https://jkrishnamurti.org/content/ojai-12th-public-talk-1st-july-1934

                                                                                                     Décima segunda palestra em Oak Grove, Ojai, California.

Acho que a maioria das pessoas perdeu a arte de ouvir. Elas vêm com seus problemas particulares e pensam que ouvindo minha palestra seus problemas serão resolvidos. Receio que isso não acontecerá. Mas se vocês souberem como ouvir, então vocês começarão a compreender o todo e sua mente não ficará emaranhada pelo particular.

Portanto, se me permitem sugerir, não tentem buscar nesta palestra uma solução para o seu problema particular ou um alívio para o seu sofrimento. Eu posso ajudá-los, ou melhor, vocês só se ajudarão se pensarem de maneira nova, de forma criativa. Considerem a vida não como vários problemas isolados, mas de forma abrangente, como um todo, com uma mente que não seja sufocada pela busca de soluções. Se vocês ouvirem sem o fardo dos problemas e tiverem uma visão abrangente, então vocês verão que os seus problemas particulares têm um significado diferente. E embora eles não possam ser resolvidos de uma vez, vocês começarão a ver sua verdadeira causa. Ao pensarem de maneira nova, ao reaprenderem a pensar, ocorrerá a dissolução dos problemas e conflitos com os quais a mente e o coração estão sobrecarregados, dos quais surgem toda a desarmonia, dor e sofrimento.

Cada um, mais ou menos, está consumido por desejos cujos objetos variam conforme o ambiente, o temperamento e a hereditariedade. De acordo com a sua condição particular, de acordo com a sua educação e criação particular, religiosa, social e econômica, vocês estabeleceram certos objetivos cuja realização vocês buscam incessantemente. E essa busca se tornou fundamental em suas vidas.

Depois de estabelecidos esses objetivos, surgem naturalmente os especialistas que agem como seus guias para a realização de seus desejos. Daí a perfeição da técnica, a especialização se torna o meio para atingir o fim. E para atingir esse fim, que vocês estabeleceram através do seu condicionamento religioso, econômico e social, vocês devem contar com especialistas. Assim, a sua ação perde o seu significado, o seu valor, porque vocês estão preocupados com a realização de um objetivo, não com a realização da inteligência, que é ação. Vocês estão preocupados com a chegada, não com aquilo que é a realização em si. Viver se torna apenas um meio para atingir um fim. E a vida uma escola na qual vocês aprendem a atingir um objetivo. Portanto, a ação se torna apenas um meio através do qual vocês podem chegar ao objetivo que vocês estabeleceram através de seus vários ambientes e condições. Assim, a vida se torna uma escola de grandes conflitos e lutas, nunca algo de realização, de riqueza, de completude.

Então vocês começam a perguntar qual é o fim, qual é o propósito de viver. Isso é o que a maioria das pessoas pergunta. Isso é o que está na mente da maioria das pessoas aqui. Por que estamos vivendo? Qual é o fim? Qual é o objetivo? Qual é o propósito? Vocês estão preocupados com o propósito, com o fim, não com viver no presente. Considerando que um homem que realiza nunca pergunta pelo fim porque a própria realização é suficiente. Mas como vocês não sabem como realizar, como viverem completamente, ricamente, suficientemente, vocês começam a perguntar pelo propósito, pela meta, pelo fim, porque vocês pensam que conhecendo o propósito, vocês podem enfrentar a vida – pelo menos vocês pensam que podem conhecer o fim – então, conhecendo o fim, vocês esperam usar a experiência como um meio para atingir esse fim. Portanto, a vida se torna um meio, uma medida, um valor para chegar a esse objetivo.

