https://jkrishnamurti.org/content/new-york-city-1st-public-talk-11th-march-1935

                                                                                                                  Primeira Palestra no Town Hall – New York, EUA

Amigos, a maioria de nós está tentando resolver as nossas muitas dificuldades e problemas dentro da distinção artificial que criamos entre o grupo e o indivíduo. Agora, para mim, uma distinção como o indivíduo oposto ao grupo perverte e destrói a clareza de pensamento. E tal perversão levará, naturalmente, a muitas repressões e exageros entre o indivíduo e o grupo.

À medida que procuramos formas e meios de sair deste caos, nos são oferecidos soluções e métodos espertos e complicados. E cada indivíduo escolhe uma solução de acordo com a sua idiossincrasia particular, dependendo da sua educação social e das suas fantasias religiosas.

Não quero acrescentar quaisquer novas teorias ou explicações às já existentes. Para mim, a verdadeira solução dos nossos problemas é através da inteligência, que deve ser direta, simples. Quando existe tal inteligência, então nós podemos compreender a vida como um todo.

Agora, essa inteligência não pode ser despertada seguindo qualquer grupo ou sistema ou obedecendo às próprias idiossincrasias e fantasias. Para despertamos a verdadeira inteligência devemos primeiro investigar as muitas estupidezes que paralisam a mente e o coração e não buscarmos uma definição de inteligência; porque quando descobrirmos o que são estupidezes e libertamos a mente delas através da vigilância constante, então seremos capazes de saber por nós mesmos o que é verdadeira inteligência.

Ao descobrirmos por nós mesmos as limitações que o ambiente colocou em relação a nós e discernirmos o seu verdadeiro significado e, portanto, nos livrarmos das estupidezes, então começaremos a perceber o que é verdadeira inteligência. A expressão dessa inteligência em ação é a imortalidade, é a bem-aventurança de viver no presente.

Vocês têm muitas ideias sobre a completude da vida e a imortalidade. Mas, para mim, essa imortalidade, riqueza, essa plenitude de vida só pode ser compreendida e vivida quando a mente está totalmente livre das limitações, das estupidezes que o ambiente passado e presente, herdado ou obtido está continuamente colocando em relação a nós.

Então, por favor, se posso sugerir, não procurem em mim novas explicações, um conjunto de fórmulas ou definições durante esta palestra. Tais explicações e fórmulas oferecem apenas meios de fugir do conflito. A maioria das mentes deseja copiar, imitar, seguir, porque não conseguem pensar por si mesmas. Ou o conflito é tão intenso que elas preferem escapar através de sistemas, definições, através de explicações. Só estando continuamente conscientes do ambiente, da imposição das suas estupidezes cada vez maiores, somente questionando-as constantemente é que paramos as fugas e ficamos cara a cara com o conflito, o que nos dá a capacidade de compreender o ambiente de forma inteligente.

O que quero explicar durante esta palestra é como nós criamos estupidez; sem compreendermos esta criação contínua e inconsciente, a mera investigação sobre o que é inteligência nos dá apenas outra fuga. Portanto, toda a nossa investigação deve ser dirigida ao que é estupidez e à sua causa, não ao que é inteligência.

Como eu disse, até que tentemos libertar a mente daquelas estupidezes que o ambiente passado e presente criou em relação a nós, com as quais está paralisando nossa ação, até que as percebamos e compreendamos o seu verdadeiro significado, a nossa investigação sobre inteligência é inútil.

O propósito da minha palestra é ajudá-los a descobrir o que são estupidezes e como vocês podem se livrar delas.

Agora, cada especialista, cada autoridade, cada seita, cada partido oferece uma saída para este conflito crescente que sabemos que existe. Cada um apresenta uma ideia, uma teoria, um método para a solução deste terrível emaranhado. Podemos dividir, penso eu, esses teóricos, ou as pessoas que dão explicações, em dois tipos: aqueles que estão voltados para o exterior e aqueles que estão voltados para o interior.

O homem que está voltado para o exterior diz que todos os problemas humanos podem ser resolvidos controlando o ambiente. Ou seja, ele diz que o pensamento humano pode ser mudado, alterado, controlado através da organização, seja do trabalho ou dos meios de produção e distribuição e assim por diante. Ele considera o homem como barro a ser condicionado pelo ambiente e, portanto, através do controle do ambiente e do aperfeiçoamento do grupo, o indivíduo terá a oportunidade de se expressar. Isto é, ele deixará de ser antissocial porque, sendo mero barro a ser condicionado, o seu ambiente pode ser controlado e, portanto, suas ambições, sua perspectiva, seus desejos nunca se oporão ao grupo e serão antissociais. O homem será condicionado de acordo com um novo conjunto de ideias e teorias, de modo que ele nunca poderá entrar, como indivíduo, em conflito com o grupo ou com a sociedade.

