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                                                                                                                        Terceira palestra em Vasanta School Gardens

                                                                                                                                           Auckland, Nova Zelândia

Amigos, esta manhã tentarei responder primeiro a algumas das perguntas e depois tentarei resumir o que tenho dito no final de minhas respostas.

Pergunta: A meditação é necessária para descobrirmos valores duradouros? Se sim, qual é o método correto de meditação?

Krishnamurti: Eu me pergunto o que as pessoas geralmente entendem por meditação. Tanto quanto consigo entender, a assim chamada meditação, que é apenas concentração, não é meditação de forma alguma. Estamos acostumados a esta ideia de que ao nos concentrarmos, ao fazermos um tremendo esforço para controlar a mente e fixá-la em uma certa ideia ou conceito, certa figura ou imagem, ou seja, focalizarmos a mente em um determinado ponto, estamos meditando.

Agora, o que acontece quando vocês tentam fazer isso? Vocês estão tentando concentrar sua mente em uma ideia particular e assim excluírem todas as outras ideias, todos os outros conceitos. Vocês estão tentando fixar a mente em uma única ideia, forçando a mente a se limitar a isto, seja um grande pensamento, uma imagem ou um conceito que vocês retiraram de um livro. O que acontece quando vocês estão fazendo isso? Outras ideias surgem e vocês tentam bani-las. Assim, esse conflito contínuo é mantido. Na tentativa de fixar sua mente em uma certa ideia, surgem ideias que vocês não querem. Vocês estão apenas criando conflito, tornando a mente pequena, estreitando-a, forçando-a a se concentrar em uma ideia particular; considerando que, para mim, a alegria da meditação não consiste em forçar a mente, mas em tentar descobrir o significado completo de cada pensamento à medida que ele surge. Como vocês podem dizer qual é a melhor ideia e qual é a pior, qual é nobre e qual é imoral? Vocês só podem dizer isso depois que a mente descobrir seus verdadeiros valores. Portanto, para mim, a alegria da meditação consiste nesse processo de descobrir o valor correto de cada pensamento. Vocês descobrem por um processo natural o significado de cada pensamento e, portanto, libertam a mente desse conflito contínuo.

Suponham que vocês estejam tentando se concentrar em uma ideia – vocês pensam no que vão vestir, com quem vão encontrar ou o que vão almoçar. Uma ideia assim lhes vem à mente. Completem cada pensamento, não tentem afastá-lo. Então vocês verão que a mente não é mais um campo de batalha de ideias concorrentes. Assim, sua meditação não se limita a algumas horas ou a alguns momentos durante o dia, mas é um estado de alerta contínuo da mente e do coração ao longo do dia. Isso, para mim, é a verdadeira meditação. Nisso há paz, alegria. Mas a chamada meditação que vocês praticam como disciplina para obterem algo em troca é, para mim, uma coisa perniciosa, realmente destrói o pensamento. Por que somos forçados a fazer isso? Por que nos forçamos a pensar concentradamente, por alguns momentos durante o dia, em coisas que achamos que gostamos? É porque, no restante do dia, fazemos coisas que não gostamos, que não são agradáveis. Por esse motivo, dizemos: “Para encontrar, para pensar em algo agradável, devo meditar”. Assim, damos uma resposta falsa para um problema ilusório. Isto é, o ambiente econômico, social, religioso nos impede de fazer, de realizar o que queremos. E, como ele nos impede, temos que encontrar momentos, uma ou duas horas, para viver. Então, é necessário disciplinarmos a mente, forçá-la a seguir um determinado padrão e, portanto, surge toda a ideia de disciplina. Considerando que, se nós realmente entendêssemos as limitações impostas pelo ambiente e as rompêssemos através da ação, então esse processo de disciplinarmos a mente para agir de uma determinada maneira se tornaria totalmente desnecessário.