Conscientemente ou inconscientemente, escondidamente ou abertamente, a pessoa começa a investigar o propósito da vida, e cada uma recebe uma resposta dos chamados especialistas. O artista, se vocês perguntarem a ele qual é o propósito da vida, lhes dirá que é a autoexpressão através da pintura, da escultura, da música ou da poesia; o economista, se vocês perguntarem a ele, lhes dirá que é o trabalho, a produção, a cooperação, a convivência, o funcionamento como grupo, como sociedade; e se vocês perguntarem ao religioso, ele lhes dirá que o propósito da vida é buscar e realizar Deus, vivermos de acordo com as leis estabelecidas pelos mestres, profetas, salvadores, pois assim nós podemos perceber aquela verdade que é Deus. Cada especialista lhes dá sua resposta sobre o propósito da vida. E de acordo com seu temperamento, fantasias e imaginação, vocês começam a estabelecer esses propósitos, esses fins como seus ideais.

Tais ideais e fins se tornam apenas um refúgio porque vocês os usam para se guiar e se proteger nesta confusão. Vocês começam a usar esses ideais para medir suas experiências, para investigar as condições do seu ambiente. Vocês começam, sem o desejo de compreender ou de realizar, apenas a investigar o propósito do ambiente. E ao descobrir esse propósito, de acordo com o seu condicionamento, de acordo com os seus preconceitos, vocês apenas evitam o conflito de viver sem compreensão.

Assim, a mente dividiu a vida em ideais, propósitos, culminações, conquistas, fins; confusão, conflito, perturbação, desarmonia; você, você mesmo, a autoconsciência. Isto é, a mente separou a vida nessas três divisões. Vocês estão envolvidos na confusão, e através dessa confusão, desse conflito, dessa perturbação, que é apenas sofrimento, vocês trabalham em direção a um fim, a um propósito. Vocês atravessam essa confusão até a meta, até o fim, até o refúgio, até a realização do ideal. E esses ideais, fins, refúgios foram concebidos por especialistas econômicos, religiosos e espirituais.

Assim, vocês estão, por um lado, atravessando as condições e o ambiente e criando conflitos enquanto tentam realizar ideais, propósitos e conquistas, que se tornaram refúgios e abrigos, no outro. A própria investigação sobre o propósito da vida indica falta de inteligência no presente. E o homem que é totalmente ativo – não perdido em atividades, como acontece com a maioria dos Americanos, mas totalmente ativo, inteligente, emocional, completamente vivo – se realizou. Portanto, a investigação sobre um fim é fútil, porque não existe fim nem começo; existe apenas o movimento contínuo do pensamento criador. E o que vocês chamam de problemas são os resultados de vocês atravessarem essa confusão em direção à culminação. Isto é, vocês estão preocupados em como superar essa confusão, em como se ajustar ao ambiente para chegar ao fim. Com isso toda a sua vida está preocupada, não com vocês mesmos e com o objetivo. Vocês não estão preocupados com isso, vocês estão preocupados com a confusão, em como passar por ela, em como dominá-la, superá-la e, portanto, em como evitá-la. Vocês querem chegar àquela fuga perfeita que vocês chamam de ideais, àquele refúgio perfeito que vocês chamam de propósito de vida, que é apenas um escape da confusão atual.

Naturalmente, quando se busca superar, dominar, fugir e chegar ao objetivo final, surge a procura por sistemas e seus líderes, por guias, mestres e especialistas. E para mim todos eles são exploradores. Os sistemas, os métodos e os seus mestres e todas as complicações das suas rivalidades, engodos, promessas e espertezas criam divisões na vida conhecidas como seitas e cultos.

Isso é o que está acontecendo. Quando vocês estão buscando uma conquista, um resultado, uma superação da confusão, não consideram o “você”, a consciência do “eu” e o fim que vocês estão incessantemente perseguindo, de forma consciente ou inconsciente, naturalmente vocês criam exploradores, seja do passado ou do presente. E vocês ficam presos na pequenez deles, em seus ciúmes, disciplinas, em suas desarmonias e divisões. Assim, o mero desejo de passar por essa confusão sempre cria mais problemas, pois não há consideração do ator, ou da maneira de sua ação, mas apenas a consideração da cena da confusão como um meio para chegar a um fim.

