá-lo, dominá-lo, eu descobrirei, eu compreenderei”. Assim, há essa batalha contínua acontecendo entre vocês e o meio.

Agora, o que é “você”? É apenas o resultado, o produto do meio. Então, o que vocês estão fazendo? Vocês estão combatendo uma coisa falsa com outra coisa falsa; e o ambiente será falso enquanto vocês não compreendê-lo. Portanto, o ambiente está produzindo essa consciência que vocês chamam de “eu”, que está constantemente tentando se tornar imortal. E para torná-lo imortal deve haver muitos caminhos, muitas maneiras e, portanto, vocês têm as religiões, sistemas, filosofias, todos os transtornos e barreiras que vocês criaram. Portanto, deve haver conflito entre o resultado do ambiente e o meio em si; e, como eu disse, só pode haver conflito entre o falso e o falso, nunca entre o verdadeiro e o falso. Considerando que, em suas mentes existe esta ideia firmemente estabelecida de que nesta luta entre o resultado do ambiente, que é o “eu”, e o meio, reside o poder, a sabedoria, o caminho para a eternidade, para a realidade, a verdade, a felicidade.

Nossa preocupação vital deve ser com este meio, não com o conflito, não como superá-lo, como fugir dele. Questionando o meio e tentando compreender seu significado, descobriremos seu verdadeiro valor, não é? A maioria de nós está envolvida, presa no processo de tentar superar, no processo de tentar fugir das circunstâncias; não estamos tentando descobrir o que o ambiente significa, qual é sua causa, seu significado, seu valor. Quando vocês veem o significado do ambiente, isso significa uma ação drástica, uma tremenda reviravolta em sua vida, uma mudança completa e revolucionária de ideias, na qual não existe autoridade nem imitação. Mas muito poucos estão dispostos a ver o significado do meio, porque isso significará uma mudança, uma mudança radical, uma mudança revolucionária, e muito poucas pessoas querem isso. Assim, a maioria das pessoas, um grande número de pessoas, está preocupada em fugir do ambiente; elas o encobrem ou tentam encontrar novas substituições, livrando-se de Jesus Cristo e estabelecendo um novo salvador, buscando novos Mestres no lugar dos antigos, mas elas nunca investigam se realmente precisam de um guia. Só isso ajudaria, só isso daria o verdadeiro significado dessa exigência particular.

Portanto, onde existe uma busca por substituição, existe autoridade, o seguimento de um líder e, portanto, o indivíduo se torna apenas uma engrenagem na máquina social e religiosa da vida. Se vocês olharem com cuidado, verão que sua busca nada mais é do que uma busca por conforto, segurança e fuga; não é uma busca por compreensão, não é uma busca pela verdade, mas sim uma procura por evasão e, portanto, uma demanda de conquistar todos os obstáculos; afinal, toda conquista é apenas substituição, e na substituição não há compreensão.

Há fugas através das religiões, com seus decretos, padrões morais, medos, autoridades; e fugas através da autoexpressão, por meio do que vocês chamam de autoexpressão, do que a grande maioria das pessoas chama de autoexpressão, que é apenas a reação contra o ambiente, apenas o esforço de se expressar contra o meio – autoexpressão através da arte, através da ciência, através de várias formas de ação. Aqui não estou incluindo as expressões verdadeiras e espontâneas da beleza, da arte, da ciência; elas são completas em si mesmas. Estou falando do homem que busca essas coisas como um meio de autoexpressão. Um verdadeiro artista não fala sobre sua autoexpressão, ele expressa o que ele sente intensamente de forma natural; mas há tantos artistas espúrios, como as pessoas religiosas espúrias, que estão buscando a autoexpressão como um meio de obter algo, como um meio de obter alguma satisfação que elas não conseguem encontrar no meio em que vivem.

Através dessa busca por segurança e permanência, estabelecemos as religiões com todas as suas futilidades, divisões, explorações como meios de fuga; e esses meios de fuga tornam-se tão vitais, tão importantes, porque enfrentar o ambiente, isto é, enfrentar as condições que nos cercam, exige uma tremenda ação, uma ação voluntária e dinâmica, e muito poucos estão dispostos a fazer isso. Pelo contrário, vocês estão dispostos a serem forçados a uma ação pelo ambiente, pelas circunstâncias; ou seja, se um homem se torna altamente moral e virtuoso através da depressão, vocês dizem: “Como ele é um bom homem, como ele mudou”. Para essa mudança, vocês dependem do ambiente; e enquanto houver dependência do meio para ação correta, existirá meios de fuga, substituições, chamem isso de religiões ou o que quiserem. Considerando que, para o verdadeiro artista, que também é verdadeiramente espiritual, existe a expressão espontânea, que em si é suficiente, completa, inteira.

Então, o que vocês estão fazendo? O que está acontecendo com cada um de vocês? O que vocês estão tentando fazer em suas vidas? Vocês estão buscando; e o que estão buscando? Existe um conflito entre vocês e o constante movimento do ambiente. Vocês estão buscando um meio de superar esse ambiente, de modo a perpetuar seu próprio “eu”, que é apenas o resultado desse meio. Ou porque vocês foram frustrados com muita frequência pelo ambiente, o que os impede de se autoexpressarem, como vocês dizem, então vocês procuram novas formas de autoexpressão, através de serviços humanitários, através de ajustes econômicos e todo o resto.

Cada pessoa tem que descobrir o que está buscando; se ela não está buscando, então há satisfação e decadência. Se existe conflito, há o desejo de superá-lo, de fugir dele, de dominá-lo. E como eu disse, o conflito só pode existir entre duas coisas falsas, entre essa suposta realidade que vocês chamam de “eu”, que para mim nada mais é do que o resultado do meio, e o ambiente. E se sua mente está meramente preocupada com a superação dessa luta, então vocês estão perpetuando a falsidade e, portanto, há mais conflito, mais sofrimento. Mas se vocês compreenderem o significado do meio, isto é, a riqueza, a pobreza, a exploração, opressão, nacionalidades, religiões e todas as futilidades da vida social na existência moderna, não tentarem superar isso, mas verem seu significado, então haverá ação individual e uma revolução completa de ideias e pensamento. Então não haverá mais luta, mas sim luz dissipando a escuridão. Não há conflito entre a luz e a escuridão. Não existe conflito entre o verdadeiro e o falso. Só há conflito onde há opostos.

16/06/1934.