Se vocês pensam que o homem nada mais é do que matéria a ser condicionada, moldada, controlada, então não há mais nada a ser dito. Então a vida é muito simples. Então vamos todos trabalhar pela mera perfeição do ambiente, seguir um certo conjunto de teorias e ideias, e sermos condicionados por elas.

Agora, eu não sou contra nem a favor desse ponto de vista. Eu quero entrar nisso mais detalhadamente. Se o homem é apenas uma entidade social, altera as circunstâncias, o ambiente e cria nele o hábito de buscar apenas o bem-estar do grupo para não ser antissocial – se isso é tudo, então me parece que a vida se torna muito rasa, uma série de ações superficiais e não realizadas.

Além disso, vocês têm o homem que está voltado para o interior, que diz que a vida nada mais é do que espírito. Ele diz: “Deixe isso para o que há de mais elevado no homem, e siga esse mais elevado, conforme demonstrado pelos professores, pelos vários sistemas filosóficos, se torne mais religioso, siga os grandes líderes, se discipline, entre em organizações espirituais, obedeça à autoridade espiritual e seja guiado pelo medo para que eventualmente conquiste as circunstâncias, o ambiente”.

Assim, vocês têm o os exageros do homem que está voltado para fora e os exageros do homem que está voltado para dentro. Aquele que diz que o homem nada mais é do que barro e, portanto, será condicionado sempre. E o chamado homem espiritual que insiste primeiro na mudança do coração.

Então vocês têm esses dois tipos. A ênfase ou o exagero de um ou de outro destrói o seu próprio fim. O homem que diz: “O ambiente primeiro”, e o homem que diz: “O espírito primeiro”, cada um, através dos seus exageros e da sua falsa ênfase, destruirão os seus próprios fins. Considerando que, para mim, a solução, ou melhor, a forma de pensar, o verdadeiro despertar da inteligência que, por si só, pode resolver os inúmeros conflitos e problemas sociais e individuais, reside no equilíbrio perfeito entre os dois, além e acima dos dois, e esse equilíbrio é a maneira simples e direta.

Estudar os vários sistemas, tanto filosóficos como econômicos, estudá-los todos minuciosamente para poder comparar requer grande esforço. E poucos têm o tempo, a capacidade ou a inclinação para penetrar nos seus complicados raciocínios e teorias. E o que acontece quando você não tem tempo para investigar as explicações de inúmeros especialistas concorrentes? Você escolhe alguém que você gosta, alguém que você acha razoável. E como você não tem tempo para examinar completamente o sistema dele, você simplesmente aceita sua autoridade. Quanto maior o especialista, maior a autoridade, o seguimento.

Gradualmente, os seguidores se tornam cegos e meramente aceitam os dogmas. E os líderes destroem os seguidores e os seguidores, por sua vez, destroem os líderes. Gradualmente, nós criamos outro conjunto de estupidezes baseado em um novo conjunto de dogmas que eram teorias originalmente, e nos tornamos escravos dele.

Agora, para mim, as teorias têm muito pouco valor; porque um homem que está constantemente em conflito com o ambiente passado e presente, está continuamente discernindo, penetrando, tentando compreender e, portanto, ele está vivendo completamente no presente. Para tal homem não há necessidade de teorias ou explicações. Mas isso requer grande persistência de pensamento, grande consciência, grande penetração no verdadeiro significado de um ambiente em constante mudança. Como a maioria das pessoas não consegue fazer isso, elas aceitam teorias. E essas teorias se tornam seus mestres, fatos, realidades.

Naturalmente, isso também se aplica aos especialistas religiosos que consideramos nossos guias espirituais. Agora, tomem a religião, isto é, a religião como uma crença organizada, então vocês verão que a autoridade do especialista é suprema. O padrão é estabelecido, e vocês são forçados a segui-lo através da pressão da opinião pública, através do medo e assim por diante. Este culto à autoridade, este culto ao especialista sem conhecer suas limitações é, para mim, a própria raiz da exploração.

Assim, todo o processo de viver, que deveria ser uma realização contínua e, portanto, uma penetração contínua na realidade, no que é verdadeiro, é completamente destruído através deste culto à autoridade, aos especialistas, aos credos, às teorias. Todo o processo consiste em tornar o indivíduo subserviente, fazê-lo obedecer e seguir. Assim, ele gradualmente se torna inconsciente de tudo fora do padrão. E ele existe tanto quanto pode dentro dos decretos desse padrão, e chama isso de viver. O ambiente se torna apenas o molde para moldá-lo. O indivíduo, tal como é agora, nada mais é do que a expressão exagerada do ambiente, o ambiente sendo o passado e o presente, o herdado e o obtido.

Para mim, isso não é verdadeira individualidade. Através da compreensão do significado do ambiente passado e presente e, portanto, da libertação da mente dele, a inteligência é despertada, e a expressão dessa inteligência é a verdadeira individualidade.