Por favor, vocês têm que pensar com bastante cuidado se quiserem ver o significado de tudo isso; porque uma mente disciplinada – não uma mente meramente disciplinada para executar uma técnica – é uma mente que foi treinada segundo certo padrão, e esse padrão é o resultado de uma falsa sociedade, falsas ideias, falsos conceitos. Considerando que, se vocês forem capazes de penetrar tudo isso e verem quais são as coisas que são falsas, então a mente não será mais um campo de batalha de ideias contraditórias. E nisso vocês descobrirão que há verdadeira contemplação, a alegria do pensamento é despertada.

Pergunta: O que é esse estado de atenção do qual você fala? Poderia explicá-lo um pouco mais detalhadamente?

Krishnamurti: Senhores, estamos acostumados a fazer um esforço contínuo para realizar qualquer coisa; pensar significa fazer um tremendo esforço. Estamos acostumados com esse esforço incessante. Agora, quero falar de algo que, para mim, não é um esforço, mas sim uma nova forma de viver. Quando vocês sabem que algo é um perigo, que algo é um veneno, quando todo o seu ser se torna consciente de algo pernicioso, então não é preciso esforço para afastá-lo, vocês já se afastam do perigo instantaneamente. Quando vocês sabem que algo é perigoso, venenoso, quando vocês se tornam plenamente conscientes disso em sua mente e em seu coração, vocês já se afastam. Só quando não sabemos que é um veneno, ou quando esse veneno nos dá prazer e dor ao mesmo tempo, é que brincamos com ele.

Agora, nós criamos muitos obstáculos, como nacionalismo, patriotismo, obediência imitativa à uma autoridade, reverência à tradição, busca contínua por conforto. Nós criamos tudo isso através do medo. Mas se soubermos com todo o nosso ser que o patriotismo é realmente uma coisa falsa, uma coisa venenosa, então não precisaremos batalhar contra ele. Não precisaremos nos afastar dele. No momento em que sabemos que ele é uma coisa venenosa, ele já se foi instantaneamente. Agora, como vamos descobrir que ele é uma coisa venenosa? Não nos identificando com o patriotismo nem com o antipatriotismo. Ou seja, vocês querem descobrir se o patriotismo é um veneno; mas se vocês se identificam com o patriotismo ou com o sentimento de antipatriotismo, então vocês não podem descobrir o que é verdadeiro. Não é assim? Vocês querem descobrir se o patriotismo é um veneno. Portanto, a primeira coisa é ficarem cientes, tornarem-se conscientes do fato de não se identificarem com nenhum dos dois. Então, quando vocês não estão tentando se identificar com o patriotismo ou com o sentimento contrário ao patriotismo, vocês começam a ver a verdadeira significação dele. Assim, vocês estão se tornando conscientes de seu verdadeiro valor.

Afinal, o que é patriotismo? Estou tentando ajudá-los a tomarem consciência desse veneno agora. Isso não significa que vocês devam aceitar ou rejeitar o que estou dizendo. Vamos considerá-lo juntos e descobrir se não é um veneno. E quando vocês veem que é um veneno, vocês não precisam lutar contra ele. Ele já se foi. Quando vocês veem uma cobra venenosa, vocês já se afastam dela instantaneamente. Vocês não precisam lutar contra ela. Considerando que, se vocês não têm certeza de que é uma cobra venenosa, vocês se aproximam e brincam com ela. Da mesma forma, vamos tentar descobrir, sem aceitação ou oposição, se o patriotismo é um veneno ou não.

