https://jkrishnamurti.org/content/rio-de-janeiro-4th-public-talk-10th-may-1935

                                                                                                                             4ª Palestra no Rio de Janeiro

Amigos, cada um de nós está tentando encontrar a felicidade, a Verdade ou Deus, dando ao objeto de sua busca um nome diferente, de acordo com suas capacidades intelectuais, formação religiosa e ambiente. Você veio aqui esperando descobrir uma certeza em torno da qual você possa construir toda a sua vida e ação.

Agora, por que você está buscando a certeza definitiva, essa realidade que você espera que lhe dê felicidade, que explique a crueldade e o sofrimento do homem? Qual é a causa da sua busca? Fundamentalmente, a razão para essa busca – a razão humana, não alguma razão intelectual – é que como há tanto sofrimento em você e ao seu redor, você quer escapar do presente para alguma utopia idealista do futuro, para um sistema intelectual de pensamento ou para uma autoridade de fé e segurança. Um homem que está profundamente apaixonado não está em busca do amor ou da felicidade; mas o homem que não está apaixonado, que não está feliz, que está sofrendo busca o oposto daquilo em que está preso. Encontrando-se na miséria, com um grande vazio interior, em desespero, você começa a buscar uma saída, uma fuga. Essa fuga é chamada de busca pela realidade, pela Verdade ou por qualquer outro nome que você queira dar a ela.

A maioria das pessoas que dizem estar em busca da felicidade, na verdade estão tentando escapar, fugir do conflito, da miséria, do vazio em que estão presas. Sendo incerto do amor, do pensamento, toda a busca se dirige para certezas e satisfações; pois o amor e o pensamento estão constantemente em busca de certezas nas quais possam se ancorar. Essas certezas são chamadas de realidades, felicidade e buscas pela imortalidade. Você quer se assegurar de que há algo duradouro, de que há algo mais do que esta confusão e miséria.

Se você realmente considerar – por favor, não apenas ouça intelectualmente o que estou dizendo – se você realmente considerar sua própria busca e examiná-la, então verá que você está tentando escapar dessa confusão, dessa miséria para o que você imagina ser uma realidade, uma felicidade. Você quer uma droga que o satisfaça, que o faça dormir em paz. A única realidade que podemos compreender completamente é essa confusão, miséria, esse conflito, e escapar disso é apenas criar ilusão. Se você escapar da realidade, então só poderá ir para as ilusões, esperanças, para os anseios, aos quais não têm realidade. Portanto, a saída da realidade leva inevitavelmente à ilusão, embora essa ilusão possa ter assumido uma realidade ao longo do tempo e da tradição.

Agora, por favor, não digam: “Não há nada além da confusão, nada além da miséria?” Eu quero explicar como a nossa mente age, o que as nossas reações são. E ao compreender isso de forma adequada e completa, então podemos prosseguir com cuidado para algo que só pode ser compreendido através da realidade, não através de ilusões. Por favor, permitam-me repetir que a busca pela felicidade ou Verdade ou realidade nasce do desejo de escapar da prisão do sofrimento e, portanto, é fundamentalmente falsa. E a menos que vocês percebam isso claramente, compreendam-no completamente, o que direi mais adiante em minha palestra não será totalmente compreendido. Portanto, irei examinar isso detalhadamente.

Quando há a perda de alguém que amamos existe em nossas vidas o vazio da insatisfação ou o desespero da incerteza total, nós começamos a criar o oposto e a perseguir essa imagem esperando que ela nos leve à paz, à realização, à plenitude. Portanto, nós somos retirados, consciente ou inconscientemente, de forma sutil ou grosseira, cada vez mais para longe da realidade, do sofrimento do presente.

Suponha que você tenha perdido alguém por morte. Você sofre e começa a perguntar sobre a reencarnação, se ela é um fato ou não. Então você começa a investigar a teoria da reencarnação. O que você está realmente fazendo? Você está tentando escapar do sofrimento. Assim, tais explicações e os chamados fatos atuam apenas como drogas para atenuar a agudeza do sofrimento. Quando há o desejo de escapar, há a criação da ilusão. Como sofremos constantemente, nós criamos inúmeras ilusões. E a nossa atual busca pela realidade nada mais é do que a procura por uma ilusão maior e mais magnífica.

Se você compreender isso completamente, então perceberá a total futilidade da busca pela felicidade, certeza, pela Verdade ou como quer que você a chame. Você não estará mais preocupado em medir o imensurável. A mente deve se livrar deste desejo de fuga de uma vez por todas; só então ela estará preparada para descobrir a causa fundamental do sofrimento; pois o sofrimento é a principal realidade que cada um de nós conhece.