Agora, para mim, a confusão, o fim e o “você” são a mesma coisa, não há divisão. Essa divisão é artificial. E ela é criada pelo desejo de ganhar, pela busca da acumulação aquisitiva, que nasce da insuficiência.

Ao se tornar consciente do vazio, da superficialidade, a pessoa começa a perceber a total insuficiência do seu próprio pensamento e sentimento e, portanto, no seu pensamento surge a ideia de acumulação. E daí nasce essa divisão entre “você”, a autoconsciência e o fim. Para mim, como disse, não há tal distinção, porque no momento em que você realiza não há mais ator e ato, mas apenas aquele movimento criador do pensamento que não busca um resultado e, portanto, há um viver contínuo, que é a imortalidade.

Mas vocês dividiram a vida. Consideremos o que é esse “eu”, esse ator, esse observador, esse centro de conflito. Ele é apenas um longo e contínuo rolo de memória. Eu falei sobre memória com muito cuidado em minhas palestras anteriores e não posso entrar em detalhes agora. Se vocês estiverem interessados, vocês lerão o que eu disse. Esse “eu” é um rolo de memória no qual há acentuações. Essas acentuações ou depressões nós chamamos de complexos, e a partir deles agimos. Ou seja, a mente, estando consciente de sua insuficiência, busca um ganho e, portanto, cria uma distinção, uma divisão. Tal mente não consegue compreender o ambiente, e como não consegue compreendê-lo, ela conta com o acúmulo de memória para se orientar; pois a memória é apenas uma série de acumulações que funcionam como um guia para um fim. Esse é o propósito da memória. A memória é a falta de compreensão. Essa falta de compreensão é o seu condicionamento, e a partir do seu condicionamento procede sua ação.

Essa memória age como um guia para um fim. E esse fim, sendo pré-estabelecido, é apenas um refúgio autoprotetor que vocês chamam de ideais, realização, verdade, Deus ou perfeição. O começo e o fim, o “você” e o objetivo são resultados dessa mente autoprotetora.

Eu explique como surge uma mente autoprotetora. Ela surge como resultado da consciência ou percepção do vazio, do vácuo. Portanto, ela começa a pensar em termos de conquista, aquisição, e a partir disso, ela passa a funcionar dividindo a vida e restringindo suas ações. Portanto, o fim e o “você” são o resultado dessa mente autoprotetora. E a confusão, o conflito e a desarmonia são apenas o processo de autoproteção e nascem dessa autoproteção espiritual e econômica.

Espiritualmente e economicamente vocês estão buscando segurança, porque vocês contam com a acumulação para sua riqueza, compreensão, para sua plenitude, realização. E portanto os astutos, tanto no mundo espiritual como no econômico, exploram vocês, pois ambos buscam o poder glorificando a autoproteção. Assim, cada mente está fazendo um tremendo esforço para se proteger. E o fim, os meios e o “você” nada mais são do que o processo de autoproteção. O que acontece quando existe esse processo de autoproteção? Há conflito com as circunstâncias, que chamamos de sociedade; existe o “você” tentando se proteger do coletivo, do grupo, da sociedade.

Agora, o inverso disso não é verdade. Ou seja, não pensem que se vocês deixarem de se proteger estarão perdidos. Pelo contrário, vocês estarão perdidos se estiverem se protegendo devido à insuficiência, devido à superficialidade de pensamento e afeto. Mas se vocês simplesmente deixarem de se proteger porque pensam que vão encontrar a Verdade, novamente isso será apenas outra forma de proteção.

Portanto, como nós construímos ao longo dos séculos, geração após geração, esse mecanismo de autoproteção espiritual e econômico, vamos descobrir se essas duas autoproteções são reais. Talvez, economicamente, vocês possam afirmar a autoproteção por algum tempo. O homem que tem dinheiro, muitas posses e que garantiu confortos e prazeres para seu corpo é, geralmente, se vocês observarem, muito insuficiente, estúpido e busca a chamada proteção espiritual.