Em primeiro lugar, quando vocês são patriotas? Vocês não são patriotas todos os dias. Vocês não mantêm esse sentimento patriótico o tempo todo. Vocês são cuidadosamente treinados para o patriotismo nas escolas, através de livros de história dizendo que seu país venceu outro país, que seu país é melhor do que outro país. Por que há esse treinamento da mente para o patriotismo, que, para mim, é algo artificial? Não que vocês não possam, talvez, apreciar a beleza de um país mais do que a de outros; mas essa apreciação nada tem a ver com patriotismo, é apreciação da beleza. Por exemplo, há algumas partes do mundo onde não há uma única árvore, onde o sol é escaldante – mas isso tem sua própria beleza. Certamente, um homem que aprecia a sombra, a dança das folhas, não é patriota. O patriotismo tem sido cultivado, treinado como meio de exploração. Ele não é uma coisa instintiva no homem. O que é instintivo no homem é a apreciação da beleza, não dizer: “Meu país”. Mas isso tem sido cultivado por aqueles que desejam encontrar mercados externos para seus produtos. Ou seja, se eu tenho os meios de produção em minhas mãos, saturei este país com meus produtos, então quero expandir, quero ir para outros países, quero conquistar mercados externos. Portanto, devo ter meios de domínio. Então digo “nosso país” e estimulo tudo isso através da imprensa, propaganda, educação, livros de história e assim por diante. Estimulo esse senso de patriotismo para que, em um momento de crise, todos nós lutemos contra outro país. E esse sentimento de patriotismo, os exploradores brincam com ele até que vocês estejam tão iludidos a ponto de guerrear com outros países, chamando seus habitantes de bárbaros e todo o resto.

Isso é uma coisa óbvia, não é uma invenção minha. Vocês podem investigá-la. Isso se torna óbvio se vocês olharem com uma mente sem preconceitos, com uma mente que não quer se identificar com um ou outro, mas que tenta descobrir. O que acontece quando vocês descobrem que o patriotismo é realmente um obstáculo para uma vida real, plena e completa? Vocês não precisam lutar contra ele. Ele já se foi completamente.

Pergunta: Você poderia entrar em choque com as leis do país?

Krishnamurti: As leis do país! Por que não? Certamente, se você está livre de patriotismo e as leis do país interferem em sua vida, tentando obrigá-lo a ir à guerra, então você pode se negar sendo um objetor de consciência ou ir para a prisão; nesse caso, você tem que enfrentar a lei. As leis são feitas por seres humanos, e certamente elas podem ser derrubadas por seres humanos. (Aplausos.) Por favor, não se preocupem em aplaudir, isso é perda de tempo.

Então, o que está ocorrendo? O patriotismo, seja do tipo ocidental, seja do tipo oriental, é sempre a mesma coisa; ele é um veneno para os seres humanos, realmente distorce o pensamento. Portanto, o patriotismo é uma doença; e quando vocês começam a perceber isso, quando começam a se conscientizar desse fato, então vocês percebem como sua mente está reagindo a essa doença. Quando, em tempos de guerra, o mundo inteiro falar de patriotismo, vocês saberão a falsidade disso e, portanto, agirão como verdadeiros seres humanos.

Por exemplo, da mesma forma, a crença é um obstáculo. Isto é, a mente não pode pensar completamente, plenamente se estiver limitada por uma crença. É como um animal amarrado a um poste por uma corda. Não importa se a corda é longa ou curta; ele está amarrado e, portanto, não pode se mover totalmente, livremente, extensivamente; ele só pode se mover dentro do comprimento dessa corda. Certamente, tal ação não é pensamento: é apenas mover-se dentro do círculo limitado de uma crença. Agora, as mentes das pessoas estão amarradas a uma crença e, dessa forma, são incapazes de pensar. A maioria das mentes se identificou com uma crença e, por isso, seu pensamento está sempre circunscrito, limitado por essa crença ou ideal. Daí a incompletude do pensamento. As crenças separam as pessoas. Portanto, se vocês perceberem isso, se vocês realmente reconhecerem com todo o seu ser que a crença condiciona o pensamento, então o que acontece? Vocês se tornam conscientes de que seu pensamento está condicionado, se tornam conscientes de que seu pensamento está preso, limitado por uma crença. Nessa chama da consciência, vocês reconhecem a tolice disso e, portanto, começam a libertar a mente do condicionamento e, assim, começam a pensar completamente, plenamente.