Agora, para compreender fundamentalmente a causa do sofrimento, a mente deve estar livre dos ideais, porque os ideais nada mais são do que formas de fuga da realidade. Quando a mente se tornar consciente de si mesma, então perceberá que está apenas imitando padrões, seguindo objetivos, crenças, ideais que estabeleceu para si mesma como forma de fugir da confusão. A mente sobrepõe as crenças e ideais à confusão e ao sofrimento. Em outras palavras, os ideais são apenas ilusões que lhe dão esperança e encorajamento para escapar do presente. Caso você não tenha entendido isso completamente, eu darei um exemplo.

Existe um ideal de fraternidade e de amor ao próximo. Agora, o que está acontecendo na realidade? Existem guerras, nacionalidades, divisões de classes, homem contra homem, explorações, o agrupamento de homens em religiões que os separam do resto através dos dogmas. Na realidade, é isso que está acontecendo? Portanto, qual é o bem do seu ideal? Você dirá: “Nós vamos trabalhar para atingir esse ideal eventualmente”. Mas qual é o valor dele no presente? Por que você quer ideais quando sabe que definitivamente não pode haver fraternidade enquanto existirem as distinções criadas pela religião, ganância, pela exploração? Seus ideais são apenas drogas sentimentais para pessoas que não querem agir no presente. Considerando que se você não tivesse nenhum ideal, mas visse a realidade da confusão e da crueldade sem ficar cego pelas esperanças que se tornaram ideais, então, na solução desses problemas, naturalmente haveria fraternidade, haveria verdadeira unidade entre todos os homens. Portanto, os ideais realmente lhes dão a oportunidade de não enfrentarem a corrupção e a exploração atuais que vocês estão participando.

A maioria das mentes busca a autoridade das crenças e dos ideais porque não quer compreender o presente. E essa é uma das principais razões pelas quais nunca descobrem e, portanto, dissipam para si mesmas a causa do sofrimento.

Agora, nós construímos ao longo de muitos séculos um ambiente de ilusões, como as autoridades, imitação, crenças, ideais, aos quais nos dão a oportunidade de uma fuga sutil. As pessoas sofrem dentro dessa prisão de limitações. E elas tentam encontrar soluções para seu sofrimento dentro dela, dentro das ilusões que construíram em torno de si mesmas. Mas existem outras pessoas que verdadeiramente discernem a natureza ilusória dessa estrutura; e como sofrem de forma muito mais intensa, inteligente e não estão dispostas a fugir para o futuro, então, nessa mesma agudeza do sofrimento, descobrem a verdadeira liberdade dele.

Portanto, vocês devem se perguntar se estão buscando uma solução para o seu sofrimento dentro do círculo da ilusão, dentro do ambiente de séculos e, portanto, criando mais ilusões e se entrincheirando mais dentro dessa prisão; ou se vocês estão buscando romper com as muitas ilusões que construíram ao redor de si mesmos ao longo dos séculos. Pois no processo de discernimento, a causa do sofrimento é conhecida e dissolvida. É somente então, e não antes disso, que a mente é capaz de discernir a Verdade. A própria busca pela realidade é uma ilusão, porque é apenas uma fuga. Quando todas as fugas e ilusões forem eliminadas pela compreensão, somente então a mente poderá perceber aquilo que é duradouro, o imensurável.

Pergunta: O que você pensa sobre caridade e filantropia social?

Krishnamurti: Filantropia social é devolver à vítima um pouco do que o filantropo implacavelmente tirou dela. Você primeiro explora a pessoa, faz com que ela trabalhe inúmeras horas e todo o resto, portanto você acumula uma grande riqueza através da astúcia, da trapaça, e então se mostra generoso e dá um pouco à pobre vítima. (Risos) Não sei por que vocês estão rindo, vocês estão fazendo a mesma coisa só que de forma diferente. Você pode não ser astuto, esperto e implacável o suficiente para acumular riquezas e se tornar um filantropo, mas você está acumulando espiritualmente, idealisticamente o que chama de conhecimento para se proteger.

A caridade não tem consciência de si mesma; não há acumulação primeiro e distribuição depois. Ela é como a flor, natural, aberta, espontânea.

Pergunta: Os Dez Mandamentos devem ser destruídos?

Krishnamurti: Eles já não estão destruídos? Eles existem agora? Talvez no livro de orações, petrificados, eles sejam adorados como ideais, mas na realidade eles não existem. Durante muitos séculos, o homem foi guiado pelo medo, forçado, compelido a agir de acordo com certos padrões; mas a forma mais elevada de moralidade é fazer algo por si mesmo, não por um motivo ou por uma recompensa. Agora, em vez de sermos coagidos a seguir um padrão, temos de descobrir individualmente o que é a verdadeira moralidade. Esta é uma das coisas mais difíceis de fazer, descobrir por si mesmo como agir verdadeiramente. Isso exige inteligência, um ajustamento contínuo, não o seguimento de uma lei ou de um sistema, mas uma intensa consciência, discernimento no momento da ação em si. E isso só pode ocorrer quando a mente se liberta, através da compreensão, do medo e das compulsões.