Agora, vocês estão condicionados pelo ambiente. Vocês são o resultado do seu ambiente passado e presente. E o que vocês expressam, chamando isso de individualidade ou autoexpressão, nada mais é do que a expressão desse ambiente condicionante. Para mim, a verdadeira expressão da individualidade é essa inteligência que é despertada através da libertação da mente do ambiente condicionante passado e presente.

A próxima coisa que temos que descobrir é se algum sistema pode ajudar a despertar essa inteligência. Ou nós simplesmente impomos outro conjunto de coisas estúpidas, mais limitações? Porque se conseguirmos encontrar um sistema perfeito, então poderemos nos entregar a ele e nos tornar inteligentes.

Para mim, os sistemas são apenas a cristalização do pensamento, e o grupo é apenas a expressão desse pensamento cristalizado. Esses pensamentos cristalizados podem, se vocês os seguirem, despertar a inteligência? Ou vocês devem começar, não se considerando indivíduos ou um grupo, a discernir por si mesmos as estupidezes criadas pela falsa divisão do grupo e do indivíduo? Ou seja, não se considerarem indivíduos, ou um grupo, para pensarem de maneira nova, para pensarem desde o início para captarem o verdadeiro significado de cada ambiente, de cada limitação. Porque se não pudermos ser muito ativos emocionalmente e mentalmente separados de um sistema, o mero seguimento de um sistema e sermos ativos nele não despertará a inteligência.

Agora, tal inteligência, quando despertada, pode cooperar verdadeiramente, não com estupidezes, mas com outras inteligências.

Vejamos, por exemplo, o que está acontecendo em relação à guerra. Para compreendermos toda a questão da guerra, devemos pensar desde o início, não do ponto de vista nacionalista, étnico e de classe. Inerentemente, a guerra é errada. Não há desculpa para a guerra enquanto houver inteligência funcionando. Mas como somos maioritariamente governados por políticos, exploradores e por pessoas semelhantes, somos forçados a uma guerra após outra e muitas razões são dadas para a inevitabilidade e a necessidade das guerras.

Enquanto vocês não pensarem com clareza, fundamentalmente, desde o início em relação a essa questão, um dia vocês serão pela paz e no dia seguinte vocês serão pela guerra, porque vocês não descobriram por si mesmos, fundamentalmente, as terríveis crueldades, os ódios étnicos, as explorações que criam a guerra. Somente quando houver uma inteligência desperta, não só da sua parte, mas da parte dos políticos, dos governantes, é que haverá paz.

Para descobrir o que é verdadeiro é necessária grande inteligência. Para mim, inteligência não é o conhecimento dos livros. Você pode ser muito instruído e, no entanto, ser estúpido. Você pode ler muitas filosofias e, no entanto, não conhecer a felicidade do pensamento criador. Pensamento criador que só pode existir quando a mente e o coração começam a se libertar, através do conflito, através da consciência constante, das estupidezes passadas e daquelas que estão sendo construídas. Só então existe o êxtase daquilo que é verdadeiro.

Alguém pode lhe dizer o que é verdade? Alguém pode lhe dizer o que é Deus? Ninguém pode, você tem que descobrir por si mesmo. Portanto, para descobrirmos o que é verdade, qual é o significado da vida, o que é a imortalidade, sem a qual a vida se torna uma trivialidade caótica, um sofrimento cego e sem sentido, precisamos ter inteligência. E para despertamos essa inteligência, nós devemos despojar a mente e o coração das estupidezes.

A primeira causa da estupidez é aquela consciência que se agarra ao particular e, portanto, cria a distinção entre o grupo e ela mesma; é aquela consciência cuja própria essência é o pensamento da aquisitividade, do “meu”.  Essa consciência limitada é a raiz, a causa da estupidez, do sofrimento.

Uma de suas manifestações é o desejo constante por segurança, segurança na esfera de todo o ser, fisicamente, emocionalmente e mentalmente. Na busca dessa segurança, é inevitável que haja conflito entre o que chamamos de indivíduo e o grupo, exageros do indivíduo em relação ao grupo, levando a atritos, lutas e sofrimentos constantes.

Vocês podem ver que essa busca por segurança física se expressa em posses, com todas as suas crueldades, explorações e estupidezes terríveis, como o nacionalismo, as guerras de classes, os ódios étnicos.

Além disso, emocionalmente, o amor se tornou apenas possessividade. Ele perdeu o êxtase criativo dele. É uma série de conflitos possessivos. Sua ternura, sua grande profundidade, sua qualidade eterna, seu êxtase profundo são destruídos através deste desejo de agarrar.