Por favor, experimentem isso; e vocês verão que a vida não é um processo de batalha contínua, batalha contra os padrões opostos àquilo que vocês querem fazer. Então não há aquilo que vocês querem fazer nem o padrão, mas apenas ação correta, sem identificação pessoal.

Considerem outro exemplo. Vocês têm medo do que seu vizinho pode dizer – um medo simples. Agora, não adianta desenvolverem o oposto, que é dizer: “Não me importa o que o vizinho diz”, e fazerem algo a partir disso. Mas se vocês realmente perceberem o motivo de terem medo do vizinho, então o medo cessa completamente. Para descobrirem o porquê, a causa do medo, vocês precisam estar totalmente conscientes no instante em que ele surge, então vocês verão o que é: vocês têm medo de perder o emprego, vocês não podem casar seus filhos ou filhas, vocês querem se encaixar na sociedade e todo o resto. Assim, vocês começam a descobrir através deste processo de atenção, através deste processo de consciência contínua. E nessa chama, a miséria dos falsos padrões é consumida. Então, a vida deixa de ser uma batalha. Então, não há nada a ser conquistado.

Vocês podem não aceitar isso. Vocês podem não aceitar o que estou dizendo, mas podem experimentar. Façam experiências com esses três exemplos que lhes dei – medo, crença e patriotismo – então vocês verão como sua mente está amarrada, condicionada e, portanto, a vida se torna um conflito. Enquanto a mente estiver escravizada, condicionada, haverá conflito, sofrimento. Porque, afinal, o pensamento é como as águas de um rio. Ele deve estar sempre em movimento contínuo. A eternidade é esse movimento. Se vocês condicionarem esse fluxo livre do pensamento, da mente e do coração, então vocês terão conflito. E esse conflito deve ter um remédio, assim todo o processo começa: a busca por remédios, substitutos, nunca tentando descobrir a causa desse conflito. Assim, através do processo de plena consciência, vocês libertam a mente e o coração dos obstáculos que foram estabelecidos através do ambiente. E enquanto o ambiente condicionar a mente, enquanto a mente não descobrir o verdadeiro significado do mundo estabelecido sobre nós, haverá conflito e, portanto, a falsa solução que é a autodisciplina.

Pergunta: Quando uma pessoa descobre por si própria que todo método de fuga da realidade presente é mera futilidade, o que mais resta fazer?

Krishnamurti: Quando vocês descobrem que estão fugindo do conflito, que sua mente está fugindo através de remédios superficiais, vocês querem saber o que resta. O que resta? Inteligência, compreensão. Não é assim? Suponham que vocês enfrentam algum tipo de tristeza, seja a tristeza causada pela morte de alguém ou algum tipo de tristeza momentânea. Quando se trata da tristeza causada pela morte, vocês fogem através dessa crença na reencarnação ou pela ideia de que a vida existe e continua do outro lado. Eu falei sobre isso ontem à noite, então não voltarei nisso agora. Mas quando vocês reconhecem que isso é uma fuga, o que acontece? Então vocês estão olhando para o remédio para descobrir seu significado, se ele tem algum valor. E nesse processo de descoberta, nasce a inteligência, a compreensão. E essa inteligência suprema é a própria vida, vocês não querem nada mais.

Ou suponham que vocês enfrentam algum tipo de tristeza momentânea e queiram escapar dela, fugir, tentar se divertir, tentar esquecê-la. Ao tentarem esquecê-la, vocês nunca compreendem a causa dela. Assim, vocês aumentam e multiplicam os meios de esquecimento, que pode ser um cinema, uma igreja ou qualquer outra coisa. Portanto, não é uma questão do que resta depois que vocês param de fugir. Mas, ao tentarem descobrir o valor das fugas que vocês criaram para si próprios, existe verdadeira inteligência; e essa inteligência é felicidade criativa, realização.

Pergunta: Qual é a causa fundamental do medo?