Pergunta: Deus existe?

Krishnamurti: Eu me pergunto que valor teria se eu dissesse sim ou não. Se eu negasse ou afirmasse, isso não revelaria a realidade. É preciso descobrir por si mesmo. Portanto, você não pode aceitar ou negar. Se eu dissesse sim, o que aconteceria? Seria mais uma crença a ser acrescentada ao seu museu de crenças. Se eu dissesse não, isso também pertenceria a um museu, de outro tipo. De uma forma ou de outra, isso não teria valor para você. Se eu dissesse sim, eu me tornaria uma autoridade, e você talvez moldaria sua vida de acordo com esse padrão; se eu dissesse não, isso também estabeleceria um padrão. Não se pode abordar esse problema, se Deus existe ou não, com qualquer ideia preconcebida a favor ou contra. O que você pode fazer é preparar o solo da mente e ver o que acontece. Isto é, deixe a mente libertar-se de todas as ilusões, medos, preconceitos, anseios e ficar sem nenhuma expectativa, então ela poderá discernir se Deus existe ou não. Temos uma mente especulativa e, por diversão intelectual, tentamos resolver essa questão, mas a mente não conseguirá encontrar uma resposta verdadeira. Tudo o que podemos fazer é romper a falsidade, as ilusões que criamos ao redor de nós mesmos. E isso exige não uma investigação sobre a existência de Deus, mas a ação completa, a ação de todo o seu ser no presente.

Pergunta: Os sacerdotes não são necessários para conduzir os ignorantes à integridade?

Krishnamurti: Certamente não. Mas quem são os ignorantes? Essa pergunta só pode ser feita a cada um de vocês, não a uma massa vaga chamada de ignorantes. A massa é você. Você precisa de sacerdotes? Quem pode dizer quem são os ignorantes? Ninguém. Portanto, sendo ignorante, você precisa de um sacerdote, e um sacerdote pode levá-lo dessa ignorância para a integridade? Se você meramente considera que um homem ignorante, que existe vagamente em algum lugar e que você não conhece, precisa de um sacerdote, então você perpetua a exploração e todas as espertezas da religião. Ninguém pode levá-lo à integridade, exceto você mesmo através da sua própria compreensão, através do seu próprio sofrimento.

Pergunta: É possível alcançar a perfeição entre o imperfeito?

Krishnamurti: Onde mais você pode perceber a perfeição, onde mais você pode compreender a perfeição, exceto entre o imperfeito? Mas toda essa ideia de alcançar a perfeição é fundamentalmente errada. Por favor, você tem que pensar sobre isso com cuidado. Quando você fala de perfeição, você quer dizer alcançar um fim, uma certeza, um poder que lhe dará segurança, a partir do qual nunca poderá surgir conflito, sofrimento. A perfeição não é um fim, um ponto fixo e absoluto, mas um devir contínuo. Quando a mente está livre dos opostos, então há um movimento contínuo, um fluxo constante da realidade. A perfeição é a ação, o fluxo contínuo da realidade, não um objetivo absoluto para o qual você progride através de inúmeras experiências, memórias, lições, sofrimentos. Para compreender esse fluxo da vida, a mente deve estar inteiramente livre das finalidades, das certezas, que são apenas o resultado do desejo de autoproteção.

Se você considerar o que eu disse esta noite, você perceberá a prisão que criamos ao longo de muitos séculos, na qual nos tornamos prisioneiros, destruindo assim a nossa inteligência criativa. Se a mente puder começar a derrubar os muros dessa prisão através da compreensão, então haverá ação sem sofrimento, normal e verdadeira.

Pergunta: Não é o egoísmo a raiz da exploração religiosa e econômica?

Krishnamurti: Senhor, isso é óbvio; foi o egoísmo que criou as jaulas da religião; é o egoísmo que cria a exploração das pessoas. O interrogante sabe disso, mas o que ele faz a respeito? Nós sabemos que existe uma exploração implacável por parte dos espertos e astutos, que existe pobreza no meio da riqueza; mas o interrogante se perguntou se ele também não participa desta batalha gananciosa, cruel e estúpida? Se ele realmente sentisse a terrível crueldade de tudo isso e agisse com inteligência, então ele seria como uma chama, consumiria as estupidezes ao seu redor.

10 de maio de 1935.