Vamos examinar se realmente existe autoproteção espiritual, porque economicamente vemos que não há segurança. A ilusão da segurança econômica é demonstrada em todo o mundo através destas depressões, crises, guerras, calamidades e caos. Reconhecemos isso e, portanto, nos voltamos para a segurança espiritual. Mas para mim não há segurança, não há autoproteção e nunca poderá haver alguma. Eu digo que só existe sabedoria, que é compreensão, não proteção. Ou seja, a segurança, a autoproteção é o resultado da insuficiência, na qual não há inteligência, pensamento criativo, na qual há a batalha constante entre o “você” e a sociedade, na qual os espertos os exploram implacavelmente. Enquanto houver a busca pela autoproteção haverá conflito e, portanto, não poderá haver compreensão nem sabedoria. E enquanto essa atitude existir, a sua busca pela espiritualidade, pela Verdade ou Deus será vã, inútil, porque é apenas a busca por maior poder, por maior segurança.

Somente quando a mente, que se abrigou atrás dos muros da autoproteção, se liberta de suas próprias criações, é que pode haver essa realidade extraordinária. Afinal, esses muros de autoproteção são criações da mente; estando a mente consciente de sua insuficiência, ela constrói esses muros de proteção e se abriga atrás deles. Construímos essas barreiras inconscientemente ou conscientemente, e a nossa mente está tão paralisada, presa, limitada que a ação traz grandes conflitos, mais perturbações.   

Portanto, a mera busca pela solução dos seus problemas não libertará a mente de criar mais problemas. Enquanto existir este centro de autoproteção, nascido da insuficiência, haverá perturbações, enorme sofrimento e dor. E vocês não podem libertar a mente do sofrimento disciplinando-a para não ser insuficiente. Ou seja, vocês não podem se disciplinar, ou serem influenciados pelas condições, pelo ambiente, para não serem superficiais. Vocês dizem para si próprios: “Sou superficial; reconheço o fato, e como vou me livrar dele?” Eu digo para não buscarem se livrar dele, que é apenas um processo de substituição, mas se tornem conscientes, tomem consciência do que está causando essa insuficiência. Vocês não podem obrigar, forçar, isso não pode ser influenciado por um ideal, por um medo, pela busca de prazeres e poderes. Vocês só podem descobrir a causa da insuficiência por meio da atenção. Ou seja, ao olharem para o ambiente e penetrarem no seu significado, então serão reveladas as espertas sutilezas da autoproteção.

Afinal, a autoproteção é o resultado da insuficiência, e como a mente foi condicionada, presa em sua escravidão durante séculos, vocês não podem discipliná-la, superá-la. Se vocês fizerem isso, vocês perderão o significado das espertezas e sutilezas do pensamento e da emoção atrás dos quais a mente se abrigou. E para descobrirem essas sutilezas, vocês devem se tornar conscientes, atentos.

Agora, estar atento é não alterar. A nossa mente está habituada a alteração, que é apenas modificação, ajustamento, disciplinamento para uma condição. Considerando que se vocês estiverem atentos, vocês descobrirão todo o significado do ambiente. Portanto, não há modificação, mas sim liberdade total do ambiente.

Somente quando todas as paredes de proteção forem destruídas na chama da atenção, na qual não há modificação, alteração, ajustamento, mas sim compreensão completa do significado do ambiente com todas as suas delicadezas e sutilezas – somente através dessa compreensão é que existe o eterno; porque nisso não existe “você” funcionando como um foco autoprotetor. Mas enquanto existir esse foco autoprotetor que vocês chamam de “eu”, haverá confusão, perturbação, desarmonia e conflito. Vocês não podem destruir esses obstáculos se disciplinando ou seguindo um sistema ou imitando um padrão. Vocês só podem compreendê-los com todas as suas complicações através da plena vigilância de mente e coração. Então há um êxtase, há aquele movimento vivo da Verdade, que não é um fim, uma culminação, mas uma vida eternamente criativa, um êxtase que não pode ser descrito, porque toda descrição o destrói. Enquanto vocês não forem vulneráveis à Verdade não haverá êxtase, não haverá imortalidade.

1 de julho de 1934