Krishnamurti: A causa fundamental não é a autopreservação? Autopreservação, com todas as suas sutilezas? Por exemplo, talvez vocês tenham dinheiro e, portanto, não estão preocupados com a competição para conseguir um emprego; mas vocês têm medo de outra coisa, têm medo de que sua vida termine repentinamente, medo de que possa haver extinção ou de perder dinheiro. Então, se vocês olharem para ele, verão que o medo existirá enquanto essa ideia de autopreservação continuar, enquanto a mente estiver apegada a essa ideia de autoconsciência – ideia que expliquei ontem à noite. Enquanto essa consciência egocêntrica continuar, haverá medo; e essa é a causa fundamental do medo. E eu tentei explicar ontem à noite também, como esta consciência limitada que chamamos de “eu” é produzida, como ela é criada através de um falso ambiente; e a luta que é provocada por esse ambiente. Isto é, no contexto deste sistema atual, vocês precisam lutar por si mesmos para sobreviverem, portanto isso cria medo; e então tentamos encontrar remédios para nos livrar desse medo. Considerando que, se vocês realmente alterassem a condição que cria esse medo, então não haveria necessidade de remédios; assim vocês estariam realmente atacando a própria fonte, o que cria o medo. Será que não podemos conceber um Estado em que não precisemos lutar pela sobrevivência? Não que não existam outros tipos de medo, sobre os quais falaremos mais adiante. Agora, é esta ideia de nacionalidade, esta ideia de etnia, de consciência de classe, os meios de produção nas mãos de poucos e, portanto, o processo de exploração, que nos impedem de viver naturalmente, sem esta luta contínua por autopreservação e segurança, o que, eu digo, em um Estado inteligente seria um absurdo. De fato, vivemos exatamente como animais, embora possamos nos considerar civilizados; cada um está lutando por si e por sua família; e essa é uma das causas fundamentais do medo. Se vocês realmente compreenderem o mundo e lutarem contra ele, então vocês não se preocupam e o medo não existe.

Existe um medo de outro tipo, o medo da pobreza interior. Existe o medo da pobreza externa e existe o medo de ser superficial, vazio, solitário. Então, estando com medo, recorremos a vários remédios na esperança de nos enriquecer interiormente. Porém, o que realmente ocorre? Vocês estão meramente encobrindo esse vazio, essa superficialidade através de inúmeros remédios. Pode ser com o remédio da literatura, lendo muito – não que eu seja contra a leitura. Pode ser pelos esportes, por essa corrida incessante, por esse esforço para competir, para pertencer ao grupo dos poderosos, para pertencer a certas classes, certas sociedades. Todos nós passamos por isso. Tudo isso apenas indica o medo daquela solidão que vocês inevitavelmente enfrentam. E enquanto existir esse vazio, essa superficialidade, essa pobreza interior, haverá medo.

Estarem realmente livres desse medo, que significa estarem livres desse vazio, dessa superficialidade, não significa encobri-lo com remédios; mas sim reconhecerem essa superficialidade, tornarem-se conscientes dela, o que lhes dá o estado de alerta da mente para descobrirem os verdadeiros valores e o significado de cada experiência, de cada padrão, de cada ambiente. Dessa maneira, vocês descobrirão a verdadeira inteligência; e a inteligência é profunda, penetrante, ilimitada e, portanto, a superficialidade desaparece. Esse vazio cresce cada vez mais quando vocês estão tentando encobri-lo, quando vocês estão tentando ganhar algo para preenchê-lo. Mas, se vocês têm consciência de que estão vazios, não tentem fugir disso, porque nessa consciência sua mente se torna muita aguda, pois vocês estão sofrendo. Quando vocês estão conscientes de que estão vazios, de que são superficiais, um tremendo conflito está ocorrendo. Nesse momento de conflito, vocês estão descobrindo, à medida que avançam, o significado de cada experiência – o significado dos padrões, dos valores da sociedade, da religião, das condições impostas sobre vocês. Em vez de encobrirem o vazio, há uma profunda inteligência. Assim vocês nunca estarão sozinhos, mesmo se estiverem sós ou com uma grande multidão, então não existe vazio, superficialidade.  