Há o desejo mental de ter certeza. É por isso que existe a adoração da autoridade, a adoração dos mestres. É por isso que existe a procura incessante pelo definitivo, para que a mente possa se agarrar a ele. É por isso que existe a sua constante investigação sobre a verdade, sobre Deus. E o homem que lhes assegura a certeza de Deus, da verdade, a certeza da imortalidade, vocês o adoram, pois ele lhes dá conforto, segurança.

Gradualmente, essa demanda por segurança destrói a inteligência. A mente, através da experiência, acumula seguranças, memórias cuidadosamente protegidas e autodefensivas, que impedem o ajuste constante ao movimento eterno da vida.

A experiência, na maioria das vezes, cria seguranças, memórias autodefensivas, e com essa barreira, você encontra a vida, o que trará conflito e sofrimento inevitavelmente. Isso não significa que você deva esquecer o passado. O que quero explicar é que, assim como buscamos segurança fisicamente, mentalmente também buscamos passar da incerteza para a certeza, que por sua vez se torna incerta, e então nunca temos um momento de solidão completa e inevitável.

Eu lhes asseguro que quando há despojamento completo, total desesperança, então, nesse momento de insegurança vital, nasce a chama da suprema inteligência, a bem-aventurança da verdade.

Na busca pela segurança surge o medo, que gera muitas ilusões, falsas disciplinas, repressões, perversões, o medo da morte e a investigação do que vem depois.

Por que tantas pessoas se interessam sobre o que vem depois? Porque a vida aqui tão superficial, tão condicionada pelo ambiente, tão conflituosa, caótica, irracional, sem alegria, sem êxtase, então elas olham para o futuro e, portanto, surge a investigação sobre o que vem depois.

A imortalidade é um devir contínuo, não dessa consciência que chamamos de “eu”, mas daquela inteligência que é livre tanto do particular quanto do grupo, da consciência que cria distinções. Ou seja, quando a mente está despojada de toda ilusão ou ignorância, ela é capaz de discernir o presente infinito. Isso é uma coisa que você não pode explicar, sobre a qual não se pode raciocinar. Está além de qualquer argumento. Isso tem que ser experimentado, vivido.

Agora, esse me parece ser o estado do mundo. O caos causado pelo conflito de muitas teorias leva a práticas e divisões estúpidas. E, com o passar do tempo, estamos apenas acumulando conhecimento de teorias, aumentando divisões cruéis, criando movimentos de massa para experiências conflitantes. Nesse conflito em que estamos imersos, a inteligência, que é a verdadeira expressão e o modo vida, é totalmente esquecida.

Esse é o estado do mundo ao nosso redor. Qual deve ser a nossa ação? Qual deve ser a nossa atitude, o nosso pensamento? Vocês irão esperar pela perfeição do ambiente através da revolução, das mudanças econômicas, através da reviravolta política? Essa espera é apenas uma fuga, este olhar para o futuro é apenas outra fuga através da esperança, é apenas um adiamento. Ou será que vocês, não se considerando indivíduos ou grupos, começarão a pensar de maneira nova, desde o início, livrando-se assim das muitas estupidezes que se tornaram virtudes, das muitas coisas que vocês tomaram como certas, aceitas para que na verdadeira simplicidade e franqueza de pensamento, que é inteligência suprema, possa surgir a fruição da ação? O que vocês vão fazer: esperarem pelo futuro, aguardarem que esse ambiente seja aperfeiçoado através de algum milagre, através da ação de alguma pessoa ou se tornarem tão intensamente conscientes, através do seu próprio conflito com o ambiente, não existindo possibilidade de fuga, para que exista completude de ação?

Para a maioria das pessoas este é o problema: apenas esperar, perder tempo. Ou ser capaz de discernir o verdadeiro significado da vida com os seus conflitos e sofrimentos, não criando um conjunto de estupidez, um conjunto de ilusões e, portanto, vivendo de forma direta e simples? Um leva à desordem total, à superficialidade, ao tédio, a uma vida tão superficial como a que a maioria das pessoas leva, seja na intensidade do trabalho ou na falta de trabalho. O outro para o êxtase da imortalidade.  

Por toda parte há desespero, espera por alguma ação, espera que os governos mudem as condições. E, nesse meio-tempo, suas próprias vidas se tornam cada vez mais superficiais, rasas, com todas as futilidades da sociedade moderna, das chamadas pessoas espirituais.

Como eu disse no início da minha palestra, a inteligência é a única solução que trará harmonia neste mundo de conflito, harmonia entre a mente e o coração na ação. Nenhum sistema, sistemas que são a mera alteração do ambiente, poderá libertar o homem da ignorância, da ilusão, que é a causa do sofrimento. Você mesmo, através da sua própria consciência, em sua própria plenitude, pode discernir o verdadeiro significado dessas muitas barreiras limitantes. Só isso trará inteligência duradoura. Inteligência duradoura que revela a imortalidade.

11 de março de 1935