Pergunta: As pessoas devem agir por instinto ou alguém sempre terá que apontar o caminho?

Krishnamurti: O instinto não é algo confiável. É isso? Porque o instinto foi tão corrompido, tão compelido pela tradição, pela autoridade, pelo ambiente que vocês não podem mais confiar nele. Isto é, o instinto de possessividade é uma coisa falsa, artificial. Vou lhes explicar o porquê. Ele foi criado por uma sociedade baseada na segurança individual; ele tem sido cuidadosamente cultivado ao longo das gerações. Dizemos: “Instintivamente, sou possessivo. É da natureza humana ser possessivo”, mas se vocês realmente o observarem, verão que ele tem sido cultivado por condições falsas e, portanto, ele não é um instinto verdadeiro. Dessa forma, temos vários instintos que foram falsamente estimulados. E se vocês dependerem de outra pessoa para se libertarem desses falsos padrões instintivos, então vocês ficarão presos em outra gaiola; vocês criarão outro conjunto de padrões que novamente os corromperão. Considerando que, se vocês realmente examinarem cada instinto e não tentarem se identificar com eles, mas apenas buscando descobrir seu significado, então daí surge uma ação espontânea natural, a verdadeira intuição.

Sabem, felizmente ou infelizmente, vocês estiveram aqui em minhas palestras nos últimos quatro ou cinco dias, e apenas ouvirem minhas palestras não vai adiantar nada, não vai lhes dar sabedoria. O que dá sabedoria é a ação. A sabedoria não é uma coisa que se compra, que se obtém de enciclopédias ou da leitura de filosofias. Eu nunca li nenhuma filosofia. É apenas no processo de ação que você começa a discernir o que é falso e o que é verdadeiro; mas muito poucas pessoas estão alertas, ansiosas para agir. Elas preferem sentar-se e discutir, frequentar igrejas, criar mistérios onde não existem, porque suas mentes estão lentas, preguiçosas; e por trás disso existe o medo de ir contra a sociedade, contra a ordem estabelecida. Assim, ouvirem minhas palestras ou lerem o que eu disse não vai despertar a inteligência ou levá-los à verdade, àquele êxtase de vida que está em movimento contínuo. O que traz sabedoria é tomar consciência de um desses obstáculos e agir. Considerem, como eu disse, o obstáculo do patriotismo ou da crença e comecem a agir, então vocês verão a profundidade de pensamento que isso os levará. Vocês irão muito além do que qualquer teólogo teórico, do que qualquer filósofo; e nessa ação, vocês descobrirão que chega um momento em que vocês não estão buscando um resultado de sua ação, um fruto de sua ação, mas a própria ação em si tem significado. É como um cientista que experimenta, e no processo de experimentar há resultados, mas ele continua experimentando. Assim, da mesma forma, no processo de experimento, no processo de libertar a mente e o coração dos obstáculos, haverá ação, resultado. Mas o essencial é que haja esse movimento contínuo da mente e do coração. Se toda ação for realmente a expressão desse movimento, então a ação dará origem a uma nova sociedade, a um novo ambiente e, portanto, a sociedade não está se aproximando de algum ideal, mas nessa ação, a sociedade também está se movendo, nunca parada, nunca estática. Assim, a moralidade se torna uma percepção voluntária, não forçada pelo medo ou imposta pela sociedade ou religião.

Assim, gradualmente, nesse processo de libertar a mente do falso, não há substituição do falso pelo verdadeiro, mas apenas o verdadeiro. Então, vocês não estão mais procurando uma substituição, porque, no processo de descoberta do falso, vocês libertam a mente para se mover, para viver eternamente. Assim, a ação se torna uma coisa espontânea, natural e, portanto, a vida não é uma escola na qual aprendemos a competir, a lutar, mas a vida passa a ser vivida de forma inteligente, suprema, feliz. E tal vida é a vida de um ser humano completo.

02/04/1934.